Autores
Cunha, C. (UERJ) ; Cunha, S. (UFF) ; Lemes, M. (UFF) ; Santos, G. (UFF)
Resumo
O trabalho tem como área de estudo o Compartimento Hidrográfico da Baía de Guanabara localizado no município do Rio de Janeiro e teve como objetivo o diagnóstico do fenômeno das inundações urbanas. Para compreensão da dinâmica dos principais processos que interferem na ocorrência das Inundações urbanas a metodologia utilizada foi a classificação supervisionada do uso e cobertura do solo, o mapeamento de permeabilidade do solo e um levantamento histórico da evolução urbana do compartimento hidrográfico da Baía de Guanabara. Os resultados mostram que o crescimento urbano na área de estudo tem sido caracterizado pela expansão irregular das periferias com pouca obediência a regulamentação urbana, sendo 9,2% da área classificada como ocupação desordenada. Apenas 30 % do compartimento foi classificado como área permeável sendo notória a escassez de espaços verdes propícios a infiltração da água no solo, evidenciando assim um déficit histórico de planejamento urbano frente às inundações.
Palavras chaves
Inundações ; Urbanização; Impermeabilização
Introdução
Com uma trajetória singular de capital federal e cidade estado, o Rio de Janeiro tem enfrentado principalmente nas últimas décadas, um acelerado processo de crescimento urbano desordenado, sem infraestrutura necessária para que haja condições mínimas para uma vida saudável. Uma das principais consequências da expansão urbana são as inundações. Quando o homem faz mudanças no uso do solo altera aspectos do ciclo hidrológico com efeitos na coleta de água nos sistemas de canais. As maiores mudanças que acompanham o processo de alteração do uso do solo nas metrópoles ocorrem nos processos de escoamento da água resultante do aumento de superfícies impermeáveis. Além disso, as realizações de obras de engenharia nos canais, como a implementação de canalizações e dragagens, são muitas vezes realizadas de forma setorial tornando-se mecanismos ineficazes no controle das inundações e até mesmo agravando-as. A canalização é um dos mais significativos impactos do Homem no sistema fluvial, envolvendo direta modificação da calha do rio. É o termo usado para abarcar todas as intervenções das obras de engenharia com os propósitos de controle das cheias, melhoria da drenagem, manutenção da navegação e redução da erosão das margens. (CUNHA,2003). O ambiente urbano tornou-se atrativo para indivíduos de outras regiões, gerando migrações de regiões rurais para as cidades. A ausência de um gerenciamento adequado por parte do poder público provoca uma ocupação desordenada e inchaço populacional, pois face a carência de espaços estes indivíduos tendem a ocupar áreas “livres”, como as margens de córregos e encostas de morros que representam regiões de alto grau de insalubridade e influência direta no escoamento urbano.Segundo Canholi (2011), o gerenciamento da macrodrenagem requer o tratamento integrado do sistema, em nível de bacia hidrográfica, considerando a natureza das cheias e as características físicas e socioeconômicas de cada região. De acordo com o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) o município do Rio de Janeiro é dividido em três grandes compartimentos hidrográficos: Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba, e Lagoas Oceânicas, sendo cada um deles formados por conjunto de sub-bacias. O objetivo geral do trabalho é a avaliação do fenômeno das inundações urbanas no Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara sob a perspectiva da gestão ambiental e do planejamento urbano integrado.
