Autores

Lima, I.F.P. (UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ) ; Paula, D.P. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ)

Resumo

A Praia do Icaraí, em Caucaia-CE, passou e passa por um processo de intervenção costeira dada a situação de erosão que se instaurou no local. Para atenuar os problemas costeiros foi erguida uma estrutura rígida do tipo Bagwall, contudo mal planejada, pois já foi refeita diversas vezes, acarretando ônus financeiros elevados. Assim, o principal objetivo desse estudo foi avaliar as consequências ambientais e sociais face à concepção do projeto de proteção costeira adotado na Praia do Icaraí. A fim de se compreender as condições de erosão e modo de trabalho da estrutura, procedeu- se com a caracterização do ambiente, os mecanismos de carregamento da estrutura e a identificação de elementos de deterioração do aparelho de proteção. Também foram considerados cálculos de arrebentação de ondas para análise de carregamento dinâmico. Por fim, foram reunidos alguns impactos ambientais, econômicos e paisagísticos, sendo relacionados com a obra e com a segurança de usuários e da infraestrutura local.

Palavras chaves

Erosão Costeira; Proteção Costeira; Risco

Introdução

As zonas de costa são sistemas dinâmicos, cujos processos atuantes são bastante heterogêneos e difíceis de prever. Sua importância histórica se dá pelas primeiras povoações brasileiras que utilizaram essa região como ponto de partida para a colonização do continente. Ainda é evidente que a sua existência potencializa as relações humanas, seja para motivos recreacionais, de moradia ou econômicos. Dada essa importância, situações de conflito são comuns nesse espaço. Pelo interesse econômico, não é raro que investimentos em infraestrutura sejam feitos em pontos específicos ao longo da costa, buscando se favorecer das relações comerciais lá existentes. Ainda há elevada pressão antrópica, resultando em uma ocupação com pouco ou nenhum controle, sendo o principal agravante quando se trata do desequilíbrio entre homem e meio ambiente costeiro. Essa ocupação do espaço sem considerar as alterações morfológicas e as variações da dinâmica costeira podem oferecer riscos aos elementos de infraestrutura e à sociedade civil. A região de Icaraí, localizada no município de Caucaia, passa por sucessivas intervenções costeiras como consequência dos processos erosivos. A erosão pode ocorrer pela ação de elementos forçantes (e.g. ondas, ventos, marés) e é potencializada pelo decréscimo de sedimentos das bacias hidrográficas em direção à zona costeira. Suguio (1992) destacou que a retiradas de areia ao longo dos cursos de água doce e o represamento de sedimentos por barragens, estruturas portuárias ou de proteção da costa afetam o fluxo da deriva litorânea e influenciam diretamente nesse aporte sedimentar. Isso fez com que fossem construídos, por diversas vezes, estruturas do tipo Bagwall no intuito de adequar as condições da praia para a prática balnear e atividades econômicas. Com essa medida, observou-se a criação de uma nova praia por certo tempo, até condições de agitação mais severas acontecerem e reiniciar o comportamento erosivo. Essas sucessivas recriações da estrutura exigiram um grande aporte financeiro. Isso suporta a compreensão de que a estrutura parece não trabalhar competentemente para seu fim, gerando investimentos onerosos e sendo necessária uma outra intervenção. O estudo do comportamento do ambiente costeiro e como a obra reage torna-se bastante importante para a gestão local, sendo essencial para compreender os efeitos de degradação e durabilidade da mesma. Em termos gerais, essas condições de forte agitação aliadas às deficiências sedimentares fizeram com que a intervenção não alcançasse os resultados esperados, sendo notada uma erosão ao longo da faixa litorânea com diferentes graus de atuação. Assim, a solução do problema pode estar ligada a inadequações no dimensionamento da estrutura para a região de estudo, sendo essa análise, objeto de estudo da pesquisa que segue. Para a caracterização estrutural de uma obra costeira de concreto se deve obedecer dois principais aspectos de funcionamento: durabilidade e desempenho. Deparando-se com elevado grau de exposição, a segurança deve ser garantida por, no mínimo, a majoração da resistência estrutural e garantia de elevado peso e volume dos blocos. Outrossim, a possibilidade de rigidez ou movimentação também devem ser considerados no dimensionamento da estrutura. Também é comum que essas estruturas sejam dimensionadas através de fórmulas empíricas (Taveira Pinto, 2007; Serra, 2012). Essas considerações podem ser influenciadas, conforme Cecarelli (2009), pelas características de correntes, marés, dinâmica de praia e balanço sedimentar, ondas e ventos. Essas variáveis irão interferir no comportamento do material e modificar suas características. Isso decorre do fato que o ambiente costeiro é bastante variável e necessita de estudo específicos para cada local. Dessa maneira, é fácil inferir que obras que funcionam em determina região podem ser inapropriadas para outras, podendo causar efeitos contrários ao desejado caso sejam mal planejadas, caso a ser observado neste estudo.

