Autores
Lopes, D.V. (UFMG) ; Oliveira, F.S. (UFMG) ; Pereira, L.F. (UFV) ; Schaefer, C.E.G. (UFV)
Resumo
As paisagens das áreas livres de gelo da Antártica Marítima (AM) resultam de uma recente fase de recuo de gelo em um ambiente frio e relativamente úmido. Existem várias lacunas a serem preenchidas na AM. A Ilha Snow (IS) apresenta escassa informação geológica e ausência de estudos sobre o relevo e solos. O objetivo deste trabalho foi estudar a geomorfologia costeira e solos associados a terraços marinhos da Península President Head, Ilha Snow. Baseou- se em dados a partir das propriedades físicas e químicas dos solos e da compartimentação geomorfológica. Os solos dos terraços marinhos (TM) apresentam pobreza física e química, porém a fauna antártica desempenha papel importante melhorando as propriedades dos solos, principalmente pelo aporte de P e CO. Sugere-se que a IS apresenta TM soerguidos isostaticamente, baseado em indícios como o arredondamento de partículas, variabilidade rochosa dos seixos, entre outros. Processos de crioturbação e permafrost não foram identificados nos TM.
Palavras chaves
seixos; isostasia; pedogênese
Introdução
Na Antártica, existe estreita relação entre o material parental, sua distribuição espacial, alteração do manto e pedogênese, pois o clima não causa mudanças drásticas que diferenciam completamente a cobertura material da qual elas se originaram (DELPUPO et al., 2017). A paisagem das áreas livres de gelo da Antártida Marítima resulta de uma recente fase de recuo de gelo em um ambiente frio e relativamente úmido, em que processos de congelamento e descongelamento são os principais mecanismos (FRANCELINO et al., 2011). Áreas livres de gelo no Arquipélago das Shetlands do Sul, Antártica, são muito sensíveis a alterações climáticas e possuem grande potencial de estudos relacionados às dinâmicas geomorfológicas e pedológicas (LOPEZ- MARTINEZ et al., 2012). A presença de uma variedade de formas de relevo periglaciais e dinâmicas típicas destes ambientes atraíram vários pesquisadores para região (FRANCELINO et al., 2011; LOPES et al., 2017; LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012; MICHEL et al., 2014; MOURA et al., 2012). Porém ainda existem várias lacunas a serem preenchidas na Antártica Marítima, como por exemplo, a Ilha Snow, a qual ainda apresenta escassa informação geológica e ausência de estudos sobre o relevo e solos. A Ilha Snow é uma localidade de difícil acesso e que vem passando por aumento de áreas livres de gelo ao longo dos últimos anos. A área apresenta paisagens de exceção, geomorfologia singular e solos formados em condição extraordinária dentro do ecossistema terrestre antártico. O objetivo deste trabalho foi estudar a geomorfologia costeira e solos associados a terraços marinhos da Península President Head.
Material e métodos
A Ilha Snow localiza-se no Arquipélago das Shetlands do Sul, Antártica Marítima. A Península President Head é a maior área livre de gelo da Ilha. A Península apresenta geologia complexa com rochas vulcano-sedimentares, pode- se encontrar rochas como basalto, andesito, conglomerado, arenito, entre outras (FIGURA 1). Na área costeira da Península President Head, são encontrados alguns depósitos eólicos, principalmente no barlavento ao sul, composto por partículas bem selecionadas. Seu desenvolvimento é favorecido pelos ventos do sul e pela existência de plataformas no centro da Península. Os depósitos são formados principalmente no verão antártico, quando tem maior abrangência de área livres de gelo. A geomorfologia da área caracteriza-se pela presença de praias holocênicas no 1º nível topográfico (0 a 10 m), em vários pontos apresentam-se descontínuas pela existência de corpos intrusivos. No 2º nível topográfico (10 – 20 m) encontram-se terraços marinhos, apresentando grande variabilidade de paisagens e processos pedogeomorfológicos. Na Ilha Snow foram registrados terraços com atuação de processos paraglaciais e periglaciais. Os terraços periglaciais são mais vegetados e apresentam maior desenvolvimento pedogenético. No 3º nível topográfico, são encontradas plataformas baixas (20 – 40 m), onde foram encontrados sedimentos marinhos, seixos arredondados e solos arenosos. No 4º nível topográfico, registrado como plataformas médias (40 – 60 m) identificou-se processos de gelifluxão, sedimentos marinhos e seixos arredondados. No 5º nível topográfico (> 60 m de altitude) são encontradas as plataformas superiores com plataforma de crioplanação, presença de permafrost, solos mais desenvolvidos e profundos. Três perfis de solos típicos de terraços foram coletados na Península President Head e classificados de acordo a Soil Taxonomy (SOIL SURVEY STAFF, 2014) (TABELA 2). As amostras foram secas, destorroadas e peneiradas (malha de 2 mm). Separou-se as frações granulométricas pelo método da centrífuga com uso de solução de Na2CO3 em pH 9,5 como dispersante. O pH, nutrientes trocáveis e textura foram determinados em amostras de terra fina seca ao ar (TFSA) (EMBRAPA, 1997). Cátions trocáveis foram extraídas com 1M KCl e P, Na e K com extrator Mehlich-1 (EMBRAPA, 1997). Os cátions (Al3+, Ca2+ e Mg2+) nos extratos foram determinados por espectrometria de absorção atômica e emissão de chama (Na+ e K+) e fotocolorimetria (P). O carbono orgânico (CO) foi determinado via combustão úmida (YEOMANS; BREMNER, 1988).
