Autores

Cardoso, G.A.R. (UFSCAR) ; Pereira, L.O. (UFSCAR)

Resumo

Estudos sobre as formas de relevo e os processos atuantes na sua esculturação permitem ao pesquisador trabalhar com a escala da interdisciplinaridade, através das técnicas analíticas e do arcabouço teórico da ciência geomorfológica. Tem-se como exemplo os estudos ligados aos planejamentos ambientais urbanos, que em conjunto, estabelecem a atuação dos processos exógenos e endógenos e ação antrópica sobre os meios. Diante disto, esta pesquisa objetiva propor uma reflexão acerca da paisagem em Jundiaí, município do estado de São Paulo, analisando as interferências e os impactos socioambientais na bacia hidrográfica do rio Guapeva. Utilizando uma metodologia que se apoia em técnicas e teorias atadas a Geomorfologia Urbana. Desta forma, desenvolveu-se hipóteses que indiquem como essa bacia hidrográfica ao longo da história sofreu suas diversas intervenções, abrindo caminhos para se entender as mudanças no ambiente, podendo então ser aplicada aos planejamentos ambientais.

Palavras chaves

Meio Ambiente; Geomorfologia Urbana; Planejamentos Ambientais

Introdução

Os recursos hídricos são alvos das intervenções dos seres humanos desde o surgimento das primeiras comunidades sedentárias, contudo, a partir do advento industrial do final do século XVII tem-se a intensificação da desarmonia ambiental acompanhada da poluição dos sistemas fluviais. No Brasil, as primeiras interferências nos corpos d’água se iniciam no século XVII na cidade do Rio de Janeiro (SILVA, 2011). Todavia, uma das primeiras bacias hidrográficas a ser retificada foi o rio Tietê em São Paulo, e é neste território que descreve-se a gama da problemática ambiental urbana, mais especificamente em Jundiaí, onde se encontra o rio Guapeva. Jundiaí possui uma área de aproximadamente 431.207km², e sobre parte da zona urbana deste município, encontra-se o rio Guapeva, percorrendo os bairros Jardim Pitangueiras I, Vila Mafalda, Jardim Guarani e Vianelo/Bonfiglioli, este último sendo diretamente afetado pelas enchentes ocorridas no município em períodos de chuvas, cujas hipóteses levantadas indicam para a má gestão municipal no controle acerca das ocupações em suas planícies fluviais. O Mapa Geológico do Estado de São Paulo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (1981) mostra que o rio Guapeva encontra-se sobre a unidade paragnaissica magmatita superior Varginha-Guaxupé. Jundiaí apresenta chuvas no verão e estiagem no inverno, definindo o clima tropical, classificado por Koëppen como tipo Cwa, predominante no Estado de São Paulo. No entanto, sabe-se que a Serra do Japi se torna uma barreira natural para as massas de ar oceânicas, que influenciam diretamente nos índices pluviométricos do município. Além disto, faz parte da porção paulista da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos número 05 (UGRHI 05). Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que em 2017 a população jundiaiense alcançará 409.497 habitantes, equivalendo em densidade demográfica a 858,42 hab/km² (IBGE, 2010). O Programa Integrado de Desenvolvimento Urbano constatou que neste território, 112 km² são de área urbana e 320km² de área rural, esta compreende 228,6km² de cultivo e 91,4 km² de área tombada da Serra do Japi. A área ocupada por vegetação classifica-se como arbórea. No que se refere ao antrópico, inclui-se a agricultura e a vegetação herbáceo-arbustiva, ambos se intensificando na região sudeste. Cabe-se levar em consideração as áreas construídas que abrange toda a região central do município, ocorrendo também de nordeste a noroeste. Mediante a isto, neste trabalho apresenta-se proposta para o melhoramento do rio Guapeva, através da manutenção da sua biodiversidade e a diminuição dos riscos a população jundiaiense, integrando a importância da geomorfologia aplicada aos problemas no meio urbano, tendo como enfoque o controle do rápido consumo dos recursos naturais disponíveis para prevenir a ocorrência de novos impactos, provando ser garantia para fins de segurança e economia, tanto para à sociedade, quanto para o meio ambiente.

