Autores
Pereira, B. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA) ; Salvador, D. (UECE) ; Rabelo, F.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA) ; Meirelles, A.J. (UFC)
Resumo
O movimento eustático do nível do mar é uma das principais componentes atuantes na formação do relevo litorâneo. As formas de relevos encontradas atualmente no litoral de todo o mundo são expressões da história geológica do nível do mar no planeta. Este trabalho teve como principal objetivo buscar evidências morfológicas dos fenômenos eustáticos na praia de Bitupitá - Ceará - Brasil. Assim como ferramenta de análise foi utilizado os princípios propostos pelo método de Estratigrafia de Sequências.Foram escolhidos dois sítios, onde em um deles as sequências apresentaram discordância ao longo dos perfis estratigráficos. Buscamos correlacionar as discordâncias e acomodações de camadas com estágios praias distintos. Ao final da análise foi possível traçar hipóteses sobre o tipo de ambiente e de processos e agentes que atuaram na constituição dessas formas. Estudos geocronológicos devem ser incentivados para subsidiar as teorias e modelos utilizados na geomorfologia costeira.
Palavras chaves
geomorfologia; fluxo de materia e energia; estratigrafia de sequências
Introdução
O ambiente litorâneo é formado a partir da conjunção dos fluxos de matérias e energia entre o continente e oceano, claramente é uma zona natural particular. Devido ser a fronteira entre o ambiente marinho e o terrestre, o litoral passa a ser uma porção singular do espaço geográfico ao observar suas características, funcionamento e localização privilegiada. Diferente de paisagens continentais a paisagem litorânea passa por um constante lapidamento de suas morfologias devido a gama de agentes e processos envolvidos na composição das praias. A energia das marés, o fluxo hídrico continental, as ondas e correntes costeiras e a energia dos ventos são os principais agentes que atuam em um conjunto rico e indissociável de processos formadores de relevo. Outra importante componente para a formação do ambiente litorâneo e o movimento eustático do nível do mar. As dunas, estuários, falésias, praias, rochas de praia e lagoas costeiras são alguns dos exemplos de sistemas ambientais resultantes da relação destes componentes desses agentes.As formas de relevo encontradas no litoral podem ser expressão de um fenômeno particular a partir da ação de um agente especifico, mas ainda assim tal forma estará no contexto do jogo de relações entre os componentes naturais, pois conforme Zenkovicth (1970) “Os fenômenos se superpõem sempre, em combinações variáveis. Estabelecer como os fatos se superpõem, explicar assim a estrutura de um litoral e prever sua evolução, tudo isso constitui objeto de escolha para análise.”. A partir da análise das morfologias litorâneas é possível traçar caminhos para a montagem da história geológica dos oceanos e por consequência do litoral e dos continentes. Nesse contexto foi objetivo dessa análise foi buscar identificar a relação entre a formação dos depósitos sedimentares com o movimento eustático do nível do mar partindo da premissa que a dinâmica global do nível do mar controla a disposição das formas em todo o globo. Apesar da importância do estudo do movimento eustático do nível do mar para caracterização do relevo litorâneo, de forma geral, existe uma escassez de estudos sobre essa questão em especial para o litoral cearense. Assim, este trabalho justifica-se na intenção de trazer à tona a discussão da dinâmica eustática do nível do mar a partir de estudos fundamentados no método da Estratigrafia de Sequência descrita por Della Favera (2001).
