Autores

Silva, R.R. (UFC) ; Pinheiro, L.S. (UFC)

Resumo

A praia de Canoa Quebrada localizada no litoral leste do Ceará é conhecida por suas falésias esculpidas no período do Quaternário. O objetivo do trabalho é estimar a capacidade de carga recreativa das trilhas de acesso à praia de Canoa Quebrada e delimitar os pontos suscetíveis a riscos. A metodologia utilizada foi a de Cifuentes (1992) para o cálculo da capacidade de carga. Os resultados mostram que 53,48% da falésia apresenta desmoronamento, 18,60% solapamento e 20,93% não apresenta erosão. A ocupação irregular no topo totaliza 41,86% e na base 39,53%, localizada principalmente em pontos onde não ocorre ocupação no topo, evidenciando áreas de risco em quase toda a linha de costa. A capacidade de carga física resultou em 12.183,33 visitantes, a capacidade de carga recreativa foi de 179 visitantes por momento. Um valor alto em comparação com estudos da mesma magnitude em falésias arenosas. Espera-se que este trabalho possa contribuir para o gerenciamento ambiental da área protegida.

Palavras chaves

Praias; Trilhas; Gestão Ambiental

Introdução

O aumento dos impactos das praias turísticas de uso recreacional motivou a necessidade de estudos voltados para a capacidade de suporte desses ambientes, definida como a capacidade ou habilidade dos ambientes em acomodar, assimilar e incorporar um conjunto de atividades antrópicas sem que suas funções naturais sejam fundamentalmente alteradas (Boo, 1990; Filet, 1995). O conceito de capacidade de carga foi aplicado primeiramente no manejo de pastagens com o objetivo de avaliar o número máximo de animais que uma área pudesse suportar sem comprometer os recursos disponíveis (Peccatiello, 2007; Takahashi, 1997). No turismo, foi definido por Wagar (1964) como o uso que uma área pode suportar sem que sua qualidade seja afetada, e aplicado em trabalhos de manejo de visitantes em parques e reservas naturais protegidas. A capacidade de carga é um conceito que incorpora princípios das ciências biológicas, exatas e sociais, pois considera o uso dos recursos naturais, os impactos do turismo sobre a população local, o número máximo de visitantes sem comprometer a experiência turística-recreativa e com a disponibilidade de infraestrutura e de recursos humanos para a gestão da área (Ruschmann, Paolucci e Maciel, 2008). O conceito está relacionado à estabilidade e diversidade do ecossistema natural e à quantidade de usuários que a área pode receber sem que seja afetada de forma negativa a experiência ao ar livre e sem causar mudanças aos componentes ecológicos como vegetação, solo, água, fauna, etc. (Magro, 1999). Um ecossistema natural que vem atraindo usuários por sua beleza cênica são as falésias, que se caracterizam por ser escarpas íngremes presentes em três quartos do litoral do mundo cortado em formações rochosas e sedimentos consolidados, com o perfil vertical e as vezes suspenso, geralmente recuadas devido à erosão marinha em sua base acompanhada por erosão subaérea no topo, sendo o clima uma importante influência sobre o desgaste de afloramentos costeiros (Bird, 2007; Robinson, 1977; Sunamura, 1992). As falésias são elementos comuns do ambiente costeiro, são fontes importantes de sedimentos e devido à sua porosidade podem armazenar temporariamente água da chuva ou de escoamento superficial, e posteriormente abrir fissuras em sua escarpa formando exultórios e bicas na parte mais íngreme de sua morfologia (Pinheiro, 2003; Silva, 2008; Trenhaile, 1987). No Ceará, as falésias são esculpidas nos depósitos Tércio-Quaternários da formação Barreiras em áreas onde ocorre um declive abrupto em direção a faixa praial e possuem uma maior representatividade no litoral leste, sendo modeladas constatemente pela ação marinha, pluvial e eólica, formando os sucos, as ravinas e as voçorocas no topo e movimentos de massa na escarpa (Meireles e Morais, 1995; Pinheiro et al., 2009). A praia de Canoa Quebrada está localizada no município de Aracati, a uma distância de aproximadamente 140 km da capital Fortaleza. A área urbana do povoado de Canoa Quebrada está situada no topo de uma falésia e de uma duna fixa, dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA), criada pela Lei estadual Nº 40 de 20 de março de 1998, que é uma unidade de conservação de uso sustentável que pretende regular a exploração e ocupação da região. Além disso, as falésias no Brasil são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) de acordo com a Resolução Nº 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), e proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda. Neste sentido, o trabalho tem como objetivos avaliar a capacidade de suporte física e recreativa das falésias de Canoa Quebrada e identificar as áreas de risco, a partir da classificação dos estágios erosivos (ravinamento, voçorocamento, solapamento e desmoronamento), os tipos de uso e ocupação da praia e as características geomorfológicas.

