Autores
Barbosa, D.R. (UNESA - RJ) ; Oliveira, R.R. (UNESA - RJ)
Resumo
Os estudos geomorfológicos podem servir de subsídio para a proteção ambiental, bem como contribui para nortear os vetores de ocupação. No Município do Rio de Janeiro, o Plano Diretor tem enfatizado a necessidade de estudos técnicos geocientíficos que sirvam de base para os novos vetores de crescimento e, sobretudo em áreas de encostas ou fundos de vale. Na Área de Planejamento 4, o crescimento acelerado populacional em direção às áreas frágeis tem a tornado prioritária para o planejamento ambiental do cenário carioca e o objetivo desse trabalho é analisar os vetores de incorporação habitacional em direção às encostas e áreas inundáveis, demonstrando as fragilidades da Geomorfologia local, através da revisão bibliográfica e trabalhos de campo. Os vetores de crescimento em direção às encostas têm contribuído para o desencadeamento de deslizamentos, enquanto que a ocupação das áreas inundáveis tem causado grandes prejuízos à população local, que sofre com as cheias sazonais.
Palavras chaves
Zona de Conservação Ambiental; Cidade do Rio de Janeiro; Planejamento Ambiental
Introdução
O despertar humano para as graves consequências da degradação ambiental do Planeta Terra tem sido contínuo, embora lento, e com forte resistência de diferentes setores da sociedade, sobretudo dos gestores públicos e empresariado, pouco interessados nas possibilidades de maiores investimentos na promoção da proteção do meio ambiente. De acordo com Brasil (2009), a partir da década de 1970, foi possível observar uma crescente preocupação com a tutela ambiental, deflagrada com a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente, quando foi estabelecido os princípios norteadores de proteção ambiental que todas as nações deveriam seguir em busca do tão necessário ambiente sadio. A partir de então, o Brasil desenvolveu o escopo jurídico que permitiu a tutela ambiental, alicerçadas pela Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, e a Constituição Federal, de 1988. Na Leiº 6.938/81 afirma-se que os instrumentos de gestão ambiental são considerados os mecanismos utilizados pela administração pública com o intuito de alcançar os objetivos da política ambiental. Dessa forma, desenvolver estudos dos meios físico, biótico e socioeconômicos são fundamentais para o planejamento ambiental do território e o desenvolvimento de ações efetivas de proteção da Cidade do Rio de Janeiro e demais unidades territoriais nacionais. O planejamento ambiental, na escala municipal, é uma das muitas alternativas para a preservação, recuperação e conservação dos sistemas ambientais. No meio físico municipal, o Diagnóstico do cenário Geomorfológico é fundamental para o desenvolvimento de estratégicas de ocupação, uma vez que a ciência promove a compreensão dos tipos e formas de relevo, a hipsometria, a declividade, processos atuantes, fragilidades e potencialidades de sistemas ambientais, por exemplo, com vias a uso e ocupação do solo. Ao longo das últimas décadas, a Geomorfologia tem acompanhando os rumos teóricos e os caminhos de sua aplicação prática e tem servido de subsídio para estudos que visam o planejamento ambiental de diferentes áreas, com base em uma visão integrada dos diversos elementos da natureza e da sociedade. No Município do Rio de Janeiro, o Plano Diretor tem enfatizado a necessidade de estudos técnicos geocientíficos que sirvam de base para os novos vetores de crescimento e/ou de desocupação, sobretudo em áreas de encostas ou fundos de vale. No entanto, há grande distanciamento entre discurso e prática sobre o uso dos sistemas geomorfológicos para nortear as medidas de fiscalização e controle do território. Na bacia hidrográfica das Lagoas Oceânicas, no entorno dos bairros de Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, a ocupação atual não tem respeitado os limites impostos pelo meio físico e esse trabalho analisa os vetores de crescimento em direção às encostas e áreas inundáveis pela população das comunidades carentes na Área de Planejamento 4 (Região da Barra da Tijuca e arredores), demonstrando as fragilidades da Geomorfologia local.
