Autores
Oliveira, T.A. (INSTITUTO FEDERAL DO SUL DE MINAS GERAIS) ; Belizário, B. (INSTITUTO FEDERAL DO SUL DE MINAS GERAIS)
Resumo
A bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta, contextualizada no Planalto de Poços de Caldas, é um importante sistema de abastecimento de água do município homônimo, locado no sul do estado de Minas Gerais. Apesar dessa importância, as informações referentes à quantificação e organização da sua rede fluvial são muito superficiais. Esse trabalho, balizado na escala 1:50.000, objetivou desenvolver um estudo de caracterização da bacia hidrográfica supracitada pautando as relações que se desdobram entre os canais componentes da rede fluvial tendo sob foco índices e parâmetros lineares e areais. Configura-se como a primeira etapa de projeto que visa analisar o contexto morfométrico da área e relacioná-lo às condições estruturais e de uso da terra.
Palavras chaves
Geomorfologia; Bacia Hidrográfica; Rede fluvial
Introdução
A caraterização do sistema físico de bacias hidrográficas sob a ótica geomorfológica pode se traduzir em estudos que pautem a investigação do comportamento dos canais de drenagem no trabalho que desenvolvem ao escoar suas águas, definindo, por exemplo, condições propícias às inundações em decorrência de eventos pluviométricos com grande aporte hídrico. Nesse âmbito, alguns autores procederam a investigações morfométricas pautadas em índices e parâmetros lineares e areais no intuito de organizar e quantificar a relação existente entre os canais de drenagem componentes desses sistemas para, na sequência, confrontar os dados com as informações do litosubstrato. Na década de 70 do século XX Christofoletti (1970) desenvolveu um estudo sistemático sobre a morfometria das bacias hidrográficas do planalto de Poços de Caldas, culminando em considerações quantitativas sobre essas unidades. Os dados levantados foram utilizados para explicar a gênese e a evolução da rede hidrográfica do planalto e acabaram por denunciar a influência da litoestrutura no comportamento dos canais de drenagem e na configuração das bacias hidrográficas estudadas. Mais à frente, Christofoletti (1980) dedicou parte da obra intitulada “Geomorfologia” ao estudo morfométrico das bacias hidrográficas destacando a importância de índices e parâmetros lineares e areais que, analisados de forma conjunta personificam a relação existente entre os canais de drenagem componentes de um sistema hidrográfico. Recentemente Steavoux e Latrubesse (2017) avançaram nas considerações de Christofoletti (1980) e apresentaram importantes contribuições à geomorfologia dos canais de drenagem com a obra “Geomorfologia Fluvial”. Segundo os autores (op. cit.) a justaposição da rede fluvial componente de um sistema hidrográfico constitui as “leis de composição da rede de drenagem, composta por correlações existentes entre a ordem dos canais e a numeração dos mesmos e que foram definidas por Horton (1945) e Schumm (1956)” (apud STEAVOUX e LATRUBESSE, 2017). Atentos ao potencial da geomorfologia para investigações direcionadas à quantificação dos canais de drenagem em bacias hidrográficas, esse trabalho, elaborado na escala 1:50.000, ilustra o comportamento das drenagens ao que tange à sua organização na bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta por meio do estudo de índices e parâmetros lineares e areais referenciados a essa unidade de área. A bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta é importante sistema hidrográfico contextualizado no Planalto de Poços de Caldas e drena terras inseridas no município homônimo. Atualmente, encontra-se sob forte pressão oriunda do avanço urbano sobre seus terrenos. Apesar dessa importância, as informações referentes à quantificação e organização da sua rede fluvial são muito superficiais.