Material e métodos
Variações eustáticas são resultado dos movimentos tectônicos, fenômenos de glaciação e gravitacionais (MEIRELES, 2012); (FAVERA, 2001); (BIRD, 2013) ; (PUGH, 2004). Para esta analise partimos da mudança climática do pleistoceno/holoceno descrita por Ab`Saber (1979) como um período de diminuição generalizada nas temperaturas, expansão do clima seco e com um nível do mar dezenas de vezes menor.Esse estudo tem como base analítica o método de estudo da Estratigrafia de Sequencias, sendo esta, de acordo FAVERA (2001) o estudo de relações dos ambientes sedimentares dentro de uma escala cronológica. Conforme o autor, a sequência é a unidade delimitada por discordâncias ou concordâncias relativas. Favera (2001) ressalta que “os padrões de estratos e distribuição de litofácies nas bacias sedimentares podem ser controlados por: subsidência tectônica, variação/eustática do nível do mar, volume de sedimentos e clima”. ÁREA DE ESTUDO O litoral do Norte (antigo Extremo Oeste) do Ceará é caracterizada por praias dissipativas, constituídas por amplos depósitos marinhos e eólicos. O transporte eólico sedimentar, a intensidade das correntes costeiras e a orientação da sua linha de costa ENE-WSW fazem dessa uma região de alta sedimentação (MUHE, 2006). Localizada à direita da foz do sistema estuarino Timonha/Ubatuba, a praia de Bitupitá está inserida em uma planície flúvio- marinha, que ocupa uma área de 68 km2, encaixada entre terrenos da formação Barreiras e do embasamento cristalino (DIAS, 2005). Inserida em um regime de marés semi-diurnas, com dois ciclos de maré durante um dia. De acordo com a Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), o nível médio do mar é de 1,8 metros(m). Em marés de sizígia encontramos a cota de 3,4 m de altura média para preamar e 0,3 m para baixa-mar. As médias para o ciclo de quadratura são 2,6 m para preamar e 1,8 m nos períodos de baixa-mar (DHN, 2015). Os depósitos arenosos encontrados na região estudada estão associados aos processos de deposição sedimentar encontrados no estuário do rio Timonha. Às margens desse rio, é formado o maior ecossistema de manguezais do Ceará, com 9.725,6 ha (44,51% da área total de manguezais do estado (MORAIS, 2000). Outro elemento preponderante na região e um extenso campo de dunas de várias gerações. As características pluviométricas da costa do estado do Ceará estão diretamente relacionadas ao movimento da Zona de Convergência Inter- Tropical (ZCIT). Ao longo do ano, o posicionamento dessa zona varia de 14° N em agosto/outubro a 2o - 4o S entre fevereiro e abril (Figura 3). Em fevereiro, esse sistema movimenta-se para sul, o que está relacionado com o início da quadra chuvosa no Ceará (FERREIRA, 2005). Segundo estudos geocronológicos na região por Espinel Arias (2015), a partir da análise de termoluminescência e espectrometria de massa (AMS) encontraram idades de 3046 e 1611 AP para cimentação dos eolianitos com o uso do método LOE e 1857 ‐ 1943, 1451 ‐ 1522 AP a partir da datação por Carbono 14. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO A observação das morfologias que evidenciam variações eustáticas do nível do mar aconteceu ao longo de um trabalho de campo durante os dias 19 a 23 de junho do ano de 2017. Perfis latitudinais e longitudinais a faixa de praia foram realizados a pé para fins de conhecimento da localização destas evidências. Para registro fotográfico utilizou-se câmera Nikon AW100. Para orientação e tomada de referência foram utilizados receptor GPS/Glonass de navegação Garmim eTrex 10. Uma escala métrica foi utilizada na descrição do tamanho das formas, junto com outros elementos como canetas, uma pá e uma moeda de 50 centavos. A edição das figuras foi feita por meio do programa PowerPoint, linhas tracejadas foram criadas para destacar a deposição de materiais bem característica de um nível do mar distinto do atual.
Resultado e discussão
A seguir apresentamos um perfil estratigráfico realizado na zona de pós-praia
da planície costeira de Bitupitá. A discordância (conchas) aparece aos 50 cm.