Material e métodos

Para o desenvolvimento deste estudo escolheu-se a utilização da abordagem sistêmica como suporte teórico e reflexivo, uma vez que, ela possibilita a correlação entre diferentes elementos que juntos contribuem para o entendimento de todo o sistema. No Brasil, tem-se Christofoletti (1980) como o principal divulgador dessa sistemática teórica metodológica nas técnicas em Geografia Física. Ainda como forma de estudos do relevo, foram utilizados os níveis de abordagem geomorfológica proposta de Ab’Sáber (1969), que desenvolveu a análise em três níveis: a compartimentação topográfica, estrutura superficial e a fisiologia da paisagem. Além disso, a relação mais escalar da caracterização foi pautada nos níveis taxonômicos propostos por Ross (1992), ao que se refere a taxonomia do relevo: a análise morfoestrutural, a morfoescultural, os padrões, os tipos das formas e das vertentes e a influência dos processos endógenos e exógenos. A revisão bibliográfica ocorreu ao longo da pesquisa de forma crítica de diversos autores, cujos estudos abordem temas relacionados aos objetivos, métodos e metodologias da pesquisa do presente trabalho, tais como, Silva (2011), Christofoletti (1980), Ab’Sáber (1969), Ramalho Filho & Beek (1995), De Biasi & Cunha (1983), Botelho (2011), Ross (1992), Polivanov & Barroso (2011) e outros. Associadas a análise geomorfológica aplicada ao planejamento ambiental urbano, que se configura como grande objetivo, tem-se a realização de um conjunto de mapas temáticos, possibilitando assim a compreensão das características da paisagem, da qual o relevo constitui como elemento. Como exemplo essencial, o mapa de localização (figura 1) e de declividade (figura 2) utilizado para a representação cartográfica do índice de declividade da área, esses dados são esboçados através de um gradiente de cores e os valores são representados em porcentagem ou em grau de elevação (do mais retilíneo ao mais íngreme) seguindo os valores da tabela proposta por Ramalho Filho & Beek (1995), em conjunto com as ideias de De Biasi & Cunha (1983). Para a elaboração desse mapa foi utilizado o software ArcGIS 10.4.1 através da ferramenta Slope. Objetivou-se no decorrer do trabalho desenvolver um conhecimento empírico da área de estudo, analisando as suas constantes transformações, juntamente aos mapas temáticos produzidos, os quais contribuíram para uma maior compreensão da dinâmica e espacialização dos fenômenos que ocorrem na bacia hidrográfica, utilizando o GPS para marcação dos aspectos mais importantes que formam os seus ponto-chaves (figura 3).