Material e métodos
Fez-se um levantamento bibliográfico cartográfico e textual prévio com posterior elaboração de uma base cartográfica da área com informações sobre a rede de drenagem, pautadas nas folhas Poços de Caldas (SF-23-V-C-VI-4) e Caldas (SF-23-V-D-IV-3), editadas pelo IBGE (1972). Foi utilizado o Software ArcGis 10.1 para o tratamento das informações de localização e para a investigação e mensuração dos índices e parâmetros areais e lineares da bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta. Atividades em campo acompanharam os trabalhos de gabinete. O comprimento da bacia (L) foi extraído considerando-se a maior distância entre a foz e um ponto situado ao longo do perímetro, tal como orientado por Christofoletti (1980). O índice de circularidade (Ic), que exprime a relação entre a área da bacia e a área do círculo de mesmo perímetro foi investigado utilizando-se a fórmula Ic=A/Ac, onde “Ic” corresponde ao índice de circularidade, “A” à área da bacia hidrográfica e “Ac” à área do círculo de mesmo perímetro da bacia considerada (CRISTOFOLETTI, 1980). A hierarquia dos canais de drenagem, pautada na metodologia de Robert E. Horton e apresentada por Christofoletti (1980), visou verificar qual deles configura-se como rio principal da bacia e preparar os estudos referentes à relação topológica entre os canais. Assim, a hierarquização dos canais foi processada analisando-se o ângulo de confluência, sendo considerado o canal de maior ordem aquele com menor ângulo de confluência. Quando o ângulo de confluência entre os canais mostrou-se coincidente, tomou-se como de maior ordem o canal mais extenso daquele ponto para a montante. Quando o ângulo de confluência de um dos canais mostrou-se muito acentuado, mesmo apresentando um comprimento pouco inferior, o outro segmento foi considerado o de maior ordem. A magnitude da bacia hidrográfica foi estipulada com base no método descrito por Ronald L. Shreve (apud CHRISTOFOLETTI, 1980) que prevê que a magnitude do ligamento de um canal está ajustada ao número de nascentes que lhes são tributárias representando o número de nascentes componentes desse sistema. Tomou-se como magnitude 1 os canais de primeira ordem. Canais de primeira ordem, quando confluentes, geram canais de magnitude 2. A cada confluência a magnitude dos ligamentos foi somada e, à jusante desse ponto, o novo ligamento passou a apresentar magnitude correlata à soma das magnitudes dos ligamentos que o originaram. O comprimento médio dos canais de cada ordem (Lm) foi estabelecido pela divisão entre o resultado da soma do comprimento dos canais de determinada ordem (Lu) pelo número de canais dessa mesma ordem (Nu), utilizando-se a expressão Lm=Lu/Nu. A relação entre o comprimento médio dos canais de cada ordem (RLm), outro parâmetro estudado, segundo exposto por Christofoletti (1980), resulta da relação entre o comprimento dos canais de determinada ordem (Lmu) e o comprimento dos canais de ordem imediatamente inferior (Lmu – 1), dada pela fórmula RLm=Lmu/Lmu-1. A relação entre o comprimento médio dos canais e o índice de bifurcação (Rlb) foi investigada relacionando o comprimento médio dos canais de duas ordens subsequentes (RLm) e a relação de bifurcação entre as mesmas duas ordens subsequentes (Rb), pela fórmula R¬lb=Rlm/Rb, como orientado por Christofoletti (1980). A extensão do percurso superficial, outra variável analisada e que informa sobre a “distância média percorrida pelas enxurradas entre o interflúvio e o canal permanente” (CHRISTOFOLETTI, 1980), foi aferida utilizando-se a fórmula Eps=1/2Dd, onde “Eps” corresponde à extensão do percurso superficial e “Dd” à densidade de drenagem da bacia. Assim, para se estabelecer a extensão do percurso superficial foi necessário estabelecer a densidade de drenagem da bacia (Dd), por meio da soma da extensão total dos canais (Lt) dividida pela área da bacia (A), utilizando-se a expressão Dd=Lt/A.
Resultado e discussão
A bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta possui área de 39,9 km2 e seu
perímetro é 42,8 km. O uso da terra se faz de forma diversificada, com
destaque para os usos urbano, agrícola de pequenas propriedades, minerador e
silvicultor, onde o gênero Eucalyptus tem relevância. As drenagens ajustaram
seus cursos sobre Tinguaítos e Foiaítos, litologias que embasam os terrenos
dessa unidade hidrográfica, tal como informado por Ellert (1959) e ilustrado
pela Figura 1.
A bacia possui ordem 4 e magnitude 60. Seu comprimento é 11,8 km e a rede de
drenagem se compõe por 45 canais de 1a ordem, 10 canais de 2a ordem e 3
canais de 3a ordem, sendo o canal principal, de ordem 4.
