Autores

Linhares da Silva, P. (UFRJ) ; Lins-de-barros, F.M. (UFRJ)

Resumo

O bairro de Copacabana localizado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, foi incorporado entre os séculos XIX e XX, segundo Abreu (1987), à malha urbana devido à facilidade de abertura de pequenos túneis, reordenando o espaço e a paisagem do local. A orla de Copacabana sofreu alterações que incluem a duplicação da Avenida Atlântica, e o alargamento da faixa de areia através do método de alimentação artificial. A obra de engenharia realizada na década de 70 por especialistas em obras litorâneas do Laboratório de Lisboa-Portugal é retratada como um exemplo bem sucedido de intervenção costeira. Baseado em perfis topográficos, levantamentos bibliográficos da época, o presente trabalho busca analisar o antes e depois da alimentação artificial para identificar possíveis alterações na sua morfodinâmica praial e, com isso, fazer uma análise dos impactos preliminares de uma possível subida do nível do mar.

Palavras chaves

erosão costeira; praia; alimentação artificial

Introdução

A cidade do Rio de Janeiro desde o final do século XIX até hoje passa por modificações urbanísticas, que segundo Abreu (1987), teve nos anos de 1930- 1950, um período caracterizado por modificações que reorganizaram, de maneira significativa o espaço hoje ocupado. E no bairro de Copacabana não foi diferente, que no início compreendia um grande areal, cresceu conforme a necessidade de expansão urbana, se transformando primeiro em um vilarejo de pescadores e depois um bairro de classe média e alta composto por residências e hotéis, como o Copacabana Palace inaugurado em 1923, que proporcionou uma nova imagem ao bairro e à orla, dando iluminação em formato de pérolas, valorizando seu entorno rapidamente. Neste período, a intenção de urbanizar o bairro foi ampliado com a criação de transportes públicos, como os bondes (O’DONNEL, 2013). As obras de novos túneis e a duplicação da Avenida Atlântica tinham como objetivo dar um fluxo melhor entre os bairros vizinhos, pois a orla já não comportava mais o quantitativo de freqüentadores, assim como os bondes que foram substituídos pelos automóveis. Somado a isso, devido ao aumento da especulação imobiliária os lotes residenciais e comerciais na Avenida Atlântica foram construídos cada vez mais próximos à orla, que durante as entradas de ressacas, causava prejuízos pois ocasionalmente destruía calçadas e estacionamentos dos prédios. Entre 1940 até 1970, Copacabana teve um crescimento anual médio maior do que a cidade do Rio de Janeiro. Em 1920, o bairro que abriga a Princesinha do mar, possuía 17.823 habitantes e em 1980 foi para 228.252 habitantes, como aponta a Revista do Estado da Guanabara (1969). Esse aumento demográfico trouxe também necessidade de alargar a faixa de areia da praia de Copacabana. Sua fama vem sendo cultivada desde então, e seu calçadão em formato de ondas se tornou um dos mais copiados em outras orlas, além disso, mega eventos como o Réveillon trazem maior visibilidade a este trecho do litoral carioca, tornando o seu uso seja cada vez mais atrativo. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar as alterações geomorfológicas da praia após a obra de alimentação artificial, realizada na mesma, durante a década de 70, que auxilia até hoje na estrutura e manutenção dos fenômenos ali realizados.

