Autores
Castro, A. (UFRJ) ; Dias, L.R. ()
Resumo
O presente trabalho analisa o histórico das ações humanas responsáveis pela alteração das formas de relevo e processos geomorfológicos acarretados pela urbanização na bacia hidrográfica do Rio das Pedras. O processo de urbanização na bacia foi marcado por 3 fases, o estágio pré-urbano (Séc. XVII até 1960) onde foram realizadas mudança nos padrões de uso da terra. No estágio inicial da urbanização (Década de 60 até 2000), fase de intervenção urbana que produz maiores índices de processos morfodinâmicos, principalmente a erosão e transporte pluvial. E o estágio de consolidação da urbanização (De 2000 aos dias atuais), característico por causar consequências abruptas nos processos geomorfológicos. A urbanização criou uma nova topografia local, alterando substancialmente, o escoamento e contribuindo para a sobrecarga dos dutos e canais fluviais, condicionando ainda mais o baixo curso da bacia aos fenômenos de enchentes, inundações e alagamentos em eventos pluviométricos de grande magnitude
Palavras chaves
Geomorfologia Urbana; Urbanização; Bacia hidrográfica
Introdução
A urbanização é um processo causador de significativas mudanças no meio físico-natural. Este fenômeno provocou e ainda acarreta uma série de consequências associado ao modelo de crescimento das cidades. No Brasil, o acelerado processo de urbanização foi acompanhado pela falta de políticas públicas que levassem em consideração as potencialidades e limitações dos sítios urbanos produzidos. Desta forma, emerge o desafio para o planejamento urbano-ambiental em bacias hidrográficas em áreas urbanas, que se apresenta pela necessidade de ocupação e uso do solo na produção do espaço, em diferentes classes sociais, que se apropriam e transformam o ambiente natural. No bojo dessas transformações emergem impactos nas condições e processos geomorfológicos. Os estudos inerentes à Geomorfologia Urbana sempre se preocuparam em sistematizar metodologicamente orientações no sentido de identificar estágios de urbanização que possam constituir mudanças significativas nos processos hidromorfodinâmicos, tais como estágio pré-urbano, estágio inicial da urbanização e estágio de consolidação da urbanização (MOROZ-CACCIA GOUVEIA, 2013). Para a melhor compreensão desse processo é necessário associar os principais fatos históricos ocorridos na bacia e nas áreas adjacentes a fim de organizar, cronologicamente, os estágios da urbanização associados às modalidades de intervenção e tipo de ação antrópica para o entendimento dos processos e fenômenos geomorfológicos associados. Neste sentido, este trabalho tem por objetivo a análise do histórico das ações antrópicas responsáveis pela alteração das formas de relevo e processos geomorfológicos acarretados pela urbanização na bacia hidrográfica do Rio das Pedras, localizada na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro.
Material e métodos
Para analisar a história ambiental da bacia, foram realizadas pesquisas nos documentos obtidos no Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, na Autarquia pública Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro (Rio Águas), na Subprefeitura da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além de reportagens e livros sobre o histórico de ocupação nos bairros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá. Posteriormente, foram verificadas as fotografias aéreas obtidas no Instituto Pereira Passos (IPP), que possibilitou o reconhecimento espaço- temporal das transformações na ocupação da bacia. Foi realizado também visitas à Associação de Moradores de Rio das Pedras para obtenção de registros sobre o histórico de ocupação da área. Para a análise das implicações geomorfológicas causadas pela urbanização foram realizados trabalhos de campo na área analisada, aplicação da técnica de topografia estendida em setores da bacia onde as alterações na morfologia, potencializou os eventos de enchentes, inundações e alagamentos. A técnica consiste na medição da topografia numa seção transversal através da diferença altimétrica entre os pontos da coleta. Essa medição foi realizada por trena a laser de 80 metros de alcance (Bosch - GLM 80 = R 60 Professional), cada ponto obedecia ao espaçamento médio de 15-20 metros. Ao final da coleta de dados, essas informações foram lançadas no software Microsoft Excel para a obtenção do gráfico da seção. Foram obtidos dois perfis transversais do rio Retiro e Das Pedras.