Resultado e discussão
Em todos os perfis analisados identificou-se predominâncias de seixos
arredondados, partículas maiores que 2 mm e maior quantidade de areia na
fração TFSA (superior a 70% em todos os horizontes analisados) (TABELA 3).
Os três perfis foram classificados como Entisols (SOIL SURVEY STAFF, 2014) A
classificação textural predominante foi franco-arenosa. Não identificou-se
permafrost, nem sinais de crioturbação. Lopez-Martinez et al., (2012)
apressentaram que na Antártica Marítima, os fenômenos periglaciais estão
espalhados acima 10 m de altitude e são especialmente ativos em plataformas
entre 30 e 100 m de altitude. A distribuição espacial de formas de relevo
periglaciais ajuda a identificar a presença de permafrost que é dominante
acima de 25-30 m de altitude (LOPEZ-MARTINEZ et al., 2012).
Terraços marinhos da Antártica são intensamente afetadas pela fauna local,
ou seja, elefantes e pinguins, o que pode gerar significados impactos nas
características geomorfológicas costeiras (OLIVA; RUIZ-FERNÁNDEZ, 2016). As
propriedades químicas dos solos da Ilha Snow retratam queda dos valores de
CO em profundidade em todos os perfis. Estes valores são maiores do que os
registrados em outras unidades geomorfológicas da Península President Head
em estudo paralelo. Além do CO, os valores de P são elevados (chegou a 576
mg.dm-3). A interação entre aporte de nutrientes de ecossistemas marinhos
para os terrestres é de grande relevância para as áreas de terraços
marinhos, ainda mais se tratando de solos com pobreza física (mal
estruturados) e química (muito lixiviado e em geral originado de material de
origem pobre). Embora estes solos apresentem baixos valores de SB, o aporte
de CO e P, aliado a maior presença de água líquida cria um ambiente que
sustenta rica vegetação (musgos e líquens), considerando as condições
antárticas.
Os solos dos terraços são ácidos (pH chegou a 4,1), distróficos (na maior
parte dos horizontes inferior a 40%), apresentam altos valores de Prem
(muito arenosos) e apresentam elevados valores de Na, influenciados pelo
spray marinho. O perfil P2 (Typic Cryofluvent) apresenta a maior fertilidade
e também é o mais ácido entre os perfis analisados, este perfil está
localizado na área mais vegetada.
Na Ilha Snow, chama atenção à existência de solos com propriedades típicas
de ambientes de terraços localizados em diversas altitudes. O P1 (Typic
Cryorthent) localiza-se a 34 m de altitude, é um solo essencialmente arenoso
e apresenta muitos seixos de materiais de origem diversos. Destaca-se que
estes seixos muitas vezes estão cortados em planos retilíneos, por efeito da
crioclastia.
Em várias áreas da Antártica tem apontamentos de soerguimento de praias,
como por exemplo, em McMurdo Sound, costa oeste do continente, aonde chegou
a registrar praias soerguidas a 20 m acima do nível do mar (NICHOLS, 1968).
Análise de 14C na região, mais especificamente em Marble Point indica que
esta praia tem 4450 ± 150 anos de idade, quando o nível do mar estava cerca
de 3 m mais baixo que o presente, desde então a área passou por um processo
de soerguimento isostático (NICHOLS, 1968). Em McMurdo Sound em praias
soerguidas foram registrados depósitos marinhos, com materiais arredondados
e superfícies rochosas com lavagem de ondas (NICHOLS, 1968).
