Autores
Ferreira da Costa, A.P. (UERJ) ; Baptista da Rocha, T. (UFF)
Resumo
Os modelos pretéritos de progradação do flanco norte do delta do Rio Paraíba do Sul, em geral descrevem os estágios de formação, emersão, crescimento e incorporação de barreiras arenosas. Alguns poucos registros na bibliografia sugerem que tais barreiras arenosas, após emersas, estão suscetíveis ao retrabalhamento total ou parcial frente a ação das forçantes oceanográficas. Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo avaliar a evolução recente do spit localizado no flanco norte do delta do Rio Paraíba do Sul, a partir da série histórica LANDSAT (1984-2017), buscando registros que testemunhem posições pretéritas da linha de costa e momentos de emersão de barreiras arenosas. Intuímos com isso compreender de forma mais apurada a evolução dos spits arenosos responsáveis pela progradação verificada no flanco norte do delta do Rio Paraíba do Sul. Os resultados encontrados mostram quatro momentos distintos de incorporação parcial dos sedimentos dos spits a planície deltaica.
Palavras chaves
Delta assimétrico; Barreiras arenosas costeiras; Linha de costa
Introdução
A planície deltaica do Rio Paraíba do Sul teve sua formação condicionada às oscilações do nível do mar no Quaternário, particularmente ao último evento transgressivo do Holoceno (5100 anos A.P.), no qual o nível do mar esteve aproximadamente 4m acima do nível atual (Angulo e Lessa, 2006). A planície apresenta um vasto sistema de paleocristas de praia, com feições distintas ao norte e ao sul da foz. No flanco sul estão presentes sistemas de paleocristas de praia intercaladas por depressões alongadas e conectadas por truncamentos abruptos de orientação geral NE-SW. Por outro lado, no flanco norte se verifica a alternância de paleocristas arenosas com depressões lamosas, onde, por vezes, se desenvolvem brejos, manguezais e pequenos lagos. Esta distinção é reflexo de processos particulares que ocorrem ao norte e ao sul da foz (ROCHA, 2013; VASCONCELOS et al. 2016). Alberto Ribeiro Lamego, em seu livro “A Planície do Solar e da Senzala” (1934), foi o primeiro a registrar o processo pelo qual se sucederia a progradação da planície deltaica. Segundo ele, a formação das restingas que ocupam a planície estaria condicionada a formação, emersão e incorporação de barreiras arenosas na desembocadura do Rio Paraíba do Sul. Hoje sabemos que esta afirmação é um acerto parcial. De fato, de acordo com o modelo de evolução proposto por Vasconcelos et al. (2016), em Gargaú, localidade situada no flanco norte do delta, o processo de progradação se dá pela formação submarina, emersão, crescimento longitudinal e incorporação de “spits” arenosos. Entretanto, a no flanco sul do delta e a norte de Gargaú, a planície prograda através da incorporação de bermas, processo comum gerado pelo acúmulo de sedimentos arenosos na face de praia decorrentes da ação de espraiamento das ondas (Fernandez & Rocha, 2015). O registro de Alberto Lamego é o mais antigo relato histórico que testemunha a emersão de barreira arenosa no flanco norte do delta do Rio Paraíba do Sul. Ao que se sabe, além desse relato, há na literatura alguns outros poucos registros. Martin et al. (1984), por exemplo, relata a destruição de um esporão arenoso no ano de 1976 e seu posterior crescimento, atingindo 300m de comprimento em 1981. Dias et al. (1984) mapeou através de cartografia histórica as mudanças processadas na frente deltaica entre 1875 e 1979, mostrando o crescimento de “spits” em alguns momentos. Isto sugere que entre o fim de um dos “ciclos evolutivos” do spit arenoso, por volta de 1926, e o fim de um novo ciclo, em 2007, ocorreram inúmeros outros ciclos de emersão, crescimento e soldagem a planície. De fato, corroborando tal suposição, Da Costa & Rocha (2017) mostraram que entre 1926 e 2008 ocorreu acreção da planície deltaica da ordem de 890m, resultado sugestivo da emersão e incorporação de spits entre esse período. Frente a carência de registros presentes na literatura, o inventário de imagens do programa LANDSAT se mostra uma alternativa interessante para obtenção de registros que testemunham a evolução recente da planície deltaica. Ativo desde 1972, o programa conta com o maior inventário de imagens orbitais da superfície da terra, o qual se encontra disponível gratuitamente desde 2009. A partir de 1984, com o lançamento do satélite LANDSAT-5, as imagens passaram a ter resolução espacial de 30m, fato que ampliou em muito as potencialidades de suas aplicações. Atualmente, o programa encontra-se em sua oitava fase, produzindo imagens com resolução espacial de até 15m (NASA, 2017). Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo avaliar a dinâmica e a evolução recente do spit localizado no flanco norte do delta do Rio Paraíba do Sul, a partir de dados históricos, tais como imagens da série LANDSAT (1984-2008) e dados de vazão. Buscou-se registros que testemunhem posições pretéritas da linha de costa e possíveis momentos de emersão de barreiras arenosas, visando a compreensão da evolução recente dos spits arenosos responsáveis pela progradação verificada na área.