Material e métodos

Para analisar as alterações que a praia de Copacabana sofreu ao longo do século XX, foi necessário pesquisas bibliográficas, através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a base de livros Minerva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), imagens aéreas e fotografias disponibilizadas através da internet para observar as mudanças na paisagem provocada pela urbanização e seu uso, além de entrevistas com engenheiros especialistas que colaboraram com a realização da obra de alimentação artificial na praia. Foram levantadas notícias dos jornais O Globo e Correio da Manhã que contribuíram para acompanhar informações sobre as ressacas e outras intervenções acontecidas neste local, além da dos perfis topográficos elaborados pelo Laboratório de Geografia Marinha da UFRJ. Ademais, foram utilizados como referencia o primeiro perfil de praia realizado por Kowsmann (1970) antes da obra e de Vera-Cruz (1972) durante a mesma. A obra de engenharia foi efetuada pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa em parceria com a Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN) do Rio de Janeiro. O inventário de noticias de jornais foi necessário para coletar informações sobre as ressacas na praia de Copacabana e seus possíveis danos à orla devido a sua vulnerabilidade natural. Os perfis topográficos de praia atuais de novembro de 2016 até novembro de 2017 foi feito utilizando a metodologia assim como no primeiro perfil realizado por Kowsmann, as balizas de Emery (1961), que consiste em duas balizas de madeira com 1,3 metros de altura com marcações de largura de 2 cm em 2 cm e que a diferença de altura entre dois pontos, ao longo do perfil é interpretada pelo observador que está na baliza de ré, sendo esta diferença é resultado de uma linha imaginária projetada que liga o horizonte ao topo da baliza mais baixa, que pode ser tanto a baliza avante quanto a de ré. A distância entre as balizas será obtida com uma trena. Assim, é possível comparar a largura da faixa de areia da praia antes e após sua intervenção. E para eventos futuros, fez-se uma projeção caso ocorra uma subida no nível do mar e seus efeitos no bairro, utilizando o método da regra de Bruun (1962), que tem como objetivo ver se os sedimentos erodidos da parte emersa da praia serão transferidos para a antepraia através de uma fórmula matemática obtendo os dados do comprimento e altura do perfil ativo e o limite de deposição dos sedimentos (Bruun,1962 apud Lins-de-Barros,2010). Este método permite prever do quanto a linha de costa iria recuar em metros para o continente caso ocorra uma elevação do nível do mar, porém as variáveis são mínimas, e que ainda de acordo com Lins-de-Barros (2010), tal regra descarta os aspectos oceanográficos, influência do aporte sedimentar, declividade do fundo marinho , transporte lateral de sedimentos em função da direção de propagação de ondas, além da presença do muro, que dão maior complexidade à problemática como apresentado por Lins-de-Barros (2010). Todavia, é possível ter uma aproximação dos efeitos da subida do nível do mar na orla, sendo fundamental para prevenir e minimizar os prejuízos causados.

Resultado e discussão

De acordo com as noticias dos jornais Correio da Manhã e O Globo, já se mencionava a necessidade de prolongar a faixa de areia da praia desde o inicio do século XX, pois as ressacas além de danificar os muros, calçadas e prédios, prejudicavam o uso dos banhistas. Para alimentação artificial, foram utilizadas balsas que através de bombeamento, retiravam areia da enseada de Botafogo e da Ilha de Cotunduba, pois possuíam granulometria mais grosseira que a atual. A obra de engenharia foi efetuada pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa em parceria com a Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN) do Rio de Janeiro. Foram despejados na arrebentação da praia de Copacabana, aproximadamente, quatro milhões de metros cúbicos de areia por meio de tubulações submersas e emersas. No decorrer da obra, os moradores se preocupavam quanto ao futuro incerto que essa intervenção estava proporcionando, já que tubulações de esgoto foram afetadas, havia poluição sonora e o próprio transtorno geral que qualquer obra poderia causar. Com base no trabalho de Kowsmann (1970), a morfodinâmica da praia de Copacabana nos anos de 1968 e 1969, antes da realização da obra, era de uma zona de surfe larga e presença de cúspides. E seus perfis foram realizados apenas no centro do arco praial, com uma média de 61 metros de largura da faixa de areia. Já de acordo com o plano da obra do Laboratório de Nacional de Engenharia Civil (VERA-CRUZ,1972), a faixa de areia de toda a praia possuía em média 55 metros de largura e previa-se somar mais 90 metros, totalizando 145 metros em média. Porém, após os bombeamentos, a média da faixa de areia do arco praial ao fim da obra, ficou de aproximadamente 90 metros. A medição da largura da faixa de areia pela baliza de Emery é contada desde o muro até a zona de arrebentação da praia, ou seja, o local onde a onda se forma mais perto da face de praia. Nos perfis topográficos recentes realizados de novembro de 2016 a novembro de 2017, a média de todo o arco é de 73 metros, sendo demonstrada como o P1(canto leste) a média de 27 metros; P2(centro do arco) 123 metros e P3(canto oeste) 68 metros, evidenciando uma diminuição significativa de sedimentos em relação ao seu alargamento. Como mostra na tabela 01, a largura do Ponto 01 é mais curto que os demais pontos, e, portanto, mais vulnerável a eventos de ressaca do mar, além de possuir uma tendência a declives. O Ponto 02 é o que possui uma berma mais plana devido ao aterro, e somente na mais próximo a face de praia que é visível os efeitos da erosão, como as escarpas. E no Ponto 03 a variação é menor, mas ainda assim reduzida e com presença de escarpas de até 1,30 metros em alguns meses. Na análise dos perfis realizados, pode-se observar que nos meses de novembro de 2016 à maio de 2017, as larguras foram maiores que nos meses de junho de 2017 à outubro de 2017. Os perfis da praia quando possui uma largura maior entre o muro e o refluxo máximo com acúmulo de sedimentos é denominado de tempo bom, e nos perfis de tempo ruim (tempestade), possuindo menor largura de faixa de areia, é na chegada de frentes frias no litoral, geralmente no período de inverno, provocando mais erosões pela altura e energia de ondas mais acentuadas. A preocupação pelo déficit de areia no canto leste do arco praial é noticiada pelo Jornal Posto Seis (2017) do bairro de Copacabana pelo prejuízo causado e futuras incertezas. Mesmo após a obra, foi relatado no jornal O Globo eventos de ressaca que o mar avançou a faixa de areia, chegando ao calçadão até no ponto mais largo do arco praial. Com as observações feitas em campo, a morfodinâmica apresenta um perfil mais íngreme, zona de surfe estreita, ausência de banco de areia e presença de cúspides. A subida do nível do mar de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (2012) é de 0,82 metros até o ano de 2100, causando danos na maior parte da zona costeira do globo. Sua aplicação à regra de Bruun (1962) na Praia de Copacabana, estima-se que o nível do mar avançaria no Ponto 01 (canto leste) 99 metros, Ponto 02 (centro do arco) 26 metros e no Ponto 03 (canto oeste) 38 metros, aproximadamente. Esta projeção para elevação da subida do nível do mar para 2100 foi feita a partir do mar chegando à linha de costa, como eventualmente já acontece em eventos de ressaca. Caso fosse feito a partir da face de praia, o Ponto 01 seria o único a perder totalmente sua faixa de areia. Todavia, haveria uma perda significativa para a praia em si, pois banhistas e comerciantes que a usufruem estariam mais limitados quanto ao espaço a ser utilizado. Além do mais, há o empilhamento das ondas provocado pela maré meteorológica e de sizígia, que aumentaria o alcance do mar no continente. Embora o modelo tenha suas limitações, a praia de Copacabana já apresenta ressacas que encurtam a faixa de areia ou chegam até a sua orla.

