Autores

Leal, J.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI) ; Saboia de Aquino, C.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI) ; Alves Amorim, J.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI)

Resumo

O presente artigo teve por objetivo discutir a importância da compartimentação geomorfológica como parâmetro para o estudo integrado dos sistemas ambientais. Nesse sentido, a discussão pautou-se no embasamento teórico-metodológico da abordagem sistêmica. A metodologia compreendeu a técnica da revisão de literatura. Os principais autores discutidos foram Ab’Sáber (1969), Sotchava (1977), Tricart (1977), Christofoletti (1980;1999), Souza (2015), dentre outros. Os autores anteriormente citados corroboram a importância da abordagem sistêmica para a Geografia Física. Nesse contexto, a compartimentação geomorfológica apresenta-se como um importante critério para o estudo integrado dos sistemas ambientais e para delimitação dos mesmos.

Palavras chaves

Compartimentação Geomorfológica; Sistemas Ambientais; Geossistemas

Introdução

A Geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo, sua gênese, composição e os processos correlatos. As formas representam a sua expressão espacial, compondo as diferentes configurações da paisagem morfológica (CHRISTOFOLETTI, 1980). Christofoletti(1980) ainda diz que a Geomorfologia serve para se analisar as grandes formações regionais do relevo, através da morfogênese. Dentro desse contexto, o conhecimento geomorfológico insere-se no diagnóstico das condições ambientais, contribuindo para orientar as atividades humanas no contexto do espaço geográfico. Casseti (2005) considera o relevo componente do estrato geográfico no qual o ser humano vive como suporte das interações naturais e sociais. Dessa forma, o relevo é produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de grande interesse da ciência geográfica, não apenas como objeto de estudo, mas por ser no relevo que se refletem e materializam as interações naturais e sociais que se pronunciam na sociedade. Ab’Saber (1969) ressalta que a Geomorfologia é um campo científico que cuida do entendimento da compartimentação topográfica regional, por meio da caracterização e descrição das unidades de relevo, em cada compartimento delimitado, focalizando o estudo da compartimentação topográfica, a estrutura superficial da paisagem e a fisiologia da paisagem. Nesse sentido, o estudo da compartimentação geomorfológica é de suma importância para se entender os sistemas ambientais de forma integrada. Assim, conforme destaca Casseti (2005), a compartimentação geomorfológica em unidades nos fornece uma visão integrada do meio físico. De acordo com Penteado (1980), a compartimentação geomorfológica em diferentes unidades de escala engloba as características morfométricas e morfológicas e os processos morfodinâmicos e morfogenéticos do relevo. Assim, a cartografia geomorfológica surge como um importante instrumento na representação do relevo da superfície terrestre, constituindo-se num dos principais métodos para o estudo e a pesquisa em geomorfologia, mas também pode ser utilizado no planejamento ambiental, fornecendo informações sobre as potencialidades, vulnerabilidades, restrições e riscos de ocupação e intervenções possíveis na paisagem (ROSS, 1992; 2007). Para que possa haver um maior aproveitamento do ambiente é imprescindível o conhecimento acerca da dinâmica e estrutura da paisagem levando em consideração suas capacidades e limitações. Para isso, faz-se necessário o levantamento de dados com o propósito de elaboração de diagnóstico com os principais elementos do meio físico, biótico e socioeconômico, com posterior integração destes dados a partir do emprego da abordagem sistêmica, que para Lima, Cestaro e Araújo (2010) constitui-se o alicerce de todos os estudos concernentes à compreensão da paisagem. O mapeamento geomorfológico permite compreender a distribuição espacial dos processos atuais e pretéritos que são responsáveis pelas formas de relevo das paisagens contemporâneas, proporcionando condições para a identificação e o dimensionamento das fragilidades e potencialidades de determinada área (FLORENZANO, 2008). Neste ínterim, o presente trabalho objetivou a partir de levantamento bibliográfico levantar estudos de caso que denotem a relevância e o uso da compartimentação geomorfológica e dos estudos integrados dos sistemas ambientais como uma abordagem teórico-metodológica largamente utilizada nos estudos em geografia física.

Material e métodos

Este estudo encontra-se pautado em uma revisão de bibliográfica acerca da utilização da compartimentação geomorfológica em estudos de sistemas ambientais, compreendendo pesquisas em livros, artigos, dissertações e teses que retratem a temática presente nesta pesquisa.

