Autores

Haak, L. (UFPR) ; Oliveira, F.A. (UFPR)

Resumo

Na maior parte do Brasil há uma carência de informações sobre os motivos que levaram à implantação de grandes obras no passado e que causaram grandes alterações no ambiente natural. Este estudo traz um breve histórico da construção de uma barragem e um canal de derivação realizados no baixo curso da bacia hidrográfica do Rio Cubatão, situada no município de Joinville-SC, no período entre maio de 1958 e setembro de 1967. O levantamento histórico indicou que houve um rompimento da construção inicial, com consequências severas a áreas ocupadas. Com a remodelação das estruturas, há a perspectiva de não ocorrência de novo rompimento no futuro, evitando-se assim prejuízos maiores.

Palavras chaves

Barragem; Canal de Derivação; Rio Cubatão do Norte

Introdução

A ocupação na Baía Babitonga, localizada na região nordeste do estado de Santa Catarina, ocorreu por volta do século XVII. Desde lá muitas foram as transformações na região. Inicialmente ocupada por atividades agrícolas, desde a década de 60 a região vem se destacando pelo crescimento no setor industrial. Essas transformações trouxeram mudanças tanto na economia da região, como também no ambiente natural. O baixo curso da bacia hidrográfica do rio Cubatão do Norte, doravante referido apenas por rio Cubatão, localizado no município de Joinville-SC, apresenta uma série de registros de inundações desde a sua colonização em 1840. Para amenizar os problemas causados com a inundação da área, no período entre maio de 1958 e setembro de 1967 foi construído pelo DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento, uma barragem e um canal de derivação retificado e paralelo ao canal original. A construção desta obra trouxe alterações nas características do meio físico da região. Para Tucci e Genz (1995), o controle das enchentes é um processo permanente, que deve ser mantido pelas comunidades, visando à redução do custo social e econômico dos impactos. Este controle não deve ser visto como uma ação isolada, seja no tempo ou no espaço. O controle de enchentes envolve medidas estruturais e não-estruturais, as quais, dificilmente estão dissociadas. De acordo com Santos (2004, p. 28), “o planejamento ambiental consiste na adequação de ações à potencialidade, vocação local e à sua capacidade de suporte, buscando o desenvolvimento harmônico da região e a manutenção da qualidade do ambiente físico, biológico e social”. O planejador deve, ao propor uma alteração em um determinado curso hídrico, ter uma visão sistêmica e holística, e deixar de lado a questão pontual, pois deve-se levar em conta a alteração no entorno de toda a área a ser modificada, para dessa forma evitar problemas futuros. Uma alteração em um curso hídrico se não for bem planejada pode trazer grandes consequências ao ambiente. A morfologia fluvial retrata as variações espaciais e temporais dos processos geológicos e geomorfológicos a que os canais foram submetidos ao longo do processo de seu desenvolvimento. As feições fluviais, em uma escala de tempo geológico, correspondem às alterações impostas por soerguimentos tectônicos, erosões e esculturações do relevo e às mudanças climáticas. Em um intervalo de tempo menor, os canais fluviais respondem às alterações na descarga e no aporte de sedimentos gerados tanto em situações naturais (eventos de cheia) quanto pelos efeitos diretos da atuação humana, podendo sofrer variações em sua forma, largura, profundidade, gradiente e rugosidade do leito e no tamanho das partículas transportadas para atingir um novo equilíbrio (SIQUEIRA et al, 2013). Obras de engenharia como a construção do canal de derivação do rio Cubatão causam grandes impactos hidrogeomorfológicos em seu entorno. No entendimento de Luz (2015) as intervenções nos cursos hídricos fazem com que os rios comecem a ter seus fluxos e taxas de erosão e sedimentação modificados, além de receberem altas cargas sedimentares e de poluentes. O objetivo do presente trabalho é apresentar um breve histórico da construção da barragem no rio Cubatão e seu canal de derivação no município de Joinville-SC.

Material e métodos

Para a elaboração deste estudo foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre o tema em literatura brasileira e estrangeira, artigos em periódicos nacionais e internacionais, monografias, dissertações, teses. Para o levantamento histórico da construção da barragem e canal de derivação do rio Cubatão, foi realizada uma busca de informações sobre o projeto de construção do canal de derivação efetuado no rio Cubatão na década de 1950, e demais informações úteis para o andamento da pesquisa, junto aos órgãos públicos. No município de Joinville foram consultadas a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão - SEPLAN, e a Secretaria de Infraestrutura Urbana - SEINFRA a fim de obter informações sobre a construção do canal de derivação do rio Cubatão. Nestas Secretarias foi realizada uma pesquisa minuciosa no setor de arquivos para encontrar informações sobre a Bacia Hidrográfica do rio Cubatão. Foram feitos 840 registros fotográficos de todas as informações relevantes à elaboração da pesquisa, posteriormente analisados de forma acurada com o objetivo de obter as informações que seriam pertinentes para o desenvolvimento deste estudo.