Material e métodos
A metodologia adotada no presente trabalho consistiu em etapas fundamentais. Em um primeiro momento, foi realizado um levantamento bibliográfico com a discussão conceitual sobre geodiversidade, planejamento ambiental, a cidade do Rio de Janeiro e seus sistemas ambientais, dentre eles, Geologia, Geomorfologia e uso do solo. Na segunda fase, a análise dos cartogramas em escala 1:10.000, publicadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro, bem como os estudos de detalhe sobre a declividade e relevo dos Maciços Rochosos. Através do Sistema Municipal de Informações Urbanas, um portal da prefeitura, há a reunião de dados demográficos, econômicos, financeiros, de saúde, educação e territorial, distribuídos na forma de gráficos, tabelas, estudos específicos e que podem ser visualizados através do Sistema Geográfico de Informações, no formato Web Mapping Application. A base de GIS municipal permitiu a análise de dados como localização de favelas, bacias hidrográficas, bairros, áreas protegidas, fragilidades ambientais, vetores de crescimento e uso do solo, que foram integrados e transportados para o Google Earth, onde puderam ser cartografados, a luz do uso do solo histórico e atual, servindo de subsídio para essa análise. Por último, foram realizados trabalhos de campo, onde as visitas permitiram a identificação registro fotográfico dos pontos de interesse. Desse modo, as favelas de Morro do Camorim, Rio das Pedras, Parque da Pedra Branca e Estrada do Pau da Fome foram visitadas entre os meses de abril e setembro de 2017. Novamente, no gabinete, o uso do Google Earth, bem como a reunião de dados estatísticos e analise final formaram a última etapa do trabalho científico.
Resultado e discussão
A cidade do Rio de Janeiro possui três grandes unidades de relevo representadas
pelos Maciços do Gericinó-Mendanha, da Tijuca e Pedra Branca, que se encontram
sob a proteção de diferentes tipos de unidades de conservação. Além desses, uma
grande variedade de morros e colinas complementam o cenário de formações
elevadas, disseminadas pela cidade, desenvolvidas sobre um substrato geológico
formado por rochas cristalinas. As partes deprimidas estão representadas por
planícies e baixadas drenadas por rios que compõem, predominantemente, três
grandes bacias hidrográfica: Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba e Lagoas
Oceânicas.
A Geodiversidade carioca tem servido de possibilidades e limitações do processo
de ocupação, por conta de sua complexa Geomorfologia. Nos séculos XVI e XVII, o
relevo mais elevado serviu para a ocupação incipiente, sobretudo nos Morros Cara
de Cão (Cidade Velha), e depois no Morro do Castelo, onde realmente floresceu a
cidade, após a expulsão dos franceses e nativos aliados. A partir do século XX,
as encostas serviram de avanço para a ocupação realizada pela população de menor
poder aquisitivo, que promovem o desmatamento, a impermeabilização do solo e
drásticas alterações na geometria das encostas, o que têm contribuído para a
intensificação dos processos erosivos e movimentos de massa. Os fundos de vales
também têm servido de área de expansão de ocupação de baixa renda, bem como no
entorno de lagoas urbanas, como aquelas localizadas na Zona Oeste das Águas, no
litoral sul carioca.
O Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro foi construído como mecanismo de
orientação para as ações concretas de intervenção sobre o território. De acordo
com PCRJ (2011), a intervenção do Poder Público tem, dentre as suas finalidades,
promover o adequado aproveitamento dos vazios urbanos ou terrenos subutilizados
ou ociosos e, dentro desse contexto, é fundamental os estudos sobre a
geodiversidade do território, com destaque para os parâmetros geomorfológicos da
cidade.