Resultado e discussão

O interesse da Geografia Física pela abordagem sistêmica reporta-se à segunda metade do século XX, tendo nos princípios conceituais da Teoria Geral dos Sistemas a fonte de inspiração primordial (CHRISTOFOLETTI, 1999). Na Geografia, os conceitos sistêmicos deram origem a várias abordagens integradas, como a teoria dos geossistemas e a abordagem ecodinâmica, dentre outras. A teoria dos geossistemas foi elaborada por Sotchava (1977), tomando contribuições anteriores como respaldo, tais como: (a) os princípios da Teoria Geral dos Sistemas, desenvolvida por Karl Ludwig Von Bertalanffy ainda nos anos de 1930; (b) os estudos de ecologia da paisagem sistematizados por Siegfried Passarge e Carl Troll, da escola alemã de Geografia; (c) os fundamentos do conceito de complexo natural territorial teorizados pelo geógrafo soviético Vasily Dokuchaev e (d) os postulados acerca do conceito de paisagem natural introduzidos na ex-URSS pelos estudos de A. Borsov e L. S. Berg (ARAÚJO, 2012). Para Sotchava (1977), existem três categorias dimensionais para os geossistemas: a planetária, a regional, e a topológica (ou local). Cada uma das quais comporta uma escala e uma dinâmica particular, porém estão em constante interação. Partindo-se desta classificação escalar preliminar, os geossistemas podem ser representados a partir dos geômeros e dos geócoros, sendo que os geômeros correspondem aos geossistemas com estrutura homogênea, enquanto os geócoros representam os geossistemas com estrutura heterogênea. Em Tricart (1977), o conceito-chave é o de ecossistema, a partir do qual o autor sistematizou outro modelo integrativo para a análise da paisagem: a abordagem ecodinâmica. Nesse sentido, para Tricart (1977) o conceito de unidades ecodinâmicas emerge como central em suas análises, nas quais a compartimentação do relevo é tomada como parâmetro para o estudo integrado dos sistemas ambientais. Tricart (1977) ainda explana que a natureza deve ser estudada como um sistema dinâmico, onde diversas variáveis, tais como relevo, solos, clima, vegetação, hidrografia e ação antrópica se inter- relacionam e interagem mutuamente. Bertrand (2004) também deixou claro que o relevo tem uma grande importância para o estudo do geossistema, pois o mesmo distingue as diferentes paisagens globais e também é a base analítica dos geossistemas. Assim, a compartimentação geomorfológica pode ser vista como o primeiro passo na compreensão e análise dos geossistemas, pois pode servir para dimensionar a própria paisagem como um instrumento analítico. Dessa forma, objetiva-se nesta pesquisa, evidenciar a contribuição do relevo em papel dimensionador da paisagem para fins analíticos e não, apenas como uma unidade elementar. Christofoletti (1999) explana que os geossistemas apresentam uma representação espacial, em que a compartimentação geomorfológica pode ser tomada como unidade fundamental de análise. Ao defender a abordagem sistêmica como importante para os estudos integrados, Souza (2015) procurou estabelecer o significado da compartimentação geomorfológica como condicionante básico para a delimitação dos sistemas ambientais, concebida como critério facilitador dos zoneamentos ambientais, dentre outros propósitos. Nesse sentido, infere-se que a análise dos elementos componentes do ambiente pressupõe a integração de um conjunto de variáveis responsáveis pela estruturação da paisagem. Para Bertrand (2004), o estudo da paisagem tem que ser percebido de maneira integrada e global, afirmando que: "A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável (BERTRAND, 2004, p. 141)". Assim, a análise sistêmica trás o entendimento das interações ambientais existentes em um sistema ambiental, sua dinâmica e estrutura, fortalecendo a ligação entre os elementos existentes em um sistema. Na organização de um espaço constitui-se de fundamental importância o estudo da dinâmica dos ambientes para uma melhor conservação e desenvolvimento dos recursos ecológicos. Assim, para Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2004), o planejamento ambiental do território constitui-se elemento básico para a elaboração dos programas de desenvolvimento social e econômico, bem como oportuniza a otimização de planos de gestão de qualquer unidade territorial. Conforme Lima (2010) uma das principais funções dos sistemas