Autores
Oliveira Filho, S.R. (UFF) ; Pereira, T.G. (UERJ) ; Silva, A.L.C. (UERJ) ; Lessa, A.C.P. (UERJ)
Resumo
A região sudeste recebe durante todo o ano ondas com maior altura e período, geradas a partir de frentes frias. Tais eventos ocasionam uma elevação do nível do mar que altera o volume de sedimentos e morfologia das praias e pode danificar estruturas urbanas. Esse trabalho visa analisar a propagação de ondas de duas tempestades, ocorridas em abril e junho, para avaliar os impactos obtidos na praia de Piratininga, Niterói – RJ. Foram geradas simulações de ondas utilizando o programa Mike21, com dados do modelo de reanálise de onda WaveWatch III, visando comparar as características das ondas na costa com os impactos levantados em campo, utilizando perfis topográficos transversais a praia em 5 pontos de monitoramento. Os resultados mostram que a morfodinâmica associada as características fisiográficas locais favorecem maior perda de areia no setor leste da praia, tanto pela menor largura e volume, como pelas configurações batimétricas da antepraia, ocasionando convergência de ondas.
Palavras chaves
Morfodinâmica de praia; impactos de tempestade; praias urbanas
Introdução
A elevação do nível relativo do mar ocasionada por fatores meteorológicos (storm surge) é um dos principais fatores de risco em regiões costeiras. Esta elevação está frequentemente associada a perdas significativas de vidas e de propriedades (Storch et al., 2015), principalmente quando tais elevações são ocasionadas por ciclones tropicais e extratropicais, pois podem gerar ondas extremas. Numa curta escala de tempo, as alterações morfológicas de grande magnitude estão associadas a condições anômalas relacionadas ao clima de ondas, com maiores alturas, período e comprimento de onda na arrebentação, que se desenvolvem a partir de eventos meteorológicos. Estas condições atmosféricas condicionam a direção de propagação e energia das ondas, que podem alterar sensivelmente as características morfológicas dos ambientes costeiros e estruturas urbanas. Essas condições de mar agitado são conhecidas na literatura como tempestades ou ondas de tempestades (storm waves) e são popularmente chamadas de ressacas do mar. A propagação de ondas de tempestade, oriundas de sistemas frontais, ocorrem durante todo o ano. Nem todos os eventos conseguem gerar energia suficiente para causar grandes alterações no estoque sedimentar emerso de uma praia. No entanto, tempestades que tem menos probabilidade de ocorrência são uma realidade, e quando as praias não possuem um plano de gestão adequado, respeitando os limites necessários em se tratando de ambientes de elevada dinâmica, a destruição de benfeitorias urbanas é iminente. No ano de 2016 ocorreram dois grandes eventos de tempestade na praia de Piratininga, Niterói, relatados por Pereira et al. (2017). No primeiro deles, em abril de 2016, a porção leste da praia foi a mais atingida, onde a ação direta das ondas ocasionou a destruição de parte do calçadão localizado no limite interno deste ambiente. Na segunda tempestade, em junho de 2016, os impactos ocorreram por todo o arco praial, sendo mais severos na porção oeste da praia, consequentemente a que experimentou a maior perda momentânea de sedimentos. Visto o comportamento diferenciado da linha de costa para esses eventos extremos, o trabalho pretende analisar a propagação de ondas de tempestades em direção a praia de Piratininga, Niterói, através de simulações utilizando dados de saída do modelo de reanálise de onda WaveWacth III, com o intuito de comparar as condições hidrodinâmicas na costa, geradas por simulação, com os resultados dos impactos de tempestade apontados por Pereira et al. (2017).