Figura 01 - Ressaca

Dano causado por ressaca em frente ao Hotel Copacabana Palace Fonte: Instituto Moreira Salles. 1922.

Figura 02

Mapa de localização dos Perfis topográficos da Praia de Copacabana/RJ.

Tabela 01

Largura e média dos perfis topográficos na Praia de Copacabana/RJ. Elaborado pelo autor

Figura 03

Aplicação do Modelo de Bruun na Praia de Copacabana. Elaborado pelo autor

Considerações Finais

A ocupação de Copacabana influenciou na intervenção da praia para o seu aumento da faixa de areia. A obra de engenharia teve o seu êxito e ajudou na fama internacional que a praia possui atualmente. No entanto, de acordo com os dados coletados, é possível observar a redução da largura dos pontos em comparação com a largura realizada na obra. Mesmo a praia não sendo exposta para alto mar, pois tem sua orientação voltada para a Baía de Guanabara, ela precisa de mais estudos para a sua manutenção artificial e das condições meteorológicas e oceanográficas que contribuem na erosão e deposição de sedimentos, caso contrário, poderá acabar voltando às larguras originais, o que não favoreceria mais a demanda que possui atualmente. Acompanhar periodicamente as ressacas e seus efeitos tanto na praia quanto na orla é primordial para compreender a sua dinâmica.

Agradecimentos

Agradecimento especial para o PIBIC-UFRJ por financiar esta pesquisa e pelos colaboradores do Grupo de Laboratório de Geografia Marinha da UFRJ.

Referências

ABREU, M. A. A evolução urbana do Rio de Janeiro. RJ., IPLANRIO/ Zahar, 1987.
JORNAL CORREIO DA MANHÃ. Disponível em <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em Outubro - Janeiro 2017.
JORNAL POSTO SEIS. Disponível e <http: postoseis.com.br> versão online 470. 2017.
JORNAL “O GLOBO”. Disponível em <http://acervo.oglobo.globo.com > . Acesso em Outubro – Fevereiro 2017.
KOWSMANN, R. Variações de curto e longo prazo de um perfil da praia de Copacabana Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa da Marinha, n39.1970.
IPCC - Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation. A Special Report of Working Groups I and II of the Intergovernmental Panel on Climate Change. 582p. Cambridge University Press. https://www.ipcc.ch/pdf/special-reports/srex/SREX_Full_Report.pdf. 2012.
LINS-DE-BARROS, F.M. Contribuição metodológica para análise local da vulnerabilidade costeira e riscos associados: estudo de caso da Região dos Lagos, Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Departamento de Geografia da UFRJ. 2010.
O’DONNEL, J. A invenção de Copacabana: Culturas urbanas e estilos de vida no Rio de Janeiro (1890-1940). Editora Zahar. 2013
REVISTA DE ENGENHARIA DO ESTADO DA GUANABARA. Alargamento da Praia de Copacabana. Volume XXXVI, Janeiro – Junho 1969.
REVISTA DE ENGENHARIA DO ESTADO DA GUANABARA. Volume XXXVII, Julho – Setembro 1969.
VERA-CRUZ, D. Artificial Nourishment of Copacabana Beach. Coastal Engineering -13th Proceedings. Chapter 80, 1972.