Material e métodos

A coleta de dados em campo consistiu na demarcação de 43 pontos paralelos a linha de falésia espaçados em 50 metros utilizando um receptor GPS (Global Positioning System) de mão para mapeamento detalhado dos pontos. Em cada ponto foram observadas as características geomorfológicas, de uso e ocupação, e os estágios erosivos da falésia (sulcos, ravinas, voçorocas, solapamento e desmoronamento). Os dados foram descarregados e processados com auxílio do software ArcGis versão 10.1 e do software Google Earth Pro. Foram feitos shapes de polígonos para a identificação das áreas de urbanização e das zonas ambientais (praia, duna, falésia e as voçorocas), além disso foi feito um shape de pontos para o mapeamento dos waypoints marcados, dos pontos de erosão, de ocupação da base e ocupação no topo. Dentre os 43 pontos analisados, 22 possuem trilhas de acesso à praia por dentro das voçorocas, entre todos os acessos foram escolhidas as três trilhas principais (localizadas nos pontos 1, 23 e 28), para auxilio no cálculo da capacidade de carga recreativa da praia. Foi obtido em cada trilha a declividade a cada 5 metros perpendicular à linha de costa, com início no limite da ocupação e término na região da pós-praia, utilizando um clinômetro digital. Para o cálculo de capacidade de carga foi utilizada a metodologia de Cifuentes (1992) com algumas adaptações. O cálculo da Capacidade de Carga Física (CCF) é obtido através da divisão da área total de visitação pela área ocupada por um visitante obtida através de parâmetros de uso com dados padronizados de densidades recomendadas para praias (m²/banhista). Desta forma, a seguinte fórmula foi utilizada, onde: CCF=Capacidade de Carga Física, S = área total de visitação, s.v = área ocupada por um visitante, T = tempo total que a área está aberta e t.v. = tempo necessário para visitação. CCF=(S/s.v x T/t.v) Para o cálculo da Capacidade de Carga Real é necessário que se apliquem fatores de correção que incorpora restrições decorrentes de fatores físicos e bióticos à CCF que influenciam na taxa de visitação do local. Os fatores de correção considerados neste estudo foram: acessibilidade (FCac), precipitação (FCpre), erodibilidade (FCero) e área de uso antrópico (Fcaua). Estes fatores de correção são calculados em função de uma fórmula geral, onde: FC = Fator de Correção, ML = Magnitude Limitante e MT = Magnitude Total. FC = ML/MT Para o FCac foi necessário o valor das declividades para estabelecer os percentuais de acessibilidade, sendo os valores acima da média considerados de acessibilidade ruim (AR) e os valores abaixo da média considerada de acessibilidade média (AM). De acordo com a metodologia de Cifuentes (1992), é necessária a incorporação de fatores de ponderação para cada grau de dificuldade. Para os locais de Acessibilidade Ruim o fator de ponderação é 1,5, e de Acessibilidade Média, 1. Desta forma temos a fórmula, onde AR = Acessibilidade ruim; AM = Acessibilidade média e Mt=Magnitude total de acessibilidade: FCac=1–{(AR x 1,5) + AM}/Mt. Para a obtenção do valor final do FCac fez-se a média dos valores de correção da acessibilidade das três trilhas de acesso. No FCprec foi considerado a média dos dias de chuva de um ano, Desta forma temos a fórmula onde Dc=Dias de chuva por ano e Dt=Dias totais por ano: FCprec=1–Dc/Dt. O FCero considera como limitantes apenas os setores onde existem evidências de erosão (movimentos de massa e solapamento). Desta forma, os cálculos de erodibilidade da falésia são realizados da seguinte forma, onde, Ppe=Pontos da falésia com problemas de erosão; Pt=Pontos totais da falésia: FCero=1– (Ppe/Pt). O FCaua mede a área de uso antrópico nas falésias. De acordo com os fatores observados em campo, pontuaram-se os locais de uso antrópico, onde: UaP=Uso Antrópico Pontual, UaT=Uso Antrópico Total. FCaua=1–(UaP/UaT). O cálculo final da capacidade de carga recreativa é calculado por CCR = CCF (FCero x FCac x FCprec x FCaua).