Material e métodos
Com o intuito de quantificar as variações ocorridas na morfologia e no volume sedimentar dos da área de estudo, foram realizados levantamentos topográficos bidimensionais transversais a praia em cinco pontos de monitoramento, partindo-se sempre de um referencial de nível estabelecido na área urbana, como calçada ou poste. Para os levantamentos foram utilizados Estação Total (modelo Trimble Series 5500) e haste com prisma. Cada ponto de monitoramento possui mais do que dois referenciais de nível (RN) para que, além de fornecer sempre o mesmo alinhamento do perfil, caso um dos RNs venha a ser perdido, o outro permita rapidamente o estabelecimento de um novo RN. As cotas altimétricas foram ajustadas ao nível médio do mar (NMM). A aquisição de dados contemplou a morfologia emersa da praia, partindo de benfeitorias urbanas até o recuo máximo do espraiamento, estendendo-se até a zona submarina adjacente apenas sob condição de mar calmo. Os pontos centro-leste e extremo leste somente foram estabelecidos durante a tempestade de abril de 2016, não possuindo dados pretéritos para comparação de morfologia e volume. Para tentar resolver esse gap, no perfil centro-leste foi realizada uma média entre os perfis adjacentes, para usá-la como comparação. No perfil extremo-leste os dados de volume e morfologia anteriores a tempestade foram disponibilizados pelo LAMOM (Laboratório de Microscopia Óptica e Morfoscopia) da FFP-UERJ, que realizou o monitoramento contínuo da praia de Piratininga entre os anos de 2013 e 2014. Apenas o ponto leste pode ser aproveitado, em decorrência da proximidade com o ponto extremo-leste. O acompanhamento da recuperação do estoque sedimentar posterior a tempestade foi realizado através da comparação do volume sedimentar emerso existente, durante os levantamentos de campo. O cálculo do volume sedimentar seguiu o mesmo princípio utilizado por Birkemeier (1984). Para o cálculo do volume de uma seção, deve-se escolher o Xinicial (cota inicial) e o Xfinal (Cota final). O Xfinal pode ser substituído por uma elevação de referência, que se remete a uma cota no eixo Y (Figura 3). Dessa forma, para o cálculo do volume foi utilizado um Xinicial e uma elevação de referência Xfinal, definida como a cota 0, em referência ao zero do mar (figura 2). Vale ressaltar que neste cálculo de volume pode ser levado em consideração alguma porção situada fora do pós-praia e da praia, pois o Xinicial deve estar associado a algum referencial de nível, com o intuito de maximizar a acurácia do cálculo. Para analisar os impactos decorrentes das tempestades foram geradas simulações de ondas utilizando o programa Mike 21, que faz os cálculos relacionados a transformação das ondas de águas profundas para águas rasas, apresentando como resultados informações de altura significativa, período e direção na costa, além da energia das ondas, tensão de radiação, refração e difração de ondas, possibilitando uma análise pormenorizada das condições hidrodinâmicas na costa. Os parâmetros de ondas utilizados para gerar as simulações, de ambas as tempestades, foram selecionados a partir de dados de saída do modelo WaveWatch III (WWIII), para a data das tempestades. O WWIII é um modelo de ondas espectrais que faz previsões de até 120 horas para todo o Atlântico utilizando os ventos produzidos pela versão GFS (Global Forecast System) do modelo global NCEP. Os dados de saída são apresentados na forma de boia virtual e apresentam parâmetros de altura significativa, Período e direção de ondas, assim como direção e velocidade do vento à 10 metros da superfície, a cada 3 horas.
Resultado e discussão
A primeira simulação, referente a tempestade ocorrida em abril de 2016, foi gerada utilizando os
parâmetros de ondas entre a 1h do dia 27 de abril até as 10hs do dia 03 de maio (figura 1A), com
intervalos de 3h entre os valores. O pico da tempestade ocorreu no dia 27 de abril as 16hs, com altura
significativa das ondas correspondente a 2,9m, período de 10s e direção média de SSW (202,5º).
A segunda simulação refere-se a tempestade ocorrida em junho de 2016 e foi gerada utilizando-se os
parâmetros de ondas entre a 1h do dia 09 até as 22hs do dia 14 de junho (figura 1B). O pico da
tempestade ocorreu durante o dia 11 as 16hs, quando as ondas apresentaram altura significativa de 3,9m,
14s de período e direção média de SSW (202º).
Ambas as tempestades apresentaram a mesma direção média de onda, com variações na altura
significativa de onda e período. Na figura 1, que mostra as condições de ondas iniciais do modelo e as
condições de onda na costa, obtidas pela simulação, é perceptível que durante a tempestade de abril
(figura 1A) a resposta de altura significativa de onda na costa apresentou valores muito próximos entre os
pontos de monitoramento. De uma forma geral, os pontos na praia onde incidiram ondas com maior altura
foram, em ordem decrescente, Oeste, Centro, Leste, Extremo-Leste e Centro-Leste. Por ocasião da
tempestade ocorrida em junho de 2016 (figura 1B) os valores de altura significativa das ondas na costa
foram diferentes. Os pontos leste e extremo-leste apresentaram as menores altura de onda, enquanto os
demais pontos apresentaram valores mais próximos uns dos outros.