Nos estudos ambientais os dados geomorfológicos são essenciais para análises
integrados do meio. De acordo com Bergamo & Almeida (2016), eles permitem que se
conheçam as unidades geomorfológicas, ou seja, que se tenha a descrição dos
tipos e formas de relevo, padrões de drenagem, altimetria, declividade,
processos de erosão e acumulação e/ou fragilidades e potencialidades de
determinada área.
Santos (2004) enfatiza que, através do estudo da conformação atual do terreno
pode-se deduzir o tipo e intensidade dos processos deposicionais e erosivos, a
composição, distribuição e textura dos solos, além da capacidade potencial de
usos. Desta forma, quando “associados a outros elementos do meio, os dados da
geomorfologia podem auxiliar na interpretação de fenômenos como inundações e
variações climáticas locais. São informações vitais para avaliar movimentos de
massa e instabilidades de terrenos” (p.78).
No plano diretor, são consideradas áreas com condições físicas adversas à
ocupação urbana os trechos frágeis de encostas e de baixadas. No sentido de
ordenar as futuras ocupações, o poder executivo do Rio de Janeiro criou o
conceito de Zona de Conservação Ambiental (ZCA), para as áreas onde o terreno
apresenta características ambientais e paisagísticas relevantes para a proteção.
Na versão atualizada, de 2011, o Plano Diretor destaca que são consideradas
Zonas de Conservação Ambiental as áreas acima da cota de cem metros em todo o
Município ou as áreas frágeis de baixada e de encosta e seus biomas associados,
não ocupadas ou já urbanizadas.
A cidade do Rio de Janeiro é, administrativamente, divida em Áreas de
Planejamento, Regiões Administrativas e bairros. Considerando apenas a primeira
organização territorial, a Área de planejamento 4 (AP4) é aquela que tem
apresentando uma das maiores dinâmicas de crescimento populacional e vem sendo
considerada prioritária para as ações de planejamento ambiental. Nesse
contexto, está o avanço das construções em direção às encostas, áreas inundáveis
e unidades de conservação, promovidas pela população de menor poder aquisitivo.
São 30 comunidades carentes que ultrapassam os limites da cota 100m, 44 em áreas
inundáveis e 23 que estão efetivamente localizadas dentro de unidade de
conservação (Figura 01).
Na vertente leste do Maciço da Pedra Branca, que abriga as nascentes das sub-
bacias da Zona dos Canais, dos rios Camorim e Caçambé, do Rio Guerenguê e
Arroio Fundo/Rio Grande, estão concentradas 7 favelas, totalizando 2.290 pessoas
que moram em encostas acima da cota 100. A comunidade Parque da Pedra Branca,
localizada no bairro de Jacarepaguá, está assentada sobre as encostas do Morro
Pau da Fome e aumentou a sua área de 68.586m2 (1999) para 75.002m2 (2016) e tem
subido a encosta, mesmo com as medidas falhas de fiscalização do poder público,
descritas no Plano diretor. Tem como agravante a presença dos afluentes do rio
Grande que, nos períodos de cheia, transforma-se em um vetor de risco ambiental.
Na Figura 02, é possível observar que o maior crescimento horizontal da favela
aconteceu a partir de 2008.
Na vertente oeste do Maciço da Tijuca, são mais 23 comunidades carentes dentro
da Zona de Conservação Ambiental municipal, concentradas predominantes das
encostas da Serra Taquara da Tijuca e Engenho da Serra, concentrando 16.720
habitantes, de acordo com os dados de PCRJ (2017b).
O trecho mais relevante está na bacia hidrográfica do rio Itanhangá, onde 13
comunidades estão assentadas em encostas consideradas de média a alta
suscetibilidade de Escorregamento (PCRJ, 2017c) e nas margens de rios com alto
risco de inundações, durante a estação chuvosa (Figura 03).