Resultado e discussão

A metodologia de Cifuentes (1992) foi adaptada para a realidade da área de estudo, no caso a variável ‘tempo’ não foi utilizado no cálculo, pois a área em questão não possui restrições de tempo para visitantes, diferentemente de trilhas em parques, grutas e visitas em cidades históricas. Além do fator tempo, alguns fatores que diminuem a visitação não foram considerados devido a não influência na taxa de visitantes local, como fatores de espécies exóticas, espécies nativas, cobertura vegetal e qualidade biológica. De acordo com os parâmetros de uso e de densidades recomendadas para praias (m²/banhista), adotou-se 15 m²/ banhista para a praia de Canoa Quebrada, pois é considerada uma praia típica de áreas urbanas, possui uma densidade ocupacional média com fácil acesso e boa infraestrutura de restaurantes e pousadas (Rushmann, Paolucci e Maciel, 2008; Embratur, 1975). Um valor acima do considerado aceitável de 10m² por turista em estudo de capacidade de carga em praia realizado em Brittas Bay na Irlanda por O’Reilly (1986). A linha de costa da praia de Canoa Quebrada totaliza 2150 metros e a média da faixa de praia somado antepraia, estirâncio e pós-praia em Canoa Quebrada é de 85 metros (Silva, 2017), dessa forma a área total do setor é de 182.750 m² e a área ocupada por um visitante é de 15 m²/visitante. O resultado da capacidade de carga física (CCF) da praia de Canoa é de 12.183,33 visitantes. Devido à não utilização do fator tempo, significa um valor de capacidade de carga menor, equivalente a um dado momento e não em um período de tempo específico. Assim como no estudo de Ruschmann, Paolucci e Maciel (2008) de capacidade de carga física na praia de Itajaí – SC, no qual o valor obtido foi de 8.993 visitantes. Resultado menor que o da praia de Canoa pois a área total de visitação e a área de um visitante eram menores. No entanto, o resultado considera toda a faixa de praia que possui falésia, porém o adensamento de visitantes está região onde localizam-se as barracas de praia devido à maior comodidade e infraestrutura. A área de adensamento representa apenas 39,30 % da linha de costa total, ou 845 metros, e a área total do setor é de 71.825 m². Com isso o resultado da capacidade de carga física para a área de adensamento de visitantes cai para aproximadamente 1/3 e resulta em 4.788,33 visitantes. O fator de correção erodibilidade resultou em 0,256. Um número que significa que o grau de erodibilidade na falésia nos pontos observados é alto. Fator de correção acessibilidade nas três descidas resultou em 0,219. Percebe-se que nas três descidas aproximadamente 55% da trilha apresenta boa acessibilidade, e isso se reflete no tempo de visitação e no maior número de visitantes de faixa etárias distintas. Fator de correção da precipitação resultou em 0,75 de acordo com o posto pluviométrico do Aeroporto de Aracati, no ano de 2016. Um resultado baixo devido ao clima semiárido da região (Morais et al., 2006). Além disso, o ano em questão foi considerado seco, com baixos índices pluviométricos em todo o estado. Fator correção área de uso antrópico resultou em 0,35. Isso significa que mais da metade da área está sofrendo impactos relevantes ao uso antrópico, como casas no topo ou próximas às falésias, barracas de praia, construção de escadas, quiosques e atividades voltadas ao turismo. A capacidade de carga real ou recreacional para a área total da praia de Canoa Quebrada foi de 179 visitas por momento. Já na área onde ocorre o adensamento das barracas foi de 70 visitas por momento. Um resultado bem superior ao estudo feito por Pinheiro (2009) no parque monumental das falésias de Beberibe – CE, que resultou em uma capacidade de carga recreacional no setor do labirinto foi de 0,40 indivíduos/m²/dia e na alta estação podendo chegar ao valor de 1,5 indivíduos/m²/dia, pois a área do estudo foi menor, calculando apenas a área de uma voçoroca e possuindo tempo de visitação da trilha determinado. No entanto, o resultado de um estudo feito por Peccatiello (2007) no Parque Estadual de Ibitipoca em Minas Gerais obteve o valor da capacidade de carga de 156 visitantes por dia, resultado mais próximo ao que foi obtido na praia de Canoa Quebrada. O estudo realizado em ambientes recifais por Melo et al. (2006) obteve um resultado de 126 visitas/dia, um pouco abaixo do valor de estudos aplicados em praias, pois a área ocupada por um visitante foi de 3m², muito abaixo da área ocupada por um visitante em um ambiente praial. Um valor próximo ao encontrado em ambientes recifais foi o estudo feito na caverna de Santana no Parque Estadual Turístico do Alto da Ribeira – SP por Lobo (2008), no qual a capacidade de carga Real (CCR) foi de 120 visitas diárias na caverna. Vale ressaltar que a capacidade de carga real estabelece valores de restrições quantitativos e não valores qualitativos de possíveis impactos provocados pela visitação, como comportamento e consciência do visitante em poluir e degradar o ambiente. Além disso, os resultados apontam para a capacidade de carga em um determinado momento ou dia, porém em regiões litorâneas o turismo varia na semana, no mês e no ano, apresentando picos em feriados comemorativos como carnaval e réveillon, e baixo movimento em dias da semana na baixa estação. As falésias de Canoa Quebrada apresentaram 23 pontos com desmoronamentos representando 53,48% da área, 8 pontos com solapamento na base representando 18,60% e 9 pontos onde não apresenta erosão, representando 20,93%. Porém, os pontos sem erosão são aqueles no qual a ocupação irregular está presente, e em alguns pontos ocorre a descaracterização da falésia. As áreas de risco identificadas pelo estágio de solapamento estão localizadas na área onde ocorre o adensamento das barracas de praia e a maior movimentação de usuários. Além disso é possível visualizar o maior voçorocamento no topo da falésia na área entre Canoa e a vila do Estevão, a ocupação próxima a linha de ruptura do relevo onde estão identificados o processo de movimento de massa, no setor leste da área de estudo. Os pontos que apresentam os estágios de solapamento/desmoronamento não excluem o de ravinamento/voçorocamento, porém foi considerado o estágio de risco mais relevante, seguindo a ordem: desmoronamento, solapamento, voçorocamento e ravinamento. Foram identificados 8 tipos de uso na praia de Canoa Quebrada: barracas de praia, canos na escarpa da falésia, chuveiros, residências no topo, escada, estrutura de proteção costeira, pontos de acesso e pontos de jangadas; podendo ser observado mais de um uso por ponto. Em 22 pontos apresentam acessos de usuários por dentro das voçorocas; as barracas de praia estão presentes em 21 pontos na área de estudo, onde ocorre o maior fluxo de usuários na praia, zona de recreação e comércio ambulante; os pontos de jangadas estão presentes em 16 pontos; em 9 pontos apresentam escadas de madeira fixadas por furos nas bordas das voçorocas; 8 pontos com residências presentes no topo da falésia muito próximas a ruptura do relevo, indicando áreas de risco.7 pontos foram identificados canos de água, esgoto, e fiação elétrica; 2 pontos apresentaram chuveiros e em 1 ponto foi observado uma estrutura de proteção costeira. Para a melhor identificação das áreas de risco foram separadas entre ocupação no topo (residências e barracas de praia) e ocupação na base (barracas de praia). É possível observar que na maioria dos pontos onde não ocorre ocupação no topo ocorre na base, e onde não ocorre na base está presente no topo. Isso indica que praticamente toda a área de estudo apresenta algum risco e algum estágio de erosão devido ao avanço da ocupação urbana e aumento da especulação imobiliária. Podemos concluir que a área de maior risco somando os resultados de estágios de erosão e uso e ocupação da praia, são os locais que apresentam algum tipo de ocupação na base e/ou no topo somado ao estágio erosivo de solapamento, entre os pontos 19 a 26 e 39 e 40.