Material e métodos
Para compreensão das características naturais e da dinâmica dos principais processos que interferem na ocorrência das Inundações Urbanas foi proposto uma caracterização fisiográfica do ambiente e um levantamento do processo de evolução urbana no município do Rio de Janeiro. A delimitação da área de estudo e das sub bacias foi realizada a partir da adaptação da base de dados extraída do portal do Instituto Pereira Passos (IPP). Utilizou-se como base para disposição dos shapes, uma imagem LandSat 6 do ano de 2011 tendo como Universal Transversa de Mercator (UTM) como origem WGS 1984 numa escala de 1:45.000. O mapeamento geomorfológico usou as referências de classificação da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) elaborada do projeto RIO 1:250.000. Para mapear uso e cobertura da terra referente ao Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara optou-se por uma classificação supervisionada. Para tal utilizou-se as imagens de Satélite Rapideye do ano de 2011 disponibilizadas no catálogo de imagens de satélite do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Para melhor identificação dos alvos, contou-se ainda com as possibilidades de diferences composições de bandas. Após a interpretação visual, o software ArcGIS 10.1 foi utilizado para a classificação. De acordo com a metodologia de Galvão (2008) foi estabelecido um novo mapa para a avaliação da permeabilidade do Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara, por meio da reclassificação das classes propostas no mapeamento de uso e cobertura do solo com utilização do software ArcGIS 10.1. Considerou-se como áreas impermeáveis: área urbana densa, área urbana média, ocupação desordenada e afloramento rochoso. As áreas consideradas permeáveis correspondem as classes: vegetação densa, vegetação esparsa, praças\ parques e terrenos vazios e solo exposto. Na perspectiva da abordagem geossistêmica de Berterand (1972) a ação humana foi incorporada como mais um elemento do sistema que condiciona fluxos de matéria e energia, alterando o comportamento ou equilíbrio natural dos sistemas. A sociedade é vista como agente fundamental que interfere sobre os processos naturais. A fim de elucidar os principais aspectos da sociedade impactantes na dinâmica dos processos naturais optou-se por uma revisão de literatura sobre a evolução urbana do município do Rio de Janeiro.
Resultado e discussão
1-Caracterização da área de estudo:
Com base no conhecimento do tipo de relevo, da evolução das vertentes e da
dinâmica fluvial é possível proceder a uma análise integrada do ambiente,
tendo
como base a avaliação do relevo ou avaliação morfodinâmica da paisagem.
O compartimento hidrográfico da baía de Guanabara possui como divisores de
drenagem, três importantes maciços: Maciço do Gericinó a noroeste, Maciço da
Pedra Branca a sudoeste e Maciço da Tijuca ao Sul (figura 1). Os rios têm suas
nascentes nos maciços costeiros, apresentando um segmento torrencial até
encontrar a baixada, onde, com a perda de energia passavam a meandrar. Na
porção de baixo curso, sob influência da maré atravessavam os manguezais como
meandros.
De acordo com os dados do CPRM (2013) as ocorrências geomorfológicas no
compartimento hidrográfico da Baía de Guanabara estão distribuídas da seguinte
forma: Planícies Colúvio-Aluvio-Marinhas, Maciços Costeiros e Interiores,
Colinas Isoladas, Morrotes e Morros Baixos Isolados, Alinhamentos Serranos
Isolados e Pães de Açúcar, Maciços Intrusivos Alcalinos e Planícies Flúvio
Lagunares (Figura 2).
Segundo Canholi (2005), a ocorrência de inundações na cidade do Rio de Janeiro
está relacionada a causas naturais e a ação antrópica. A cidade do Rio de
Janeiro tem sua paisagem marcada por duas fisiografias distintas: maciços
costeiros (19,7%) e áreas de baixada (64,1%). No município do Rio de Janeiro o
processo de urbanização desenvolveu-se nas áreas de baixada e se estendeu para
as vertentes em forma de ocupações irregulares (DIAS, 2014).
Nas regiões de menor declividade a incidência de inundações e os tipos de
consequências e podem estar associadas ao crescimento urbano. O aumento das
áreas impermeabilizadas, novas via de tráfego e aterro de baixios, são
exemplos
de alterações físicas do terreno, que contribuem para a mudança dos padrões de
drenagem e a diminuição da retenção natural agravando o quadro natural das
cheias e levando a Inundações. No entanto também deve-se ter em conta que as
Inundações são parte integrante do ciclo da água na natureza, e, portanto, um
fenômeno natural cujas consequências só trarão danos e prejuízos, a medida em
que seus efeitos interferirem no bem estar da sociedade. (PINGUELLI, 1997)
De clima tropical atlântico, classificado como Aw segundo o modelo de Köppen,
o
compartimento da baia de Guanabara, caracteriza-se, a fatores de ordem
geográfica (posição, maritimidade, continentalidade e topografia) e a ordem
dinâmica (circulação geral da atmosfera), por uma notável diversificação tanto
do regime de temperatura, quanto da distribuição de chuvas. As chuvas que
ocorrem no município do Rio de Janeiro apresentam de um modo geral,
características sazonais bem definidas.