Na bacia do ribeirão da Ponte Alta, a relação de bifurcação entre os canais
parece responder à configuração litoestrutural do substrato. Na presença do
Tinguaíto há visível concentração de ramificações de canais de 1ª ordem, com
reflexos na composição de canais de 2a e 3a ordem. Na presença do Foiaíto
grande número de canais de 1a ordem tributa suas águas diretamente no canal
principal, de ordem 4. Nesse último caso, os canais quase sempre apresentam
ângulos de confluência elevados, alguns quase perpendiculares ao canal
principal (Figura 2).
De acordo com Steavoux e Latrubesse (2017), a relação de bifurcação, quando
aferida pela metodologia proposta por Horton, deve se exprimir entre os
valores 3,0 e 5,0 e que, para Stralher (apud CHRISTOFOLETTI, 1970),
caracterizam sistemas de drenagem naturais. Valores próximos a 5,0 mostram
alta densidade de canais e valores próximos a 3, densidades mais tímidas.
Segundo informou Christofoletti (1970), a constância dos valores nas
relações de bifurcação entre canais subsequentes está relacionada com o
estágio de desenvolvimento das bacias hidrográficas e, no caso das bacias
hidrográficas do Planalto de Poços de Caldas, o autor (op. cit) considera
que as mesmas encontram-se em estágio de desenvolvimento máximoem função dos
valores encontrados para as relações de bifurcação. A relação de bifurcação
tem, ainda, estreita relação com a topografia e o contexto litológico. Dessa
forma, nas porções onde o relevo é mais vigoroso e o substrato encontra-se
fraturado de forma mais intensa oferecendo às drenagens possibilidade de
instalação dos seus cursos, a relação de bifurcação tende a apresentar
valores maiores que aqueles representativos de terrenos onde a topografia é
mais suave e o fraturamento menos intenso.
Na bacia, os canais de 1a ordem possuem comprimento médio modesto, pouco
superior a 600 metros. Os canais de 2a ordem possuem comprimento médio igual
a 1.347 metros. São os canais de ordem 3a que assinalam comprimentos médios
mais significativos em relação aos dois anteriores, ultrapassando 3.000
metros.
A relação entre o comprimento médio dos canais mostrou proximidade nos
valores referentes aos canais de 1a e 2a ordem e aos canais de 2a e 3a
ordem. Porém, essa relação aumenta mais de 1,6 vezes entre os canais de 3a
ordem e o canal principal, de 4a ordem. A relação entre o comprimento médio
dos canais de ordens subsequentes e o índice de bifurcação (Rlb) desses
mesmos canais mostrou aumento progressivo. Segundo informado por
Christofoletti (1980), caso a relação entre o comprimento médio dos canais e
o índice de bifurcação não sejam iguais, o tamanho dos canais pode aumentar
ou diminuir em função da interferência de fatores hidrológicos, morfológicos
e geológicos, o que parece ser verdadeiro para a bacia hidrográfica do
ribeirão da Ponte Alta, quando considerados os fatores geológicos, por
exemplo.
A densidade de drenagem registrou um valor de 1,01 km/km2. Conforme exposto
por Steavoux e Latrubesse (2017) a densidade de drenagem é o parâmetro que
reflete a influência de dos sistemas físicos-naturais e antrópicos sobre o
escoamento das águas em uma dada unidade de área. Sthraler (apud STEAVOUX e
LATRUBESSE, 2017) define que esse valor é considerado baixo, uma vez que se
coloca inferior a 5 km/km2. Porém, outros valores de referência são
encontrados na literatura científica disponível, de forma que é possível
assumir que estes valores estão ajustados à condições específicas dos
terrenos estudados. De acordo com Christofoletti (1970), a litologia é o
fator mais importante no condicionamento das densidades de drenagem no
Planalto de Poços de Caldas. Christofoletti (1980) destaca ainda que a
densidade de drenagem tende a diminuir a medida que o comprimento dos rios
aumenta, fato verificado na bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta. A
extensão média percorrida pelas enxurradas até um canal perene na bacia
hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta é de 0,49 km, distância não muito
extensa e ajustada às condições topográficas da bacia. O valor oferece uma
aproximação sobre o distanciamento médio entre os canais de drenagem.
