Autores

Rodrigues, G. (UNICAMP) ; Peres Filho, A. (UNICAMP)

Resumo

A análise dos terraços, sobretudo os fluviomarinhos e marinhos, indica a reconstrução paleogeográfica do relevo costeiro e informações tectônicas e/ou eustáticas associadas ao avanço e recuo marítimo de períodos glaciais e interglaciais ou estágios de isótopos marinhos (marine isotope stages). Foram utilizados dados pedológicos e geológicos para a identificação e caracterização dos baixos terraços do rio Jequitinhonha – BA, além de análises dos perfis topográficos, capacidade de troca de cátions (CTC) e saturação de bases (V%). A metodologia forneceu subsídios para a análise do o grau de intemperismo dos horizontes e o tempo das superfícies geomorfológicas apresentadas.

Palavras chaves

Geocronologia; Capacidade de troca de cátions; Baixos Terraços

Introdução

A análise dos terraços, sobretudo os fluviomarinhos e marinhos, indica a reconstrução paleogeográfica do relevo costeiro e informações tectônicas e/ou eustáticas associadas ao avanço e recuo marítimo de períodos glaciais e interglaciais (SUGUIO, 2010) ou estágios de isótopos marinhos (marine isotope stages). O estudo das proporções de isótopos de oxigênio em foraminíferos de sedimentos retirados dos assoalhos oceânicos revelou um padrão consistente que representa alterações no sistema oceano-atmosfera ao longo do tempo e é representado por estágios e subestágios numerados em ordem crescente a partir do último evento (RAILSBACK, 2015). Já os terraços fluviais, após diversas mudanças climáticas que determinam sua gênese (quente e úmido) e sua nova estratificação (quente e seco), demonstram níveis topográficos de drenagens inativas, ou seja, de padrões de drenagem de uma configuração geomorfológica anterior. Guerra e Guerra (1997) e Christofoletti (1980) definem terraço como um patamar aplainado interruptor de um declive contínuo, onde ocorreu depósito sedimentar de origem fluvial, lacustre ou marinha. Os terraços fluviais são antigas planícies de inundação que após o rio esculpir o talvegue, aumenta sua profundidade num período quente e úmido, deposita seus sedimentos num período quente e seco, deixando estes patamares em níveis mais elevados como testemunhas destes processos pretéritos. Os terraços marinhos são depósitos arenosos ligados ao movimento eustático, onde o mar transportou seus sedimentos em momentos de avanço e de recuo na costa. Já os terraços fluviomarinhos são formados pela atuação das duas dinâmicas citadas – a incisão do canal fluvial e a deposição de argila e silte; movimentação eustática e deposição de areia – ocorrendo em momentos distintos e dependentes da relação de potencial energético fluvial e marinho. Além destes aspectos, as variações climáticas influenciam a intensidade, comportamento e duração dos processos erosivos e deposicionais e deixam rastros em baixos terraços localizados na costa brasileira. Portanto, os diferentes níveis de terraços em baixos cursos são elementos importantes para a análise geomorfológica, pois são evidências das variações energéticas dos processos hidrológicos, ou seja, são testemunhos da dinâmica erosiva e deposicional de ambientes costeiros e continentais. Nesta perspectiva, este artigo interpreta dados geológicos, geomorfológicos, pedológicos e litológicos para identificar e caracterizar os baixos terraços da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha – BA e contribui para a sistematização dos processos costeiros para compreender a espacialização destas formas. O perfil topográfico é uma representação cartesiana de um corte vertical ao longo de uma linha desenhada na superfície do relevo – neste caso, foi utilizado o modelo digital de elevação (MDE) SRTM – que expõe a altura em relação ao nível do mar e a distância do ponto associado ao corte feito. O gráfico gerado permite identificar as formas ao longo das vertentes e auxilia a inferir sobre processos deposicionais e erosivos envolvidos no relevo. A capacidade de troca de cátions (CTC) é soma das cargas negativas nos coloides do solo , mostrando o poder de adsorção de cargas positivas como cálcio (Ca2+), magnésio (Mg2+), potássio (K + ), sódio (Na+), alumínio (Al3+) e hidrogênio (H+). A saturação por bases (V%) expressa a proporção de cátions trocáveis em relação à capacidade de troca determinada a pH7, separando os solos em distróficos (saturação menor que 50%) e eutróficos (saturação maor que 50%). A capacidade de troca de cátions, a saturação por bases e a textura (relacão entre areia, silte e argila) das coberturas superficiais dos baixos terraços são subsídios para interpretações pedológicas com relação ao intemperismo das superfícies geomorfológicas (STORANI e PEREZ FILHO, 2015).