Neste contexto, sugere-se que a Ilha Snow apresenta terraços soerguidos
isostaticamente, considerando indícios como o arredondamento das partículas,
a variabilidade rochosa dos seixos, a profundidade em que se encontram, o
registro de processos isostáticos em outras áreas da Antártica, a posição em
relação ao oceano, sua suave inclinação para o mar, e a presença de geleira
que vem sofrendo recuo no Holoceno.
Península President Head, Ilha Snow, Antártica.
Considerações Finais
Foram identificados terraços associados a diferentes ambientes na Ilha Snow. A área apresenta terraços em domínio paraglacial e periglacial. Os terraços de domínio periglacial ainda podem ser compartimentados pela ocupação da vegetação. Áreas mais estáveis, com maior fertilidade e disponibilidade hídrica possuem maior abundância de vegetação e áreas mais dinâmicas a vegetação é ausente. Animais são importantes fontes de carbono de ecossistemass marinhos para terrestres na Antartica. Em geral os solos dos terraços apresentam pobreza física e química, porém a fauna antártica desempenha papel importante para estes solos, melhorando suas propriedades, principalmente pelo aporte de P e CO. Sugere-se que a Ilha Snow apresenta terraços soerguidos isostaticamente. São vários os indícios que levam a esta possibilidade, como o arredondamento de partículas, a variabilidade rochosa dos seixos, a profundidade em que se encontram, o registro de processos isostáticos em outras áreas da Antártica, propriedades típicas de solos de terraço em várias cotas altimétricas, entre outros fatores. Processos de crioturbação e permafrost não foram identificados nas áreas de terraços. Estudos anteriores na Antártica Marítima apresentaram relação entre a ocorrência destes processos e a altitude, o presente estudo acrescenta que as propriedades dos solos também são importantes para ocorrencia de processos periglaciais. Novos estudos, utilizando outras técnicas, como por exemplo, métodos de datações, podem
Agradecimentos
Os autores agradecem ao INCT CRIOSFERA, TERRANTAR e MARINHA DO BRASIL (PROGRAMA PROANTAR) pelo apoio e assistência em campo.
Referências
DELPUPO, C. et al. Soil and landform interplay in the dry valley of Edson Hills, Ellsworth Mountains, continental Antarctica. Geomorphology, v. 295, p. 134–146, 2017.
EMBRAPA. Manual de Métodos de Análise de Solo, 2a Edição. 2. ed. Rio de Janeiro: Embrapa, 1997.
FRANCELINO, M. R. et al. Geomorphology and soils distribution under paraglacial conditions in an ice-free area of Admiralty Bay, King George Island, Antarctica. Catena, v. 85, n. 3, p. 194–204, 2011.
LOPES, D. V. et al. Solos e Evolução da Paisagem em Ambiente Periglacial na Península Barton , Antártica Marítima. Revista do Departamento de Geografia, v. 11, p. 259–267, 2017.
LOPEZ-MARTINEZ, J. et al. Periglacial processes and landforms in the South Shetland Islands (northern Antarctic Peninsula region). Geomorphology, v. 155–156, p. 62–79, 2012.
MICHEL, R. F. M. et al. Soils and landforms from Fildes Peninsula and Ardley Island, Maritime Antarctica. Geomorphology, 2014.
MOURA, P. A. et al. Distribution and characterization of soils and landform relationships in Byers Peninsula, Livingston Island, Maritime Antarctica. Geomorphology, v. 155–156, p. 45–54, 2012.
NICHOLS, R. L. Coastal Geomorphology, McMurdo Sound, Antarctica. Journal of Glaciology, v. 7, n. 51, p. 449–478, 1968.
OLIVA, M.; RUIZ-FERNÁNDEZ, J. Geomorphological processes and frozen ground conditions in Elephant Point (Livingston Island, South Shetland Islands, Antarctica). Geomorphology, p. 12, 2016.
SOIL SURVEY STAFF. Keys to soil taxonomy. Soil Conservation Service, v. 12, p. 410, 2014.
YEOMANS, J. C.; BREMNER, J. M. A rapid and precise method for routine determination of organic carbon in soil 1. Communications in Soil Science and Plant Analysis, v. 19, n. 13, p. 1467–1476, 1988.