Material e métodos

O primeiro passo para o levantamento do desempenho de uma estrutura já executada, com o objetivo de conhecer o seu estado, é a inspeção visual. Com essa técnica, buscou-se identificar inconformidades com projeto (disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Caucaia), patologias (esfacelamento, porosidade, fissuração, descoloração) e pontos de fragilidade. Para tal, visitas de campo foram realizadas periodicamente, distribuídas ao longo dos anos de 2014, 2015 e 2016. Além disso, foi consultada a norma brasileira regulamentadora (NBR 6118/2014) que discorre sobre o projeto de estruturas de concreto. Embora largamente utilizadas para estruturas armadas, o documento tece uma série de especificações quanto ao uso de concreto simples estrutural. Entre elas, é válido salientar a agressividade do ambiente. Esse conceito está relacionado às ações químicas e físicas, independente das ações mecânicas e outras previstas para o dimensionamento das estruturas de concreto. A mesma norma também aconselha que seja evitada a acumulação de água da chuva ou de limpeza e lavagem sobre as superfícies de estruturas de concreto. Ainda afirma que superfícies horizontais vulneráveis à ação da água devem possuir dispositivos destinados à drenagem. No que concerne à normativa internacional, Pereira (2008) faz referência aos procedimentos adotados pelo CEM (Coastal Engineering Manual) indicados para fundações de quebra-mares. Essas informações fazem referência à rotura de fundações, como sendo uma das principais causas de problemas em obras costeiras. Ela é consequência de infra-escavações ocasionadas pelo carreamento de solo. A metodologia executiva indica o uso de geossintéticos que favorecem a estabilidade e distribuição de esforços diferenciais. Esse sistema é utilizado para garantir a fixação dos finos, impedindo o arrasto de partículas. Acima do elemento geossintético, ou como alternativa, a escavação do material natural e a reorganização em filtro com gradação granulométrica também é aconselhada. Esse filtro também pode ser protegido por uma camada de rochas dispostas em talude. Foram também tecidas considerações a respeito da influência do espraio na estabilidade da estrutura, conforme analisaram Bendo et al. (2017). Essa avaliação contribuiu para a compreensão do alcance do nível da água e quais as consequências dos impactos para a estrutura. Para isso, a região foi avaliada seguindo o seccionamento em cinco pontos de monitoramento, em que o setor 1(S1) representa o setor modificado por edificações multifamiliares, os setores 2 a 4 (S2, S3 e S4) são influenciados pela presença da obra e o setor 5 (S5) constituído por uma região de dunas naturais. Ainda, alguns comentários sobre a quebra de ondas foram feitos baseando-se no que defende Guimarães (2017) ao aconselhar o uso de equações de ondas para águas rasas a fim de identificar onde irão arrebentar as ondas de projeto em relação à estrutura. A altura de onda pode ser relacionada à cota de fundo através da equação empírica hb=Hb÷0,78=1,282×Hb. Em que hb corresponde à profundidade de quebra e Hb à altura de onda no momento da quebra. Essa equação foi aplicada em momentos de carregamento extremos, marés máximas, tendo em vista que em diferentes condições, mais brandas, muito pouco poderia ser inferido.