Material e métodos

O perfil topográfico foi confeccionado no software Global Mapper 16 com a ferramenta 3D path profile, utilizando o modelo digital de elevação Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), com resolução espacial de 30 metros, interpolado para correção de pixels sem valores e ruídos no ArcGis 10.5. As amostras para análises granulométricas e químicas foram extraídas de trincheiras abertas in situ com até 4 metros de profundidade .As análises granulométricas foram feitas no laboratório da Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As frações de areia foram separadas em areia muito grossa, grossa, média, fina, muito fina, argila e silte através do método da pipeta (CAMARGO,2015). Este método utilizou mesa agitadora horizontal, vibrador de peneiras balançadas de duas e quatro casas decimais e estufa de circulação de ar. NaOH 0,1 N com 10% de hexametafosfato de Sódio foi misturado como solução dispersante, a água oxigenada a 30% foi acrescida somente quando necessário e a solução de pirosfato de sódio 0,1M foi dissolvida em 1 litro de água para reagir com as amostras. As análises químicas foram feitas pelo laboratório agronômico LAGRO, identificando os macro e micronutrientes, percentagem da saturação por bases (V%) e capacidade de troca de cátions (CTC) do solo. Os dados pedológicos são da base disponibilizada pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI, 2004) com escala 1:650000.

Resultado e discussão

O relevo litorâneo, além da influência direta do comportamento do mar e seu movimento eustático, está intimamente relacionado com o clima, o ajustamento das drenagens que chegam à costa, as formas de relevo continental e o estado da evolução das formas litorâneas per si (SILVEIRA, 1962). A linha costeira é um ambiente instável devido a influências naturais e antrópicas, marcado pela adição e remoção de sedimentos Muehe (1998), e caracterizada pelas variações dos níveis oceânicos. Suguio (2010) aponta que estas variações são majoritariamente controladas pelas flutuações nos volumes das bacias oceânicas (tectônica de placas), flutuações nos volumes das águas nas bacias oceânicas (glaciação e deglaciação) e deformações das superfícies ocêanicas (campo gravitacional). Além do caráter dos aspectos pedológicos, estatigráficos e geomorfológicos intrínsecos às análises de deposições de sedimentos atuais e antigos, estudos sobre mudanças climáticas aumentaram a partir da década de 1970 devido a preocupação dos seus efeitos sobre a sociedade em escala global. Diversas pesquisas de autores brasileiros analisaram os aplainamentos e depósitos pretéritos e relacionaram-nos com a ocorrência de eventos climáticos significativos durante o Quaternário (BIGARELLA, 1964; AB`SABER, 1969; COLTRINARI, 1991; BIGARELLA et al., 1994; PESSENDA et al., 2012; SUGUIO, 2010) que transformaram o ambiente e resultaram na paisagem atual. No território nacional, estes eventos são responsáveis por períodos úmidos e semiúmidos e, especificamente no Holoceno, esta variação de umidade aponta para a distribuição espacial de populações específicas de flora e para processos de formação e mudança de feição do relevo (PESSENDA, 2004; COHEN et al., 2012; DIAS e PEREZ FILHO, 2015). No âmbito pedológico, foram identificados seis grandes grupos subdivididos entre diferentes tipos de Argissolos, Latossolos, Gleissolos, Chernossolos, Neossolos e Espodossolos. Os baixos terraços onde foram realizadas as coletas de amostras das coberturas superficiais estão situados nas áreas predominantes de Neossolos – influência majoritariamente fluvial, com granulometria variada e sem indícios de formação de um horizonte B - e Gleissolos – lençol freático próximo a superfície com presença de matéria orgânica, apresentando uma diminuição no oxigênio dissolvido e uma dissolução dos óxidos de ferro. A porção mais próxima do oceano Atlântico está inserida nas planícies costeiras quaternárias, influenciadas por processos fluviais e marinhos que propiciam a coexistência de aluviões, terraços fluviais, fluviomarinhos e marinhos. Em contato com as áreas de planícies e terraços encontra-se a bacia sedimentar do Terciário associada ao grupo Barreiras, que proporciona na paisagem do baixo curso relevos de topos tabulares, capeados por sedimentos que também recobrem rochas cratonizadas do Escudo Oriental, lateritizados em superfície e entalhados por drenagem dendrítica e/ou paralelo-ramificada. A unidade mais interiorana tem idade pré cambriana e é caracterizada por relevos de topos planos, encostas predominantemente convexas e convexa-côncavas, serras e maciços montanhosos, refletindo os alinhamentos estruturais das rochas intensamente metamorfizadas e cortadas por gargantas do tipo apalacheano (CBPM, 2000 e SEI, 2004). Figura 1 Ainda no contexto geológico, uma caracterização prévia revelou grupos litológicos associados a formações cristalinas e sedimentares, destacando-se a formação Itapetinga e Barreiras respectivamente. O Grupo Barreiras constitui uma cobertura sedimentar terrígena continental e marinha de idade miocênica a pleistocênica inferior (SUGUIO, 2010). Por ser praticamente afossilífero, o período de deposição de seus sedimentos foi bastante discutida na literatura cientíca. Mas pelo último momento de movimentação sedimentar, infere-se que é mais recente que o Mioceno, conforme as datações feitas por Krasser e Berry (1903), discutidas por Bigarella e Andrade (1964) e King (1956). Almeida (1962) considera a o grupo de sedimentos de origem pliocênica, de natureza detrítica com deposição em planícies de inundação, lagos e canais fluviais, havendo um predomínio de siltes e argilas que se associam a arenitos argilosos. Estes sedimentos cenozóicos repousam sobre os depósitos marinhos cretáceos do Recôncavo Baiano (VILAS BOAS, 1996) e por todo o litoral nordestino. Segundo Bezerra (2001), os sedimentos Barreiras se constituem na última rocha sedimentar terciária do Nordeste formada na história da abertura do Atlântico, representada pela sequência sedimentar ao longo da costa nordestina. Tricart e Silva (1968) apontam que são materiais alógenos, possivelmente oriundos da Chapada Diamantina. O Grupo Itapetinga apresenta áreas serranas com rios encaixados e algumas regiões com intensa cobertura eluvial. A litologia se apresentada dobrada, ou então levemente ondulada com mergulhos suborizontais (LIMA, 1981). Figura 2 O terraço T-1 está numa parte mais encaixada da drenagem e tem o Grupo Itapetininga como subsídio litológico, com aluvião recente recobrindo horizontes de areia fina e muito fina com presença de silte. O horizonte mais profundo apresenta maior concentração de silte e argila, mostrando uma maior influência deposicional do canal fluvial no passado. O terraço T-2 está localizado em áreas planas resultantes de processos de sedimentação fluvial e marinha com ruptura de declive em consequência de dissecação no Grupo Barreiras relacionada à oscilação eustática. Os horizontes até aproximadamente 230 cm tem textura franco, em 330 cm há mudança granulométrica significativa com maior presença de silte e argila. Já em 340 cm de profundidade o material é uma areia mais grosseira com pouquissímo silte e argila em contraste com os outros horizontes. O terraço T-3 está situado numa região plana de acumulação, pouco inclinada para o mar, marcada por ruptura de declive em relação à planície marinha recente, provavelmente entalhada em consequência da variação do nível marinho. O material apresentado é composto basicamente de areia média, fina e muito fina. Tabela 1 Nos horizontes com maior presença de argila, a CTC é mais elevada, pois o coloide possui maior capacidade de adsorver íons positivos como cálcio, potássio e magnésio. O perfil de terraço T-3 tem pouca materia organica presente na cobertura do solo e uma influencia marinha majoritária, apresentando uma menor CTC e pouca saturação por bases, demonstrando um solo bastante lixiviado e intemperizado. O terraço T-2 tem uma maior cobertura vegetal com gramineas, arbustos e demais extratos característicos da Mata Atlântica e apresenta menor CTC nos horizontes arenosos. O nivel geomorfológico T-1 tem maior saturação por bases e CTC moderada. Tabela 2 Vale ressaltar que as CTCs e V% apresentadas não devem ser diretamente comparadas entre as superfícies geomorfológicas, pois são de transectos diferentes.Entretanto, são subsídios para o grau de intemperismo dos horizontes e o tempo das superfícies geomorfológicas apresentadas.Estes índices servem para caracaterização do terraço e comparacão entre seus horizontes. Essa paridade ocorre devido ao fato de solos menos expostos ao intemperismo e processos pedogeneticos apresentarem menor saturação por bases e capacidade de troca de cations.