Material e métodos
O mapeamento da evolução das barreiras arenosas no período de 1984 e 2008 foi feito com base em imagens da série LANDSAT. A partir das imagens selecionadas e através de edição vetorial no programa Arcgis 10.1®, foram produzidos 27 mapas geomorfológicos da área de estudos nas escalas de 1:60.000 e 1:70.000. Nestes mapas geomorfológicos foram ressaltados 3 tipos de feições: Cristas de praia, depressões/manguezais e barreira arenosa/spit. A obtenção das imagens LANDSAT foi realizada através do site “LANDSATlook Viewer” do Serviço Geológico Americano (USGS). Devido à baixa resolução dos primeiros sensores, optamos neste trabalho por utilizar somente as imagens obtidas a partir de 1984 pelos sensores TM e OLI dos satélites LANDSAT-5 e 8, respectivamente. As imagens carregadas foram selecionadas e exportadas em formato “Geotiff” com referência espacial no datum WGS84 do Sistema Universal Transversa de Mercartor (UTM). Além disso, as imagens foram exportadas já em composição RGB 321 (sensor TM) e 432 (sensor OLI) dentro do espectro visível. Ao todo foram carregadas 392 imagens entre os anos de 1984 e 2017. Destas 392 imagens selecionamos e exportamos 44 imagens. Destas 44 imagens selecionamos somente as 18 imagens que evidenciavam as alterações mais contundentes na morfologia das barreiras. Uma vez elaborados todos os mapas calculamos através das ferramentas “Calculate Geometry” do Arcgis 10.1 a área em Km² de barreira arenosa emersa em cada mapa. Geramos a partir das áreas calculadas um gráfico de variação que sintetiza os momentos de acreção, retrabalhamento e erosão das barreiras arenosas. A partir do aplicativo online Hidroweb da Agência Nacional de Águas (ANA) obtivemos toda a série histórica de vazões líquida da estação fluviométrica “58974000”, localizada na ponte municipal sobre o rio Paraíba do Sul no munícipio de Campos dos Goytacazes. A partir da série histórica obtida, a qual remonta ao ano de 1934, elaboramos um gráfico de vazões médias mensais para o período de 1984-2017 através do software Microsoft Excel 2013.
Resultado e discussão
A partir das imagens LANDSAT selecionadas elaboramos 18 mapas
geomorfológicos da área de estudos, ressaltando as feições relativas às
cristas de praia, depressões/manguezais e barreiras arenosas (Figuras 1 e
2). A partir da observação desses mapas foi possível avaliarmos o
comportamento evolutivo das barreiras arenosas no período selecionado,
principalmente no que diz respeito aos momentos de crescimento lateral em
forma de spit e retrabalhamento parcial ou total de seus sedimentos.
De forma geral, foram observados quatro momentos efetivos de erosão,
abertura de inlets (canais de maré) e retrabalhamento dos sedimentos das
barreiras arenosas: 1º momento entre maio e novembro de 1986; 2° momento
entre janeiro e novembro de 1994; 3° momento entre julho de 1997 e setembro
de 1998; 4º momento entre março de 2002 e outubro de 2003. Estes quatro
momentos foram intercalados por momentos de retomada do crescimento
longitudinal em forma de spit das barreiras arenosas até soldagem a
planície. Após 2008, como observado em outros trabalhos (Da Costa & Rocha,
2017 e Vasconcelos et al., 2016), a barreira assumiu comportamento de
retrogradação, não experimentando nenhum grande pulso erosivo que tenham
levado a abertura de inlets. Ainda nessa esteira, algo interessante a se
notar é o grande acúmulo de material arenoso a frente da Ilha do Lima
observado em janeiro de 2017. Este acúmulo pode ser o prenuncio da emersão
de uma nova barreira arenosa.