Resultado e discussão
O processo de ocupação da bacia do Rio das Pedras foi dividido em três fases.
Na primeira, compreendida pelo estágio pré-urbano, corresponde ao período de
colonização e exploração agrícola, entre os séculos XVII e XX. Na segunda
fase, compreendida pelo estágio inicial de urbanização, entre a década de 1960
e 2000, corresponde ao período de crescente urbanização e de maior intensidade
nas alterações geomorfológicas. A última fase corresponde ao período de
consolidação da urbanização, meados dos 2000 até os dias atuais. Este período
é caracterizado pelo constante processo de favelização da bacia, além de novos
vetores de urbanização. As ações e implicações analisadas nesses três estágios
serão apresentadas separadamente a seguir.
O estágio pré-urbano é a fase no qual as características morfológicas
e das formações superficiais dos solos ainda não sofreram mudanças
significativas por intervenções humanas na bacia (anterior aos anos de 1940)
estando preservado o tipo de balanço no sistema, ainda que algumas taxas
possam ter sido modificadas. Entretanto, a depender do tipo de intervenção, o
sistema apresenta alterações significativas, a exemplo do que aconteceu em
toda Baixada de Jacarepaguá.
A carência de cobertura vegetal provoca, consideravelmente, a
diminuição do tempo de concentração da água na bacia e o volume drena
rapidamente para as partes mais baixas, acelerando o enchimento e
extravasamentos dos canais fluviais. Por outro lado, a diminuição de
infiltração implica na redução de capacidade de armazenagem das microbacias,
acentuando o balanço hídrico negativo da bacia, acarretando a menor
disponibilidade de água nos períodos de estiagem. Por sua vez, o material
erodido acaba sendo transportado pelo escoamento superficial e se deposita nos
cursos d’água, reduzindo a capacidade de transporte e volume dos canais. Isto
provoca, consequentemente, o aumento das enchentes e inundações.
Na bacia do rio Das Pedras, assim como em toda baixada de Jacarepaguá,
as primeiras modificações humanas remontam do período colonial, inicialmente,
através da retirada da madeira para construção civil e carvão vegetal. A
partir do século XVII se inicia a monocultura da cana de açúcar, ocupando,
principalmente, as planícies e colinas da baixada de Jacarepaguá. A
canalização dos rios e córregos já era uma prática recorrente nesta época. Com
o advento da economia cafeeira a partir do século XVIII, as encostas do maciço
da Tijuca são tomadas por grandes cafezais, o que intensifica o desmatamento
e, consequentemente, a deterioração do solo e intensificação dos processos
erosivos.
Apesar do intenso uso do solo durante a cafeicultura, após seu
declínio as encostas do Maciço da Tijuca dentro do perímetro da bacia foram
pouco utilizadas para a agricultura comercial, o que favoreceu o processo de
regeneração florestal até meados da década de 40. Após esse período as
grandes propriedades foram divididas em sítios e pequenas chácaras,
principalmente no alto curso da bacia.
Estágio Intermediário de Urbanização
De acordo com Moroz-Caccia Gouveia (2010), o estágio intermediário de
urbanização inclui áreas urbanas não consolidadas e loteamentos em fase de
ocupação ou, ainda, áreas de ocupação irregular e favelas. Esta etapa, segundo
diversos autores, é a fase de intervenção urbana que produz maiores índices de
processos morfodinâmicos, principalmente a erosão e transporte pluvial.
Nesta fase, do ponto de vista morfológico, incluía a produção de
formas planas, aterramentos, execução de cortes e aterros, criação de
descontinuidades geomorfológicas na superfície, criação de sistemas de
drenagem artificial subdimensionado aos picos de eventos pluviais.
O estágio intermediário foi marcado por intenso processo de
favelização e ocupação das áreas de planície. A favela de Rio das Pedras, por
exemplo, iniciou o processo de ocupação do seu núcleo principal a partir da
década de 1960. Para realizar essa ocupação foi necessário aterrar a maior
parte dessas áreas. Esses aterros aconteciam de maneira indiscriminada sobre
áreas alagadas e solos hidromórficos.