Índices de circularidade (Ic) próximos a 1 seriam referentes às bacias com
configuração mais circular e, portanto, mais propensas à ocorrência de
processos de extravasamento dos leitos em picos pluviométricos mais
intensos, principalmente nas suas porções finais. O índice de circularidade
(Ic) que, para a área em estudo foi calculado em 0,27, informa que a bacia
drena suas águas de forma dinâmica e eventos de extravasamento em pontos
específicos não são comuns, podendo, porém, passar a ser em função do input
energético externo oriundo, por exemplo, da expansão urbana que altera
significativamente o tempo de concentração (Tc) das águas na bacia
hidrográfica. Para Christofoletti (1970) no planalto de Poços de Caldas,
índices de circularidade com baixos valores indicam a interferência das
condições morfoestruturais. O estabelecimento das drenagens sobre linhas de
falha, moldam as bacias em formas retangulares, tal como percebido na
unidade de área estudada. A Tabela 1 resume as informações quantitativas
prestadas acima, no âmbito da bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta.
Figura 1 – Bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta no contexto do estado de Minas Gerais.
Figura 2 – Hierarquia, magnitude e comprimento da bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta.
Tabela 1 – Índices e parâmetros hidrográficos investigados na bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta e resultados correlatos.
Considerações Finais
O trabalho configura-se como a primeira etapa de projeto que visa analisar o contexto morfométrico da bacia hidrográfica do ribeirão da Ponte Alta e relacioná-lo às condições estruturais e de uso da terra. Os dados referentes ao contexto geológico foram inferidos em campo e balizados com a bibliografia disponível. Necessitam de ajustes principalmente ao que se refere aos contatos litológicos. As considerações que relacionam os parâmetros estudados com a litoestrutura serão ainda aliadas às informações hipsométricas, clinográficas e de orientação das vertentes. A escala do trabalho, balizada em 1:50.000, se deu em função da disponibilidade da bibliografia cartográfica pré-existente e sendo assim, como não foi desenvolvido um estudo fotointerpretativo de maior detalhe a fim de registrar pequenos canais perenes que porventura tenham sido omitidos nas folhas topográficas, os resultados aqui apresentados expressam-se unicamente pelo reconhecimento dos canais de drenagem registrados no material utilizado. Para estudos que relacionam a densidade de drenagem aos aspectos litoestruturais, torna-se interessante adotar o método da rede de amostragem por celas quadráticas para o cálculo desse parâmetro, tal como procederam Hiruma e Ponçano (1994). Esse método permite avaliar a variação da densidade de drenagem dentro de uma mesma unidade de área e será adotado à frente, a fim de verificar se o resultado obtido para a bacia é mais o menos constante em toda a sua área.
Agradecimentos
Ao Instituto Federal do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS pelo apoio logístico e instrumental e ao CNPq pela concessão de bolsa de pesquisa em nível de Iniciação Científica – IC por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Referências
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Análise morfométrica das bacias hidrográficas do planalto de Poços de Caldas. 1970. 215 f. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, Rio Claro, 1970.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Blucher, 1980. 188 p
ELLERT, Reinholt. Contribuição à Geologia do Maciço Alcalino de Poços de Caldas. Boletim da Faculdade Filosofia, Ciências e Letras, São Paulo, n., p.5-63, 1959. Universidade de São Paulo. Disponível em: < http://www.ppegeo.igc.usp.br/index.php/bffcluspgeologia/article/view/10811/10266>. Acesso em: 05 out. 2017.
HIRUMA, Silvio Takashi; PONÇANO, Waldir Lopes. Densidade de drenagem e sua relação com fatores geomorfológicos na área do alto Rio Pardo, SP e Mg. 1994. Disponível em: <http://www.igeologico.sp.gov.br/downloads/revista_ig/15_1-2_4.pdf>. Acesso em: 10 out. 2017.
STEAVOUX, José Cândido; Latrubesse, Edgardo Manuel. Geomorfologia Fluvial. São Paulo: Oficina de textos, 2017.