Resultado e discussão

Para a compreensão da exposição da estrutura, o enquadramento da região em relação à agressividade ambiental obedeceu ao que dispõe a NBR 6118/14. Exposta a quase completa submersão e às variações de maré, a estrutura está submetida ao risco de agressividade ambiental IV, muito forte, com elevado risco de deterioração. Abrangendo a classificação da norma para o concreto simples, a tabela 4 da mesma determina que a classe de concreto utilizada para esses tipos de obras deve ser igual ou superior a 40Mpa. Contudo, a referência encontrada à classe de concreto de 30 MPa utilizada na execução consta apenas nos dados orçamentários disponibilizados pela prefeitura, sendo, portanto, inadequada para o dimensionamento. Também é válido que sejam consideradas as cargas mecânicas dinâmicas incidentes sobre a estrutura. Em campanhas de campo, observou-se o transporte e o choque contra a estrutura de seixos rolados e ondas. Em alguns casos, a atuação da água conseguiu mover e desalinhar alguns blocos. Isso pode desestabilizar o sistema e oferecer riscos aos usuários. A figura 1 faz alusão à essa situação, ilustrando a incidência de ondas diretamente sobre a obra (fim para qual foi projetada) e a presença de seixos carreados por essa energia dissipada. As atividades de campo também permitiram observar a redução gradativa da seção dos blocos. Esse problema pode estar ligado à resistência do concreto, onde, se a resistência utilizada para a execução não for adequada, o mesmo não suportará as solicitações provenientes dos esforços imprimidos pelas forçantes, o que dará início ao processo de degradação. Como os ciclos de marés tem intervalos de 6 horas, ao longo do dia toda a estrutura fica exposta à lixiviação das camadas mais superficiais, o que causará sua delaminação, exposição e perda de agregados e remodelação de suas dimensões. A ação do sol também é constante, favorecendo os processos de molhagem e secagem e a fadiga da estrutura por dilatação térmica. A análise do projeto permitiu inferir que a execução de muros específicos de proteção nas extremidades da estrutura não forma contempladas. A proteção é realizada pela continuação e curvatura do Bagwall. Isso pode gerar um ponto de fragilidade, tendo em vista que favorece a ação erosiva da água ao atingir as cotas onde o Bagwall é finalizado (Figura 2) e o carreamento de material de apoio da contra- face da estrutura, desestabilizando-a. Em relação ao run up, que une os dados de setup às condições de espraiamento de água, levantou-se os resultados propostos por Bendo et al. (2017). Os autores se basearam na metodologia de Sallenger (2000), que consideram o enquadramento em classes de impacto diante da região da feição (duna ou obra) que a água consegue atingir. Esses valores são calculados através de rotinas que utilizam parâmetros de marés, ondas, sobreelevação e inclinação do talude da duna ou do perfil que abriga a estrutura de proteção. A partir da análise para cinco condições diferentes dos eventos, os autores concluíram que o setor S2 está vulnerável ao regimed e colisão (quando a água atinge a região mediana da feição). Enquanto que o setor S3 indicou o regime de galgamento (se o espraio ultrapassa o topo da feição). Ainda adicionaram que o regime de colisão é um importante causador de solapamento na base da estrutura, ocasionando seu desmoronamento como observado no período estudado. A análise de Bendo et al. (2017) considerou diferentes níveis de água: para o setor S2, os níveis variaram de de 3,75m a 4,49m, enquanto que para o setor S3 essa variação foi de 3,89m a 4,56m. Esses valores comparados com as cotas das formas naturais ou da obra indicaram que o nível de água não foi capaz de ultrapassar esses pontos, ou seja, nos casos mais severos de agitação, apenas o espraio conseguiu se sobrepor a cota máxima da estrutura ou das dunas. Isso significa dizer que para as condições locais, a altimetria da estrutura encontra-se de acordo com as solicitações. No que se relaciona com a quebra de ondas, aplicando a equação proposta na metodologia de Guimarães (2017), onde a onda arrebenta quando sua altura significativa dividida pela profundida é igual a relação 0,78, optou-se por usar um valor de maré de sizígia média de 3,02m (DHN,2017) como um valor médio de ocorrência para a região de Icaraí. Adicionado a isso, os valores de altura significativa de ondas fornecidos por Fisch(2008) para a região, foram de 1,1m, 2,0m e 2,8m. A figura 3 espacializa o local de quebra de ondas em relação a dois pontos de monitoramento que abrigam a estrutura. As ondas mais comuns durante o ano todo são as de Hs=1,1 m, para os dois setores estudados. As ondas com essa altura significativa arrebentam a 15 metros da estrutura (S2) ou diretamente sobre ela (S3). Isso indica a capacidade de modelamento dessas ondas, na base da estrutura, faz com que a areia presente nessa região seja movida para as regiões adjacentes do perfil. Corroborando o impacto negativo de infra-escavação citado por Bendo et al. (2017). Em relação à altura dos degraus, percebeu-se o padrão de 35cm tendo em vista o especificado no projeto e a largura das geoformas. Entretanto, a largura desses degraus para o acesso dos banhistas é variável tendo em vista também a disposição das geoformas (Figura 4). Isso pode acarretar dois principais problemas. O primeiro está ligado a qualidade e conforto durante o acesso, podendo criar pontos não suficientemente firmes para o apoio e a passagem do banhista. Já o segundo faz referência à existência e sulcos e reentrâncias em direção à parte interior da obra, que pode fazer com que água seja acumulada nesses locais e favorecer o aparecimento das patologias na estrutura. Paula et al. (2016) constataram em entrevista realizada no local que apenas 10% da amostra de entrevistados era idoso, esse baixo número reflete o fato da dispersão de blocos de concreto ao longo da praia, que pode representar perigo durante a utilização por essa população, e a dificuldade ao utilizar a obra pela falta de acessibilidade. Os impactos paisagísticos concentram grande importância quanto ao projeto desse tipo de intervenção já que o Bagwall afeta significativamente a estética praial. Obras do tipo seawall se posicionam horizontalmente à linha de costa e modificam a vista panorâmica. O efeito ainda é maior pela completa exposição do aparelho, principalmente no período entre marés, onde sua cota de coroamento fica elevada, e em período quando a erosão está mais acentuada. A minimização desses impactos poderá passar pela adaptação da cota de coroamento da estrutura e escolha de materiais, formas e cores que a constituem. Paula et al. (2016) constataram que a frequência de utilizadores dessa praia se dá não pela beleza cênica, mas pela proximidade de Fortaleza. Para 75% do grupo entrevistado na mesma pesquisa, foi observado que essa frequência de utilização foi reduzida. Uma porcentagem muito baixa de frequentadores (4,5%) acredita que o Bagwall seja a solução mais viável para a contenção da erosão. Esse fato é confirmado por quase 70% do grupo de análise constatar que não houve melhora significativa na qualidade ambiental da praia após a instalação da obra. Nesse sentido, destaca-se que os diferentes graus de eficiência da estrutura são percebidos pela população de forma negativa. Os principais problemas fazem referência a presença de uma barreira visual de difícil acessibilidade. Aliado a isso, a depreciação do comércio e do setor imobiliário também foram tópicos constantemente verificados. A apreciação global dos fatores permite sobrepor os impactos negativos, sendo necessária medida corretiva para redução desses transtornos. Entretanto, a obra é um importante reforço na capacidade de defesa costeira de Icaraí, ou seja, sua inexistência poderia implicar no agravo da situação existente.