Nos casos que ilustramos a seguir podemos ver uma clara alteração na área de
estirâncio nas figuras 1 e 2.As conchas encontradas soterradas em um perfil
estratigráfico na atual zona de pós praia indica que no passado tal área fazia
parte da zona de estirâncio. Atualmente a área onde realizamos este perfil
estratigráfico fica a 250 metros do nível de maré mais alta. Outra feição que
pode estar relacionada a variação do nível do mar são os eolianitos. Tais
feições são consideradas paleodunas que passaram por um processo de
litificação por cimento carbonático (Meirelles, 2012). A partir da observação
da estratificação plano-paralela possível entender o ambiente de deposição
deste deposito sedimentar (LAPORTE, 1964)As paisagens litorâneas são resultado
da interação de processos morfo-estruturais associados a processos externos,
como variação do nível do mar, ondas, correntes, precipitações e ventos
(CLAUDINO-SALLES, 2007). As evidencias morfológicas que envolveram flutuações
do nível do mar estão representadas no contato entre sedimentos tipicamente
continentais e marinhos (MEIRELLES, 2012); CRUZ (1985) elucida sobre o estudo
da relação de eventos naturais e formas de relevo: “A atuação de eventos
individualizados extremos e mesmo catastróficos é o resultado de conjuntos
complexos de processos; sua análise especifica no espaço fornecerá idéia de
sua eficácia geomórfica (em elaborar formas), assim como intervalo de suas
recorrências no tempo será considerado, para o entendimento da recuperação e
evolução das formas das vertentes ”. (Cruz, 1985. Pg. 3)Só em uma ampla
planície costeira poderia ser depositado o material necessário compor os
campos de dunas da região indicam nível do mar mais baixo do que atual pois
para sua deposição por ação eólica seria necessário uma ampla planície de
deflação eólica para disposição de sedimentos como também de área para o
transporte e posterior acumulação e formação de relevo. Apesar desse fator as
idades encontras por Espinel Arias (2015) sugerem a formação desses ambientes
durante um movimento regressivo.A faixa de conchas ao longo do perfil
estratigráfico mostra claramente a alteração na morfodinâmica do ambiente
praial, tal discordância demonstra a mudanças do ambiente natural onde ocorreu
a deposição do material.
Considerações Finais
Ambas formas encontradas no campo são sinais claros de um movimento transgressiva/regressivo do nível do mar. Destacamos a necessidade desenvolvimento de pesquisas científicas com uso de métodos apurados para datação geocronológica, como por exemplo as técnicas de termoluminescência (LOE) e análise de isótopos de carbono. A compreensão da história geoecológica do ambiente praial perpassa a compreensão das formas atuais de relevo. Devido sua gama de paisagens costeiras o litoral do Ceará figura-se como um excelente campo para pesquisa geológico-geomorfológica. Por meio deste esforço objetivamos exercitar o uso das técnicas de Estratigrafia de Sequências. Nesta pesquisa o trabalho e observação de campo foram fatores fundamentais para verificar as formas quem compõe a paisagem litorânea, bem como foram de suma importância na descrição das morfologia destas formas e definição dos fluxos matéria e energia que elaboram as feições estudadas. Para escrita de uma historia geológica mais robusta destacamos a necessidade da realização de estudos geocronológicas a partir da datação dos processos geológicos-geomorfológicos em conjunto com o uso das técnicas de Estratigrafia de sequência para se chegar a um cenário claro dos efeitos dos movimentos transgressivos e regressivos do oceano no litoral cearense.
Agradecimentos
Referências
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Olga CRUZ - A ESCALA TEMPORAL-ESPACIAL NOS ESTUDOS DOS PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS EROSIVOS ATUAIS, UMA QUESTÃO DE MÉTODO. - Universidade de São Paulo – Instituto de Geografia – GEOMORFOLOGIA (33) - São Paulo, 1985
V. P. ZENKOVICTH - OBJETIVOS E PRINCIPAIS DIRETRIZES DE INVESTIGAÇÕES PARA O ESTUDO DAS ZONAS LITORÂNEA. Universidade de São Paulo – Instituto de Geografia – Caderno de ciências da terra – São Paulo -1970
A.J.A MEIRELES – GEOMORFOLOGIA COSTEIRA: FUNÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS. Edições UFC. Fortaleza – 2012
E.C.F. BIRD - COASTAL GEOMORPHOLOGY: An Introduction – Second Edition. Cambridge University Press, UK. 2013
J.C.DELLA FAVERA – FUNDAMENTOS DE ESTRATIGRAFIA – Rio de Janeiro : EdUERJ, 2001.
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ESPINEL ARIAS, Valentina. Fatores controladores de sistemas eólicos costeiros carbonáticos: os eolianitos quaternários do Piauí e oeste do Ceará [doi:10.11606/D.44.2015.tde-22122015-144856]. São Paulo: Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 2015. Dissertação de Mestrado em Geotectônica. [acesso 2017-12-10].
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FERREIRA, Antônio Geraldo ; MELLO, Namir Giovanni da Silva. - Principais sistemas atmosféricos atuantes sobre a Região nordeste do brasil e a influência dos oceanos Pacífico e atlântico no clima da região. Revista Brasileira de Climatologia, v. 1, no 1. 2005