Analisando a série temporal da tempestade de abril de 2016 (figura 2), durante o pico de energia na costa,
no dia 27 as 19hs, os valores de altura significativa das ondas mostram uma distribuição bastante
homogênea por toda a praia, com 2,4m de altura (figura 2A). No entanto, durante o decaimento da energia
das ondas, o comportamento das alturas significativas próxima a costa se alteram. A figura 2B mostra a
distribuição espacial dos valores de altura significativa na costa, durante o decaimento das alturas de
ondas da tempestade, no dia 28 as 13hs. Os pontos Oeste, Centro, Leste e Extremo-Leste recebem
valores similares de altura de onda (entre 2,2 e 2,4m), e, o perfil centro-leste, recebe altura de onda
inferior aos demais (entre 2 e 2,2m). Situações semelhantes a essa são mostradas durante praticamente
toda a simulação, durante a fase de decaimento da energia das ondas.
Comparando o resultado da simulação de ondas para a tempestade de abril de 2016 (figura 2) com os
dados referentes a morfologia e volume de cada ponto (figura 3), é possível perceber que o ponto centro-
leste, o mesmo que possuiu as menores alturas de onda na simulação, apresentou baixos valores
referentes a erosão de sedimentos do perfil emerso. Isso provavelmente ocorre devido a divergência de
ondas nesse ponto da praia, ocasionada por refração, em função da configuração batimétrica do fundo.
Por outro lado, os pontos oeste e centro, que receberam as maiores alturas, também tiverem baixos
valores de erosão. Tudo indica que tal comportamento se deve ao estoque sedimentar emerso desses
setores da praia (oeste e centro), que apresenta um volume de materiais superior as áreas adjacentes,
considerando a maior altura e largura do perfil nestes setores. O segundo fator refere-se a influência da
vegetação de restinga, próximo ao calçadão, que desempenha um importante papel na dissipação da
energia das ondas incidentes, atuando como uma barreira natural a erosão costeira. Dessa forma, os
pontos leste e extremo-leste, onde a vegetação de restinga foi substituída por um paredão de concreto,
terem menor largura na porção emersa da praia e a altimetria mais baixa, tornam-se mais propensos a
perda de areia do estoque emerso, decorrente de ondas de tempestades.
Em abril de 2016, o levantamento topográfico foi realizado durante o evento de tempestade (29/04). O
perfil extremo-leste, como aponta Pereira et al. 2017, apresentava-se completamente erodido, com ondas
incidindo diretamente no muro que sustentava o calçadão, solapando-o. O ataque direto no muro do
calçadão gerou ainda reflexão de onda, o que provavelmente magnificou a energia das ondas, devido a
sobreposição entre as ondas incidentes na costa e as ondas refletidas pelo muro (backwash).
Na tempestade de junho de 2016 a energia das ondas incidentes foi mais bem distribuída por todo o arco.
Assim como na tempestade de abril, a simulação indica que, durante o pico de energia das ondas, as
maiores alturas foram concentradas nas porções oeste e centro da praia, enquanto o setor extremo-leste
recebeu alturas de ondas mais baixas (figura 4A). A figura 4B apresenta a altura máxima de onda (Hmax)
atingida durante a tempestade de junho, mostrando uma diferença considerável entre a altura de onda que
chega no extremo-leste (entre 4,2 e 4,8m) do arco praial e a altura de onda recebida no restante da praia
(entre 4,8 e 5,4m).
Se compararmos os resultados obtidos pela simulação de junho com os perfis topográficos adquiridos
durante o fim do evento de tempestade e seus respectivos valores de volume perdido durante o evento
(figura 3), os resultados parecem bem plausíveis, uma vez que, no ponto extremo-leste, os valores de
perda volumétrica do perfil emerso foram os menores registrados entre os cinco pontos de
monitoramento.