É importante ressaltar que quando uma frente fria incide sobre a área
continental no período de verão, as diferenças de temperatura das massas são
grandes e podem provocar chuvas com maior intensidade do que aquelas
observadas
no Inverno. Deve-se ter atenção aos eventos de frente fria que são bloqueados
por massas de ar quente prolongando o período de chuvas. Em eventos como esse,
o solo saturado pelas chuvas antecedentes pode deslizar das encostas carreando
sólidos para os cursos d’agua, contribuindo para o gradual assoreamento e
obstrução dos caminhos d’agua intensificando o transbordamento dos rios
gerando
inundações (PLANAGUA, 2011).
2-Evolução Urbana e Inundações:
O compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara vem ao longo do tempo
constituindo um perfil de centralização e de concentração de população,
atividades e recursos; um perfil que, desde o passado remoto, se afirmou na
cidade do Rio de Janeiro, acentuando-se com o papel de capital do país e com a
função portuária, e culminando posteriormente com a situação de metrópole.
A ocupação da parte plana da cidade,a partir do século XVII, se deu através do
aterro sistemático das lagoas, como por exemplo o dessecamento da Lagoa de
Santo Antônio (atualmente Largo da Carioca).Posteriormente, no seculo XIX,
expansão urbana animada pelas riquezas geradas no ciclo da mineração, em curto
tempo produziu a eliminação de ecossistemas periféricos, importantes para a
manutenção e equilíbrio do compartimento. As obras realizadas pela
administração Rodrigues Alves\ Pereira Passos (1902-1906) representaram a
primeira grande intervenção do Estado no espaço urbano (AMADOR,
2013),preocupado com o saneamento e a higiene da cidade promoveram a
canalização do Rio Carioca, partes do rio Berquó, Maracanã, Joana e
Trapicheiros, intensificando a modificação da rede de drenagem da Sub-bacia do
Rio Carioca e da Sub-bacia do Canal do Cunha. Os anos 1960 foram marcados pela
forte imigração. Cerca de 1,5 milhão de imigrantes dirigiram-se para o Rio de
Janeiro atraídos pela expectativa de emprego na indústria e na construção
civil. Não seriam agora procurados somente os morros, mas também as áreas
periféricas da urbanização, como os mangues, pântanos e várzeas. Ao longo da
Av. Brasil não faltavam áreas para abrigar as dezenas de comunidades do Rio de
Janeiro. Nota-se que o processo de impermeabilização e drenagem do solo no
compartimento hidrográfico da Baía de Guanabara configura-se como condição a
expansão da área urbana e consequentemente ao aumento demográfico na cidade do
Rio de Janeiro.
3-Uso e cobertura x Impermeabilização do solo urbano:
Este subitem tem como objetivo diagnosticar o grau de impermeabilização do
Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara a partir da compreensão do Uso
e da Cobertura estabelecidos na área de estudo.
As classes selecionadas para o mapeamento do uso e cobertura foram adaptadas
segundo a escala e a necessidade da pesquisa, são elas: Área urbana Densa,
Área
Urbana Média, Ocupação Desordenada, Praças\Parques e Terrenos Vazios,
Vegetação
Densa, Vegetação Esparsa, Solo Exposto e Afloramento Rochoso (figura 3).