Resultado e discussão

A construção de barragens no Brasil teve início em 1880 após uma grande seca no Nordeste, que deixou naquela época 1,5 milhão de habitantes do estado do Ceará em condições críticas pela falta da água. Em seguida foram construídas centenas de barragens para combate a seca especialmente no Nordeste. Nas regiões Sul e Sudeste, as primeiras barragens foram implantadas no final do Século XIX, eram pequenas usinas destinadas à produção elétrica (MELLO, 2011). Atualmente as barragens nesta região são destinadas para finalidades diversas, como a produção de energia elétrica, barragens de rejeitos, vias navegáveis, paisagismo, abastecimento de água, regularização de descargas, irrigação, finalidades múltiplas e controle de cheias. As inundações no município de Joinville são registradas desde a sua fundação em 1851. Silveira et al (2009), em um levantamento histórico sobre as inundações no município de Joinville em um período de 157 anos (1851 a 2008), apontaram que 29% das inundações ocorridas no município ocorreram na Bacia Hidrográfica do rio Cubatão. Foram ao todo inventariados 60 registros de inundações para o período analisado. Nestes registros estão descritos grandes perdas, principalmente no baixo curso da bacia hidrográfica do rio Cubatão (Figura 1). Entres essas perdas estão várias mortes por afogamento; destruição de estradas, pontes e residências; e destruição total de plantações e pastagens, assim como a morte de gados nas enchentes, causando um grande prejuízo econômico aos moradores e município quando esses desastres naturais ocorriam. Com a frequente ocorrência de inundações no baixo curso do rio Cubatão e vários prejuízos tanto materiais como de inúmeras vidas, os moradores desta região buscaram soluções para minimizar estes danos. Segundo Joinville (1991 apud SILVEIRA, 2009), o primeiro registro de obras para minimizar os impactos das inundações no rio Cubatão ocorreu em 1918, quando foram colocadas rochas, seixos rolados e saibro grosso em uma área próxima a uma das nascentes do rio do Braço que tinha ligação com o rio Cubatão. Neste trecho o rio ameaçava constantemente romper as margens e por-se em comunicação com o pequeno rio do Braço, que corre com um nível de 1,5 m mais baixo que o primeiro, ocasionando a inundação imediata de todo o distrito da ilha e incalculáveis prejuízos. Conforme Lobo (1923 apud SILVEIRA, 2009, p. 76), com as grandes inundações havia a mudança constante do leito do rio Cubatão e em 1922 “foi feita retificação numa das curvas mais fechadas do mesmo curso d´agua e construída uma ponte sobre um dos afluentes deste mesmo rio, depois de ser recuada competentemente a estrada”. Além das obras citadas anteriormente, foram efetuadas várias outras obras de represamento ou mudança no curso do rio Cubatão. Conforme o levantamento histórico realizado por Silveira et al (2009), durante as cheias muitas das obras realizadas com o objetivo de minimizar os prejuízos causados com as inundações não suportavam a vazão atingida pelo rio e foram totalmente destruídas. Com o intuito de diminuir as inundações ocorridas no baixo curso do rio Cubatão e eliminar os prejuízos causados com as mesmas, durante o período entre maio de 1958 e setembro de 1967 foi construído pelo DNOS um canal de derivação retificado e paralelo ao canal original. De acordo com DNOS (1958), devido a insuficiência da secção do rio Cubatão para as grandes cheias, que provocavam constantes inundações, foram projetados e executados, com finalidade de regularizar as águas daquele vale, um canal de 11.846 metros de comprimento com largura média de fundo de 40 metros; uma barragem de derivação em concreto e dois diques de 420 metros. O conjunto de obras, formado inicialmente por diques laterais de margens para evitar o transbordamento a montante da barragem de derivação, teve a finalidade de dividir a vazão máxima de 400 m3/s em: 100 m3/s pelo leito natural do rio Cubatão e 300 m3/s pelo novo canal de 11.846 metros de comprimento, obtendo-se desse modo um controle geral das águas por ocasião das cheias. O fluxo pelo leito natural foi mantido em razão do aproveitamento agrícola das terras ribeirinhas. Desta forma, esta obra possibilitou uma maior ocupação em sua planície de inundação, principalmente em áreas próximas ao leito natural (FCTH, 1995b). Cinco anos após a finalização da obra de construção da barragem e canal de derivação do rio Cubatão houve um rompimento dos diques laterais. Os diques foram reconstruídos em 1973, sem nenhuma alteração do projeto inicial (FCTH, 1995b). Em 09 de fevereiro de 1995, devido a um evento de precipitação intensa, durante o qual choveu 310 mm em 12 horas, ocorreu um aumento significativo da vazão do rio, o que levou a uma ruptura na barragem. As águas extravasaram do leito artificial para o canal natural, o que retornou o rio à sua configuração natural, com consequente inundação de grande parte do curso inferior desta bacia hidrográfica (Figura 2). A nota técnica elaborada com o objetivo de designar uma recomposição emergencial da área afetada pela ruptura da barragem apontou que o rompimento teria ocorrido face a obstruções nas estruturas de partição por troncos e galharias trazidos pelas águas, que provocaram o galgamento no encontro do dique da margem direita com a estrutura de concreto (FCTH, 1995a). Com o rompimento da barragem e enchente em grande parte do baixo curso do rio Cubatão, em 09 de fevereiro de 1995, o município decretou estado de calamidade pública, devido à grande proporção dos danos causados. Segundo a Defesa Civil de Joinville (2011), neste evento houveram 03 vítimas fatais, 152 pessoas feridas, 5.725 pessoas desabrigadas, 15.000 desalojados, 38 casas destruídas, 515 casas danificadas, e um total de 5.000 casas atingidas, além da destruição de pontes, estradas, prédios da administração pública, e a paralisação do abastecimento de água para a cidade. Após o evento ocorrido em 1995, o projeto inicial foi remodelado. Com base em estudo hidrológico o projeto da nova barragem foi concebido para escoar uma vazão de 1.150 m3/s correspondente a um período de retorno (TR) de 100 anos. Segundo avaliação da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica - FCTH a estrutura inicial da barragem correspondia a um tempo de retorno TR de apenas 15 anos (FCHT, 1995b). Para a ampliação da estrutura foi construído um canal extravasor suplementar com capacidade de vazão de 609 m3/s, além do vertedor do canal retificado com capacidade de 426 m3/s e o vertedouro do leito antigo com capacidade de 115 m3/s, totalizando 1.150 m3/s. Para este novo volume de vazão foi necessário o alargamento do leito retificado de cerca de 12 metros, este passou de uma largura da ordem de 30 metros para 42 metros (Figura 3) (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOINVILLE, 1995). Esta nova estrutura foi inaugurada em setembro de 1996 (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOINVILLE, 1996). Com a construção da barragem e do canal de derivação no baixo curso do rio Cubatão, toda a dinâmica hídrica desta parte da bacia hidrográfica foi alterada. Além disso, o processo de ocupação da área se tornou mais intenso. Mesmo com as alterações realizadas após 1995, segundo Silveira. et al (2007), entre o período de 1995 e 2007 foram registradas 12 ocorrências de inundações no baixo curso do rio Cubatão (Figura 4).