Estágios erosivos

Estágios erosivos (a) Ravinamento; b) Voçorocamento; c) solapamento e d) desmoronamento na escarpa das falésias de Canoa Quebrada.

Mapa de localização

Localização da praia de Canoa Quebrada - Aracati/CE.

Pontos erosivos

Localização das áreas de risco de acordo com os estágios erosivos nas falésias de Canoa Quebrada

Ocupação topo

Identificação dos pontos de ocupação no topo da falésia de Canoa Quebrada

Considerações Finais

Os resultados mostram que 53,48% da falésia apresenta desmoronamento, 18,60% solapamento e 20,93% não apresenta erosão, devido a ocupação urbana inadequada que provocou a descaracterização da falésia nestes pontos. A ocupação irregular no topo totaliza 41,86% e na base 39,53%, localizada principalmente em pontos onde não ocorre ocupação no topo, evidenciando áreas de risco em quase toda a linha de costa. A capacidade de carga física resultou em 12.183,33 visitantes, a capacidade de carga recreativa foi de 179 visitantes por momento. Um valor alto em comparação com estudos da mesma magnitude em falésias arenosas, e um resultado aproximado a de estudos realizados em trilhas de parques e cavernas. Os programas de educação ambiental devem ser implantados para todos os usuários, estudos mais aprofundados de capacidade de manejo da praia, percepção e preferência dos usuários, além de placas de informação devem ser implantadas para o conhecimento da importância dessa formação, as áreas de risco e para auxiliar na gestão costeira do local.

Agradecimentos

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica (LGCO)/UECE

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