Nessa tempestade foram registradas grandes perdas de volume de sedimentos nos demais pontos,
principalmente nos setores oeste e leste. Uma das hipóteses é de que, a tempestade de abril de 2016,
apesar de não ter provocado severa erosão no setor oeste da praia, pode tê-la deixada mais vulnerável às
ressacas ocorridas ao longo desse período, com destaque para a tempestade de junho. Mesmo o ponto
oeste possuindo grande estoque de sedimentos emersos e vegetação de restinga, a maior energia de
onda gerada por essa tempestade foi capaz de erodir severamente a face de praia e parte da berma.
Quanto a recuperação do estoque sedimentar emerso após os eventos de tempestade, os pontos mais a
leste obtiveram uma maior resiliência. Isso ocorre devido a baixa energia de ondas oriundas de bom tempo
associada ainda a presença das ilhas do Pai, Mãe e Filha, defronte a este setor. As ilhas atuam como um
anteparo, onde boa parte da energia das ondas é dissipada nelas, gerando uma zona de sombra que se
projeta em direção a praia.
Figura 2 – Simulação de ondas para abril. A) Altura Significativa no pico da tempestade. B) Altura Significativa durante o decaimento da energia.
Figura 3 – Perfis topográficos e seus respectivos volumes durante o monitoramento das tempestades de 2016.
Figura 4 – Simulação de ondas para junho. A) Altura Significativa no pico da tempestade. B) Altura máxima durante o pico da energia das ondas.
Figura 1 – Condições hidrodinâmicas iniciais da tempestade e condições de ondas na costa, a partir das simulações. A) Abril de 2016. B) Junho de 2016.
Considerações Finais
A simulação de abril de 2016 mostrou uma maior convergência de ondas no lado leste da praia, que foi o setor mais erodido, principalmente pela inexistência de vegetação de restinga, baixo estoque sedimentar emerso, e ainda, em decorrência da reflexão de onda no muro do calçadão, que ocasionou sobreposição de ondas, gerando maior energia na zona de surfe. A simulação de junho mostra maior distribuição da energia na praia, sendo o setor leste dessa vez, o menos atingido. Os perfis oeste e centro foram os mais atingidos, indicando que a tempestade de abril tenha deixado este setor mais vulnerável à tempestade de junho, em decorrência da recuperação mais lenta do estoque emerso. Apesar da perda de volume ter sido elevada, o estoque sedimentar do pós-praia foi capaz de atuar como barreira natural às ondas, garantindo a preservação da estrutura urbana. Os pontos Oeste, Centro e Centro-Leste, onde o calçadão é mais distante e possuem vegetação de restinga, mesmo com ocorrência de severa erosão, conseguem preservar as benfeitorias urbanas. Por outro lado, os pontos Leste e Extremo-Leste, que não possuem vegetação de restinga, e tem menor volume de sedimentos devido ao avanço do calçadão sobre esses setores de pós-praia quando submetidos a eventos de tempestade extrema deixam as benfeitorias urbanas vulneráveis ao ataque das ondas. Eventos dessa magnitude, apesar de raros, tendem a se repetir, caso um plano de recuperação deste trecho da orla não seja elaborado e desenvolvido.
Agradecimentos
À CAPES pelo financiamento de Bolsa de posdoc PNPD/CAPES, que financiou o desenvolvimento deste trabalho. À DHI pela disponibilização de licença gratuita do programa Mike21, o qual foi essencial para elaboração dos resultados deste trabalho.
Referências
DHI. Wave Modelling. Guia do usuário, v. 1, 2009, 324 p.
PEREIRA, T. G.; OLIVEIRA FILHO, S. R.; MORAES, C. P. R. A.; LESSA, A. C. P. Impacto das Tempestades de 2016 em Orla Urbanizada: Arco Praial de Piratininga, Niterói – RJ. Revista do Departamento de Geografia, USP. Volume Especial – Eixo 4, 2017, p. 75-84.
SHORT, A. D. Handbook of beach and shoreface morphodynamics. Chichester, Wiley, 1999, 379 p.
STORCH, H. V.; JIANG, W.; FURMANCZYK, K. K. Storm surge case studies. In: ELLIS, J. T.; SHERMAN, D. J. (EDs). Coastal and marine hazards, risks, and disasters. Elsevier, 2015, p. 181-196.