Resultado e discussão

A área urbana de Jundiaí foi construída em uma planície fluvial, pois a superfície plana facilitou na construção civil (PIDU-BID, 2010). O aumento da urbanização e da industrialização não foi acompanhado de estudos sobre hidrografia e planejamentos adequados para essa forma de relevo, o que acarretou em consequências graves aos recursos naturais, como a poluição e as inundações dessa bacia, cujas águas extrapolam para as áreas edificadas. As notícias relatadas pelo Jornal de Jundiaí e o G1 mostram que em 2 horas do dia 8 de janeiro de 2016 choveu 119mm alagando algumas partes do bairro Vianelo/Bonfiglioli, afetando negativamente a população que se encontram instaladas nas adjacências da margem do rio, além de todo sistema de calçamentos e avenidas. Pontua-se ainda que, Jundiaí está totalmente inserida em uma Área de Proteção Ambiental (APA), e apenas 54% das Áreas de Proteção Permanente (APPs) de corpos hídricos estão cobertas por vegetação e se encontram próximo as cabeceiras no maciço da Serra do Japi, e 46% estão impermeabilizadas ou ocupadas pelo tecido antrópico, tendo o rio Guapeva como exemplo desse dano ambiental. Deste ponto de informações, percebe-se a grande importância de se estruturar o planejamento urbano do município de forma a adquirir novamente a dinâmica natural do recurso hídrico minimizando os impactos sobre a bacia, visto que, os planos da prefeitura já desenvolvidos e alguns postos em prática não atendem de forma completa as reais necessidades do meio ambiente. Em 2010, em consonância com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros órgãos, foi criado o Programa Integrado de Desenvolvimento Urbano de Jundiaí, cuja proposta inicial foi a de melhorar a mobilidade e a macrodrenagem urbana do município por meio de projetos públicos associados às diretrizes do Plano Diretor (Lei Complementar nº 415/2004 revisada e alterada pela Lei Complementar nº 444/2007 retificada pela Lei Complementar nº 448/2007), tendo uma das propostas mencionando: A correção do sistema de macrodrenagem de Jundiaí, minimizando a incidência de alagamentos que causam prejuízos, propagação de vetores de contaminação de doenças e barreiras ao desenvolvimento econômico da região (BID, 2010). Contudo, quem administra estes serviços públicos são empresas privadas, evidenciando um contraponto. As alterações presentes nesse curso d’água levam ao surgimento de problemas ambientais, tendo em vista que, as obras de drenagem urbana, como, a canalização e retificação do rio Guapeva não impediram que as enchentes ocorressem, pelo contrário, contribuíram para tal. Ao retificar o trecho do baixo curso de um rio, é preciso lembrar que não apenas esse trecho está sendo alterado, mas o rio como um todo, o que, a princípio, parece ser a solução dos problemas das enchentes, pois visa evitar o acúmulo das águas e acelerar seu escoamento, gera um efeito contrário (BOTELHO, 2011). O município de Jundiaí, na metodologia proposta por Ross (1992), faz parte da unidade morfoestrutural do Cinturão Orogênico do Atlântico sobre o Planalto Atlântico e Serranias de São Roque, caracterizado, segundo o IPT (2010), por relevo de morros. O mesmo indica que o relevo é bastante influenciado pela dinâmica fluvial, como ocorrem nas planícies fluviais que se formam pela deposição dos sedimentos, onde também a declividade é baixa, abrangendo grande parte da área central do município e consequentemente a área de estudo. Polivanov e Barroso (2011), indicam que em períodos de cheia, a planície de inundação exerce o papel de regulador hídrico ao absorver o volume excedente de água que ultrapassa o volume máximo de água e sedimentos que o rio pode transportar. Cabe lembrar que, as características de relevo dessas áreas são planas, formadas principalmente por aluviões, terraços e solos hidromórficos, apresentando comportamento geotécnico crítico (POLIVANOV; BARROSO, 2011), como, baixa resistência e alta deformabilidade que conferem ao terreno uma baixa capacidade de suporte de carga e baixa permeabilidade. Os fatores bióticos também são responsáveis pela regulação, sobretudo, a vegetação, que com a sua retirada para os diversos tipos de ocupações, somando-se a retificação, o rio recebe mais sedimento e depósitos tecnogênicos que acumulam em seu leito, modificando-o através do seu aumento, não havendo o processo de retenção. O que acontece ao redor do rio Guapeva em Jundiaí está ligado a ocupação irregular e do desenvolvimento urbano sob o leito maior e na planície desse rio, com a construção de ruas, avenidas e casas. Para Polivanov e Barroso (2011), o extravasamento do corpo hídrico para além dos limites dos canais fluviais principais é um processo natural que ocorre quando a vazão é superior à capacidade de descarga do canal. E isso ocorre de acordo com as condições meteorológicas locais, logo, toda a presença humana que está ao redor acaba sendo afetada negativamente por essa dinâmica, como aconteceu no dia 8 de janeiro de 2016, alagando algumas partes do bairro que possui casas e ruas instaladas próximas a margem do rio. E esse aspecto natural ganha ares antrópicos à medida que, o processo de urbanização se expande e começa a contaminar os solos e a vegetação, modificando o relevo com os impactos das ocupações, sobretudo, a irregulares. Diante das intensas intervenções do homem nas bacias hidrográficas, faz-se necessário que os mesmos comecem a enxergar que o rio é mais um elemento que precisa de essencial cuidado, principalmente quando degradado em prol do desenvolvimento, portanto, a reconstrução de uma bacia de drenagem urbana não se faz apenas no sentido estrutural com a sua revitalização, mas também na consciência dos seres humanos que estão ao seu redor, para que a manutenção e a permanência sejam constantes e benéficas. A educação ambiental nas escolas passa a ser a base para a construção de identidades conscientes, pois constroem novas gerações com a mentalidade mais democrática, holística, humanista e participativa ligada à sustentabilidade e a manutenção dos recursos naturais, e para que os mesmos possam lutar contra práticas contrárias que degradam o meio ambiente. E dessas práticas do direito à informação tem-se o zoneamento e planejamento ambiental e o gerenciamento de bacias hidrográficas, definido como o instrumento que orienta o poder público e a sociedade a longo prazo, na utilização e monitoramento dos recursos ambientais, naturais, econômicos e socioculturais, na área de abrangência de uma bacia hidrográfica, de forma a promover o desenvolvimento sustentável. Tendo em vista a situação do rio Guapeva, leva-se em consideração algumas medidas para a sua revitalização e sua naturalização que pode ser implantada nos planos de gestão urbana futuros. A princípio, deve se levar em importância do estudo de zoneamento e de risco de inundação, seguido por um plano de uso e ocupação do solo, evitando-se a indevida ocupação das áreas de risco e os efeitos indesejáveis. (BOTELHO, 2011) Todavia, nas áreas urbanas, essa prática torna-se mais difícil devido as complexidades nas alterações dos rios, biológicas, físicas e químicas. Mas algumas medidas podem ser tomadas para evitar ou reduzir os picos de cheia, a diminuição dos processos erosivos, a reestruturação do ecossistema e a ampliação das áreas verdes, através do estabelecimento de Áreas de Preservação Permanente, e normas para definição de áreas próprias para uso e ocupação de acordo com a largura do rio.