O modelo proposto por Vasconcelos et al. (2016) admite a possibilidade de
rompimentos na barreira arenosa frente a ação de eventos de alta energia. O
modelo não admite, no entanto, a possibilidade de retrabalhamentos que levem
a destruição total ou parcial das barreiras arenosas. Antes, o modelo propõe
que, após se conectar ao litoral, a barreira recua em direção ao continente
através do mecanismo de transposição de ondas (overwash), isolando um corpo
lagunar que é progressivamente colmatado pela sedimentação fluvial.
Em contraponto a essa proposta, os resultados encontrados no presente
trabalho mostraram a ocorrência de quatro momentos distintos que levaram a
destruição total ou parcial das barreiras arenosas emersas. Tais resultados
sugerem que ao invés de ocorrerem “ciclos longos” de emersão, crescimento,
conexão e colmatação de corpos lagunares, ocorrem “ciclos mais curtos” onde
os sedimentos que compõe as barreiras são parcialmente assimilados a
planície costeira. A ocorrência desses ciclos curtos desvendou o mecanismo
de formação dos vários pequenos corpos lagunares observados na área de
estudo. Desses pequenos corpos lagunares, a lagoa velha, formada em 1926
pela soldagem de um spit a planície, mantém ainda hoje seu espelho d’água
(Figura 4). É bem provável que a formação da lagoa velha, assim como dos
pequenos corpos lagunares formados no período avaliado nesse trabalho, tenha
se dado após o retrabalhamento do spit que se ligou a planície em 1926.
Estes estágios de erosão, abertura de inlets, retrabalhamentos e submersão
se assemelham em muito com os estágios de evolução descritos por Penland et
al. (1988) para o sistema de barreiras transgressivas do delta do rio
Mississipi. Segundo esses autores, essas barreiras evoluiriam por três
estágios: I – Processos marinhos transformam o delta em um “promontório
erosivo” (headland erosional) flanqueado por ilhas-barreira; II – As ilhas-
barreira desenvolvidas a partir dos “promontórios erosivos” marcham em
direção a terra até se conectarem ao continente, formando arcos
transgressivos de ilhas-barreira; III – O progressivo avanço do mar aliado
ao ataque constante de ondas de alta energia superam a capacidade das
barreiras de manterem a integridade de sua porção área levando a sua
submersão e formação de bancos arenosos interiores a antiga posição da
barreira (inner-shelf shoal).
Em complemento calculamos as áreas relativas as porções de barreira emersa
para todos os mapas produzidos. A figura 3B mostra a curva de variação da
área no período analisado. A partir de sua observação percebemos que os
momentos 1 e 2 se destacaram em relação aos momentos 3 e 4, apresentando
diminuições mais significativas de área. Além disso, mostramos a tendência
de diminuição da área de barreira emersa entre agosto de 2008 e janeiro de
2017, muito embora a barreira tenha se mantido íntegra nesse período.
Inoportunamente, existem lacunas de imageamento entre fevereiro de 1993 e
janeiro de 1994 e entre julho de 1997 e setembro de 1998 que nos impediram
de mapear com maior detalhe o retrabalhamento ocorrido em ambos os momentos.
Isto é particularmente inconveniente para o segundo caso, quando partimos de
uma barreira íntegra em julho de 1997 para uma barreira bem retrabalhada que
já mostrava, inclusive, evidências de retomada do crescimento longitudinal
em setembro de 1998. Para o primeiro caso, por outro lado, o mapa relativo a
janeiro de 1994 representa um estágio intermediário entre a barreira íntegra
em fevereiro de 1993 e a barreira já bem retrabalhada em novembro de 1994.