Figura 1

Localização da Bacia Hidrográfica do Rio Cubatão – Baixo Curso, Joinville –SC. Fonte: Os Autores, 2017

Figura 2

Rompimento da Barragem em 1995. Fonte: SEINFRA, 1995.

Figura 3

Reconstrução após o Rompimento em 1995. Fonte: SEINFRA, 1996.

Figura 4

Barragem em dia de vazão elevada. Fonte: Os Autores, 2010.

Considerações Finais

Conhecer o processo que motivou a intervenção em um determinado curso hídrico é o primeiro passo para propor ações de planejamento visando melhorias e resoluções de problemas, como inundações e assoreamento em determinada área. Para compreender as interações dos processos existentes em uma bacia hidrográfica é importante conhecer as mudanças ocorridas no passado e no presente. No baixo curso do rio Cubatão, as constantes inundações e grandes perdas tanto materiais como de vidas levaram à intervenção no curso hídrico, com a construção da barragem e canal de derivação. O levantamento histórico apontou que o projeto inicial não foi suficiente para suportar a vazão, ocasionada com um evento atípico de precipitação acima do valor máximo comum naquela região, e com isso ocorreu a ruptura da barragem e inundação de todo o baixo curso desta bacia hidrográfica. Com o projeto remodelado para um tempo de retorno de 100 anos, há a perspectiva de não ocorrência de novo rompimento no futuro, evitando-se assim prejuízos maiores. Este estudo faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento que irá possibilitar uma melhor compreensão do momento de evolução da paisagem local e quantificar as mudanças hidrogeomorfológicas ocorridas na dinâmica fluvial antes, durante a construção da barragem e canal de derivação, até o período atual.

Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná - UFPR.

Referências

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DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento - Barragem de Derivação do Rio Cubatão e Obras Complementares - Ministério do Interior, 1958.

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