Figura 1

Mapa das unidades geológicas do baixo curso do rio Jequitinhonha - BA.

Figura 2

Transectos e perfis longitudinais dos baixos terraços da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha – BA.

Tabela 1

Dados granulométricos dos baixos terraços da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha - BA

Tabela 2

Dados químicos dos baixos terraços da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha – BA

Considerações Finais

A falta de estudos sistêmicos sobre o modelado geomorfológico do sul da Bahia e sua relação com os eventos atuais e recentes do Holoceno brasileiro motivaram este artigo. A metodologia se mostrou importante para identificação e caracterização dos baixos terraços da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha – BA, apontando para uma possível correlação de eventos climáticos holocênicos quente/úmido e quente/seco com deposição de aluviões em horizontes dos solos intercalados com material arenoso proveniente de processos deposicionais marinhos e eólicos. O terraço T-1 tem baixa presença de argila nos horizontes superficiais, apesar de estar numa área que atualmente não sofre influência direta do mar. O rio Jequitinhonha dissecou verticalmente o relevo, demonstrando um canal fluvial encaixado no subsídio litológico do Grupo Itapetinga. Já os terraços T-2 e T-3 são depósitos marinhos e continentais costeiros que estão numa área em contato com o Grupo Barreiras, onde o rio se desenvolve horizontalmente em relacão ao relevo. Os últimos estágios de isótopos marinhos provavelmente estão relacionados com a deposição de massas de areias descontínuas que foram retrabalhadas e transformadas em áreas de restingas e cordões litorâneos com diferentes patamares, evidenciando a oscilação eustática e a mudança climática.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo e Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio e pelo financiamento à pesquisa, por meio do projeto número 2016/11006-8.

Referências

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