ambientais é delimitar espaços naturais relativamente homogêneos, cuja aplicabilidade está, dentre outras, na possibilidade de identificar e especializar as potencialidades e limitações do meio, disponibilizando informações importantes para o planejamento ambiental. A seguir são indicados de modo breve dois estudos de caso que denotam o emprego da compartimentação geomorfológica e dos estudos integrados dos sistemas ambientais como abordagem teórico-metodológica largamente usada na Geografia Física: i)Análise dos sistemas ambientais da sub-bacia hidrográfica do rio Bom Jesus – Taperuaba – CE (RODRIGUES e LIMA, 2015):o presente estudo tem como base teórico-metodológica a abordagem sistêmica. Os sistemas ambientais encontrados foram sistematizados, principalmente, por critérios geomorfológicos. Ao considerar a análise geomorfológica como critério fundamental, foram reconhecidos (5) sistemas ambientais para a sub- bacia hidrográfica em questão considerando-se, ainda, a vulnerabilidade das unidades ambientais, os quais são eles: (a) Planície ribeirinha do rio Bom Jesus (Vulnerabilidade baixa ou moderada); (b) Sertões Orientais e pés de serra de Saco Grande, Exú e Jurema (Vulnerabilidade moderada a baixa); (c) Sertões Ocidentais e pés de serra de São João, Boa Vista, e Bom Jesus (Vulnerabilidade moderada à alta); (d) Serras secas (Vulnerabilidade baixa a moderada); (e) Serras Secas e vertentes sub–úmidas (Vulnerabilidade moderada com tendência à alta); ii)Sistemas ambientais e vulnerabilidades ao uso da terra no vale do rio Pacoti - CE: subsídios ao ordenamento territorial (CRISPIM, 2011): a pesquisa em questão analisou os sistemas ambientais existentes na sub-bacia do rio Aracoiaba do município de Pacoti, no Ceará, considerando os diferentes estágios morfodinâmicos de cada sistema e suas vulnerabilidades buscando subsidiar o planejamento territorial, utilizando a bacia hidrográfica como categoria de análise. A partir dos aspectos geomorfológicos, reconheceu-se 3 unidades ecodinâmicas e respectivas unidades de intervenção, num total de 10: (a) Ambientes Frágeis com Ecodinâmica de Ambientes Instáveis (Faixa de praia e campo de dunas móveis, Dunas fixas, Planície flúvio-marinha, Parcelas das planícies fluviais, Parcelas das planícies lacustres, Parcelas das vertentes íngremes e Cristas/morros residuais); (b) Áreas Medianamente Frágeis com Ecodinâmica de Ambientes em Estado de Transição (Maciços residuais); (c) Áreas Medianamente Estáveis com Ecodinâmica de Ambientes Estáveis (Áreas medianamente estáveis dos tabuleiros costeiros e Áreas medianamente estáveis da depressão sertaneja).Os exemplos de trabalhos explanados denota a compartimentação geomorfológica, ou seja, o relevo como elemento âncora, norteador na delimitação de sistemas ambientais, que com suas dinâmicas próprias exigem tratos diferenciados. Portanto, ao ressaltar o papel do relevo na delimitação dos sistemas ambientais, Ross (2007) explana que, se o que se pretende é o estudo integrado da paisagem, então o caminho da pesquisa geomorfológica é inevitável, no âmbito da qual o mapeamento geomorfológico desponta como ferramenta de análise e síntese da dinâmica dos sistemas ambientais. É, portanto, através da representação do seu objeto de estudo – as formas de relevo – que a Geomorfologia contribui para o estudo sistemico da paisagem.

Figura 1 – Relevo: palco da paisagem integrada

Relevo enquanto elemento norteador das interações dos elementos naturais e das ações antrópicas. Fonte:Sobrinho (2006)

Considerações Finais

Muito embora a compartimentação geomorfológica, como denota o breve levantamento realizado neste trabalho, seja o elemento norteador na identificação dos diferentes sistemas ambientais de uma dada região, o estudo integrado destes exige um diálogo interdisciplinar com outras ciências como forma de entendimento mais eficaz acerca das complexas relações estabelecidas entre sociedade e natureza no espaço geográfico. Vale ressaltar que os estudos voltados a compartimentação geomorfológica e aos estudos integrados dos sistemas ambientais têm uma relevante importância para o planejamento ambiental, colocando a Geografia e especialmente o ramo da Geografia Física em posição de destaque no âmbito das ciências aplicadas.

Agradecimentos

Referências

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