Figura 1

Seixos movidos pela ação da agitação marítima, conseguindo atingir a avenida litorânea. Fonte: Resmar, 2015.

Figura 2

Detalhe da extremidade do muro de proteção em Icaraí, passível de erosão. Fonte: Resmar, 2014.

Figura 3

Ponto de arrebentação para diferentes alturas de onda nos setores 2 e 3. Fonte: Própria, 2017.

Figura 4

Detalhe de pedras arrumadas para facilitar acesso. Fonte: Resmar, 2015.

Considerações Finais

A análise da norma constatou que a resistência projetada para os esforços pode estar subdimensionada. Através da inspeção visual em campo, inferiu-se que a estrutura também pode estar também subdimensionada para resistir aos esforços de subpressão. Isso pode indicar risco aos banhistas devido à desestabilização dos taludes de aterro por trás da estrutura e a mobilização dos blocos. A metodologia de run-up evidenciou que estrutura está vulnerável ao processo de solapamento da base, por escavações influenciadas por processos costeiros que podem desestabilizar a mesma. A análise das fundações leva a concluir que, como há escavação da base pelos elementos dinâmicos do mar, uma estrutura mais robusta deveria ser proposta. É reforçado, entretanto, que um enrocamento ou outro elemento utilizado para a proteção da fundação deverá estar abaixo da cota de nível mínimo de areia tendo em vista a proteção dos usuários. Também foram levantadas questões de acessibilidade e interferências na paisagem. Constatou-se a depreciação do local, por não ser acessível ou não causar no usuário sensação de segurança ou de beleza cênica. Reflexos negativos na economia local também foram notados, tendo em vista a redução da competitividade comercial e da valorização imobiliária. Nesse sentido, se faz necessário uma análise mais aprofundada das condições globais a que a estrutura está exposta a fim de que sejam adotadas as medidas que minimizem os riscos de sua implantação e as consequências no meio.

Agradecimentos

Os autores agradecem os esforços conjuntos do Laboratório de Engenharia Ambiental e Geotecnologias da Universidade Estadual Vale do Acaraú e do Laboratório de Geomorfologia Costeira e Oceânica da Universidade Estadual do Ceará. Além disso, ao CNPq pelo financiamento do Projeto Resmar e à Prefeitura de Caucaia pela disponibilização do material consultado.

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