De acordo com o mapeamento, as classes Área Urbana Densa e Área Urbana Média
mostraram-se predominantes confirmando o forte processo de adensamento urbano
da cidade do Rio de Janeiro. A classe Área Urbana Densa representa 43,3% do
total do compartimento em uma área de 148,2 km², seguido da Classe Área Urbana
Média que apresentou porcentagem igual a 14,8% e área de 50,7 km². O
crescimento urbano exerce forte pressão no ecossistema original da cidade do
Rio de Janeiro, causado pelo desmatamento nas áreas de encostas dos maciços
dando lugar à expansão das comunidades aqui representadas pela categoria
Ocupação Desordenada (31,3 km²), cerca de 9,2% da área total do compartimento.
De acordo com a metodologia adaptada de Galvão (2008) as áreas Permeáveis são
compostas pelas classes de Vegetação Densa (41,5 km²- 12%), Vegetação Esparsa
(38,9 km²- 11,3%), Praças \Parques e Terrenos Vazios (18,23 km²- 5.3 %) e Solo
Exposto (5,1 km² - 1,4%). Assim o Compartimento apresenta apenas 30 % (103,73
km²) de áreas permeáveis, sendo notória a escassez de espaços verdes propícios
a infiltração e a percolação da água no solo (Figura 4).
As classes Área Urbana Densa (148,2 km²- 43,2%), Área Urbana Média (50,7 km²-
14,8%), Ocupação Desordenada (31,3 km²- 9,1%) e Afloramento Rochoso (8,7 km²-
2,5%) foram considerados de baixa Infiltração e classificadas como
Impermeáveis. Desta maneira 70% (238,9 km2) da área do compartimento foi
classificada como Impermeável confirmando que a infiltração do solo diminuta e
o escoamento superficial acentuado em períodos de cheia dos rios, gerados pela
forte impermeabilização do solo urbano é uma das causas principais para
ocorrência das inundações no Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara.
Área de estudo- Delimitação dos principais divisores topográficos.
Mapa Geomorfológico do Compartimento Hidrográfico da Baía de Guanabara
Uso e Cobertura do Solo
Mapa de Impermeabilização do Solo
Considerações Finais
É possível assinalar que a centralização exercida pelo Rio de Janeiro foi condicionada por sua localização geográfica e pela presença estratégica da Baía de Guanabara viabilizando a função portuária da cidade. Como visto, o Compartimento Hidrográfico da Baia de Guanabara apresentou-se desde então como principal área de interesse, no entanto, a penetração do interior encontrou dificuldades decorrentes do relevo acidentado, das planícies encharcadas e da massa florestal. Desde o princípio o sítio revelou-se impróprio para a localização da cidade. Assim o processo de impermeabilização e drenagem do solo no compartimento da Baía de Guanabara configurou-se como condição a expansão da área urbana e consequentemente ao aumento demográfico na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente o compartimento hidrográfico da Baia de Guanabara encontra 70 % de sua área impermeabilizada pelos processos de urbanização. Com a impermeabilização do solo o escoamento ocorre, fundamentalmente pelos condutos e canais, reduzindo a infiltração e aumentando o volume que escoa pela superfície, provocando vazões maiores que as naturais e consequentemente o aumento da frequência e magnitude das inundações. A falta de controle sobre o uso e ocupação das bacias hidrográficas trazem consequências negativas à própria população, principalmente as que vivem no leito maior dos rios, pois com o aumento das vazões máximas conjuntamente com obstruções nos canais, são as principais atingidas pelas inundações.
Agradecimentos
Agradecimento à minha orientadora Sandra Baptista da Cunha, aos parceiros Marcelo Lemes e Graziele Noronha pelo suporte técnico com os mapeamentos e à FAPERJ.
Referências
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CANHOLI, A. P. (2005) Drenagem urbana e controle de enchentes. ed 2, São Paulo, Oficina de Textos, 384 p.
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PINGUELLI, L. R.; LACERDA, W. A. (Org.). (1997) Tormentas Cariocas – Seminário Prevenção e Controle dos Efeitos dos Temporais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: COOPPE/UFRJ, 13 p.
PLANÁGUA-SEMADS (2011) Enchentes no Estado do Rio de Janeiro: Uma Abordagem geral. Rio de Janeiro, 160 p.