O adensamento também segue no entorno de rios e lagoas da Área de Planejamento,
que possui 44 favelas que sofrem com os alagamentos sazonais. A maior comunidade
da região, e a segunda maior favela do Rio de Janeiro, a favela Rio das Pedras
formou-se a partir da década de cinquenta, tendo o seu crescimento se acentuado
a partir da década de sessenta, nas margens do rio homônimo, com a migração de
nordestinos interessados no incipiente mercado de trabalho formado pela
edificação de prédios e condomínios de luxo da Barra da Tijuca e, ao longo do
seu crescimento, dirigiu-se para o entorno da Lagoa da Tijuca, sempre em
terrenos inundáveis, sem qualquer tipo de planejamento (Figura 04).
Assim como todo o Rio de Janeiro, há muito tempo que a população da favela Rio
das Pedras sofre com as inundações. Devido ao seu tamanho, a favela é divida em
quatro áreas que se distinguem pela antiguidade da ocupação, pelo poder
aquisitivo e pela geomorfologia. Essa diversidade faz com que a área de ocupação
mais antiga sofra menos com os eventos de inundação, apesar de estarem próximas
ao rio que dá o nome a comunidade. Nessa área, a intervenção do poder público na
estabilização do solo e em obras de saneamento e drenagem são mais presentes do
que em outras, nas quais as obras de infraestrutura se encontram ausentes.
A Área de Planejamento 4 é cercada pelos Maciços de Tijuca e Pedra Branca,
recobertos com Mata Atlântica, e possui considerável número de bosques no
interior de sua malha urbana, mas tem se destacado pela significativa perda de
vegetação em prol do crescimento horizontal das favelas. Como vem sendo uma
região muito pressionada pela expansão da Cidade, é previsível que este uso seja
em alguma medida afetado.
O trabalho de Vial & Cavallieri (2009) demonstram que as regiões da Barra e
Jacarepaguá tiveram o crescimento mais rápido nos setores subnormais e entre
1999 e 2008 o incremento foi de 9,43%, onde houve a combinação de crescimento
horizontal e vertical das favelas. Não só houve crescimento das antigas
comunidades, com destaque para o Rio das Pedras, como houve o surgimento de
novas comunidades, especialmente à custa de áreas de preservação ambiental, nos
trechos acidentados das encostas rochosas.
Área de Planejamento 4 e comunidades localizadas acima da cota de 100m
Evolução espacial da comunidade Pedra Branca no Morro do Pau da Fome, entre 2008 e 2017
Comunidades nas encostas do Engenho da Serra, no Maciço da Tijuca
Comunidade Rio das Pedras, em planície inundável
Considerações Finais
Nas últimas décadas, a geomorfologia vem sendo utilizada em estudos que visam o planejamento ambiental de diversificadas áreas. No Rio de Janeiro, o Plano Diretor serve como mecanismo de orientação para as ações concretas de intervenção sobre o território e, portanto, norteia o processo de ocupação. Dentre seus instrumentos, está a criação da Zona de Conservação Ambiental (área frágil e inadequada para a ocupação). Este trabalho objetivou analisar os vetores de crescimento em direção às encostas e áreas inundáveis pela população das comunidades carentes na Área de Planejamento 4 da Cidade do Rio de Janeiro, buscando apontar as fragilidades da Geomorfologia local. A pesquisa demonstrou centenas comunidades que ocupam as encostas dos Maciços da Pedra Branca e Tijuca, bem como as áreas inundáveis dos rios que compõem a bacia hidrográfica das Lagoas Oceânicas. Os trechos de maior fragilidade ambiental encontram-se na Serra Taquara da Tijuca, onde há as comunidades estão assentadas em um relevo bastante acidentado, drenados pelos rios que compõem a subbacia do rio Itanhangá. Através da análise dos sistemas geomorfológicos da área de estudo, é possível formular propostas de atuação que poderão subsidiar ações por parte do poder público municipal e que poderão melhorar a situação encontrada no município e consequentemente a qualidade de vida da população.
Agradecimentos
Referências
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