Essa dinâmica de ocupação criou novas formas de relevo (depósitos
tecnogênico), como aconteceu nas localidades do Areal e Areinha e ainda ocorre
pelo meio do lançamento clandestino de entulho em diversas áreas da bacia.
Estas ações geraram, consequentemente, uma nova topografia sem qualquer tipo
de planejamento e acompanhamento técnico, potencializando problemas
estruturais em diversas residências, como subsidência e desnivelamento da
construção, como pode ser observado na figura 01. Esta condição do solo também
compromete as redes de abastecimento de água, além dos dutos de esgotamento
sanitário e drenagem urbana.
Outra questão desta fase de urbanização são as superfícies impermeabilizadas
que não permitem a infiltração da água no solo, assim como a circulação de ar
e água. Os aterros, por exemplo, recobrem a vegetação original e os materiais
de cobertura superficial de formação natural, criando áreas de
descontinuidades entre materiais heterogêneos. Além de elevarem
altimetricamente a superfície original, alterando sua declividade e expondo a
camada superficial do solo, aumentando a oferta de sedimentos disponíveis
Na figura 02 são destacadas duas formas de alterações geomorfológicas
típicas na baixada de Jacarepaguá, em amarelo corresponde a um novo condomínio
residencial, no qual toda vegetação foi retirada e cortes em taludes estão
sendo feitos para facilitar a construção dos arruamentos e unidades
habitacionais, como pode visualizado na figura 02. Já a parte destacada em
vermelho, ocorre o despejo indiscriminado de entulho, aterrando áreas planas e
canais de drenagem adjacentes à Estrada de Jacarepaguá sem qualquer parecer
técnico ou manejo do material depositado.
No quadro 01 são sintetizadas as principais implicações geomorfológicas na
bacia teste a partir dos estágios de urbanização identificados no histórico de
ocupação dos bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca na cidade do Rio de
Janeiro.
Construção sofrendo subsidência na localidade do Areal. Fonte: Adão Castro. Data: 21-04-2010
Supressão da cobertura vegetal, cortes em taludes e despejo de entulho na Estrada de Jacarepaguá. Fonte: Google Earth. Data da imagem: 03-06-2016.
Lançamento clandestino de entulho e lixo nas margens do rio Das Pedras. Localidade da Areinha – Favela de Rio das Pedras. Fonte: Autores
Urbanização e efeitos geomorfológicos associados na bacia
Considerações Finais
Este trabalho demonstrou através da análise do processo histórico de ocupação da bacia os diferentes impactos nas dinâmicas e processos geomorfológico, associados, sobretudo, a urbanização. O que se observou na bacia do rio das Pedras foi um crescimento marcado pela criação de canais de drenagem e retificação dos rios para facilitar a ocupação. Logo, houve a crescente impermeabilização do solo, principalmente, na planície flúviomarinha. Essa ocupação foi responsável pela criação de depósitos tecnogênicos, retirada de taludes, lançamento de lixo e obstrução dos canais de drenagem, agravando os problemas relacionados ao sistema de esgotamento sanitário nas localidades do Areal e Areinha. A urbanização criou uma nova topografia local, alterando substancialmente, o escoamento e contribuindo para a sobrecarga dos dutos e canais, e condicionando ainda mais o baixo curso da bacia a enchentes e alagamentos em eventos pluviométricos de grande magnitude. Na cidade do Rio de Janeiro o planejamento urbano-ambiental é aplicado de maneira incongruente, quando há, além de ser pouco efetivo do ponto de vista das potencialidades e limitações dos ambientes alterados pela urbanização. Na bacia do rio das Pedras, essa situação é intensificada, dada a falta de condições básicas de saneamento, saúde, moradia e habitabilidade humana, com urbanização adequada e urbanidade proveniente disto; sem se esquecer da pobreza reinante, invizibilizada e não trabalhada a contento pelas políticas públicas
Agradecimentos
Referências
TUCCI, C. E. M. Controle de Enchentes, in: Hidrologia, ciência e aplicação. Porto Alegre, Ed. Da Universidade ABRH. Cap 16, p 621-558, 1993.
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