Figura 1

Mapa de Localização da bacia do rio Guapeva, município de Jundiaí/SP

Figura 2

Mapa de declividade da bacia do rio Guapeva, município de Jundiaí/SP

Figura 3

Registros fotográficos do rio Guapeva, município de Jundiaí/SP

Considerações Finais

Para analisar o processo de desgaste ambiental de um rio urbano é necessária uma análise integrada dos diversos aspectos que compõe a cidade, esta por sua vez, deve ser pensada, como indica Jorge (2011), com uma multidimensionalidade, portanto, exigindo que geomorfólogos, engenheiros, arquitetos e planejadores trabalhem juntos para reduzir os problemas ligados a escassez de planejamento e da consciência coletiva e individual por parte da gestão pública e da sociedade civil. Ressalta-se em um aspecto geral, com relação à geomorfologia, que as políticas públicas urbanas não devem ver os aspectos físico-naturais como limitações, mas sim como parte da dinâmica de mudanças no sistema urbano. Outra questão relevante se dá ao fato de que algumas cidades têm sido bem documentadas na gama do pensar a problemática ambiental urbana, porém outras possuem pouca informação, como é o caso de Jundiaí. Portanto, a ocorrência de enchentes nas cidades também pode estar relacionada com problemas nos sistemas de drenagem. Às vezes, não há bueiros ou outras construções que seriam responsáveis pela contenção ou desvio da água que corre para os rios, provocando a cheia deles. Além disso, somente a construção de bueiros e sistemas de drenagem pode não ser suficiente, isso porque as demais ações antrópicas podem elevar gradualmente a vazão do escoamento superficial ao longo dos anos, fazendo com que as drenagens existentes não consigam atender toda a demanda.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos destinam-se a João Vitor Prudente dos Santos (UFRJ) e Pâmela Keiti Baena (UFSCar) por toda ajuda técnica e paciência.

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