Ao correlacionarmos os momentos de retrabalhamento das barreiras arenosas ao
gráfico de vazões médias mensais (Figura 3 A), percebemos que os momentos 1
e 4 ocorreram justamente nas estações secas dos anos de 1986 e 2003.
Infelizmente, as lacunas de imageamento existentes nos momentos 2 e 3 não
possibilitam que sejam feitas correlações seguras entre os dados
apresentados no gráfico e as estações do ano em que ocorreram os
retrabalhamentos. Isto é especialmente verdade para o momento 3. Haja a
vista que entre julho de 1997 e setembro de 1998 se transcorreram as
estações secas de 1997 e 1998 e chuvosa de 1998, não é possível sabermos em
qual momento especificamente o retrabalhamento da barreira se intensificou.
O momento 2, por outro lado, parece ter perdurado todo o intervalo entre
fevereiro de 1993 e novembro de 1994. Contudo, como mostra o gráfico 1, a
proeminente diminuição de área emersa entre fevereiro de 1993 e janeiro de
1994 sugere que o retrabalhamento da barreira foi mais intenso nesse
período. Dessa forma, os resultados evidenciaram que a evolução das
barreiras não se processa com uma sazonalidade bem definida. Provavelmente,
as forçantes oceanográficas, sobretudo a entrada de ondas de alta energia
dos quadrantes SE, E, e NE, sobrepujam as forçantes fluviais e ditam a
evolução das barreiras arenosas.
Outra observação importante a ser realizada diz respeito a mudança de escala
adotada para os mapas elaborados a partir de março de 2002. O crescimento
longitudinal da barreira em direção ao continente se processou de tal
maneira que em 2003 a barreira se soldou a planície em um ponto mais a
norte. Ponto este que ficava fora do quadro de mapeamento na escala de
1:60.000. Por esse motivo, para enquadrarmos totalmente a barreira, foi
necessário a redução para a escala de 1:70.000. Estas observações merecem
destaque, haja a vista que após retrabalhamento parcial em 2003, a barreira
arenosa voltou a crescer longitudinalmente até atingir a planície em um
ponto ainda mais a norte no ano de 2008.
Mapeamento entre 1984 e 1997 de barreiras arenosas no flanco norte do delta do rio Paraíba do Sul. Escala 1:60.000.
Mapeamento entre 1984 e 1997 de barreiras arenosas no flanco norte do delta do rio Paraíba do Sul. Escala 1:70.000.
A)Vazões médias entre 1984 e 2016. B)Variação de área emersa de barreira. Os numerais representam 5 momentos distintos
Fotografias da chamada Lagoa Velha em Gargaú. A) Barreira emersa em 1926. Fonte: Lamego (1945). B e C) Fotografias entre 1939 e 1980. D) Foto em 2017.
Considerações Finais
Os resultados obtidos no escopo desta pesquisa mostraram que a evolução das barreiras arenosas no flanco norte do delta do rio Paraíba do Sul se processa de forma complementar a proposta pelo modelo de Vasconcelos et al. (2016). Frente a ação das forçantes oceanográficas, especialmente de ondas de alta energia, estas barreiras estão suscetíveis a constantes retrabalhamentos que podem culminar na submersão das mesmas. Este comportamento se assemelha ao descrito por Penland et al. (1988) para barreiras transgressivas no delta do rio Missipi e merece ser estudado mais a fundo por investigações futuras. Consorciado aos longos ciclos de emersão, crescimento, conexão a planície e colmatação de corpos lagunares propostos por Vasconcelos et al. (op cit.), foram observados quatro momentos distintos de erosão e retrabalhamento intercalados por momentos de emersão e crescimento longitudinal em forma de spits. Estes episódios representam ciclos mais curtos de emersão, crescimento, conexão e incorporação parcial de sedimentos a planície deltaica. Em cada um desses episódios de retrabalhamento parte dos sedimentos que compunham as barreiras foram assimilados a planície, destacando, por vezes, pequenos corpos lagunares. Este é um achado interessante que explica a origem dos pequenos lagos e embrejados que marcam a área.
Agradecimentos
Agradeço a Uellington Soares, administrador do Blog Museuonlinesfi, e ao colaborador Maurício Ramos Pomar Bianco por nos cederam gentilmente algumas das fotografias utilizadas neste trabalho.
Referências
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