Autores
Delamare, T.O. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE) ; Sato, S.E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE)
Resumo
As áreas de proteção permanente – APP’s, de acordo com a legislação ambiental brasileira (Lei 12.651 de 25/05/2012), são locais protegidos, cuja função é a de resguardar o sistema ambiental e garantir o seu funcionamento.A legislação determina a largura mínima a ser protegida a partir do leito maior dos rios, a depender da largura do canal fluvial. O objetivo desse artigo é propor a ampliação da APP do baixo curso do Arroio Pelotas, Pelotas (RS) a partir do mapeamento geomorfológico de detalhe. O mapa geomorfológico foi elaborado através da interpretação de fotografias áreas do ano de 2004, na escala aproximada de 1:25.000.As áreas de inundação do cursos fluviais despertam interesse de atividades, como o cultivo de arroz, pela necessidade de água dessas culturas. A ampliação do limite da área de preservação, respeitando cada realidade local, e consequentemente a dinâmica natural de cada ambiente contribuiria para a preservação e manutenção dos processos fluviais.
Palavras chaves
mapeamento geomorfológico; Áreas de Preservação Permanente; planície de inundação
Introdução
As áreas de proteção permanente – APP’s, de acordo com a legislação ambiental brasileira (Lei 12.651 de 25 de maio de 2012), são locais protegidos, cuja função é a de resguardar o sistema ambiental e garantir o seu funcionamento. No caso dos cursos fluviais, a legislação determina a largura mínima a ser protegida a partir do leito maior dos rios, a depender da largura do canal fluvial. Entretanto, as medidas métricas determinadas genericamente, na maioria das vezes, não contemplam o sistema ambiental como um todo, sendo necessário considerar as características fisiográficas locais na qual o curso fluvial está inserido e, também, o entendimento dos conceitos e definições que estão subjacentes a própria legislação. Segundo Stevaux e Latrubesse (2017) uma planície de inundação corresponde a área adjacente ao canal do rio que é inundada, total ou parcialmente, durante as cheias. A planície de inundação, juntamente com o canal do rio, são partes integrantes da planície aluvial, uma unidade geomorfológica que apresenta um limite físico bem definido, passível de ser cartografado e identificado no terreno. Considerando que o objetivo de proteção de áreas é a manutenção de todo o sistema, neste caso o hidrográfico, os limites naturais facilitariam a determinação das áreas de proteção ambiental. Desse modo, destaca-se a cartografia geomorfológica de detalhe como instrumento norteador para a definição das Áreas de Proteção Permanente - APP’s dos cursos fluviais.O mapa geomorfológico corresponde a um documento cartográfico que representa as feições morfológicas, sendo uma forma de concepção sintética do relevo. Para Griffiths e Abraham (2008) os mapas geomorfológicos possibilitam a espacialização e a compreensão dos processos atuais e pretéritos que criaram as paisagens contemporâneas. A elaboração de um mapa geomorfológico de detalhe é um processo que exige reflexão e conhecimento sobre o objeto que será representado e também sobre o contexto físico ao qual ele se insere, destacando assim a necessidade de reconhecer e considerar as características individuais de cada paisagem, com o objetivo de um adequado planejamento ambiental.A cartografia geomorfológica de detalhe (escala cartográfica de até 1:50.000) considera a origem das formas de relevo, como sendo o resultado da atuação de agentes modeladores sobre a litologia, os quais são desencadeadores de processos, que por sua vez, originam e remodelam formas, de modo sistêmico e integrado. Assim, qualquer interferência, sobretudo a antrópica, em qualquer um dos elementos pertencentes ao sistema, repercutirá na alteração do funcionamento de uma paisagem. Em planejamento, o entendimento dessa relação, ou seja, o entendimento do funcionamento de uma determinada área pode propiciar bons resultados preditivos e a prevenção de problemas ambientais. Neste contexto, este trabalho pretende demonstrar a importância do mapeamento geomorfológico de detalhe como um instrumento de representação da dinâmica ambiental, determinada pela interação entre os agentes e processos modeladores do relevo, e consequentemente, sua aplicação da legislação ambiental. A área de estudo localiza-se na planície costeira interna do Rio Grande do Sul (RADAMBRASIL, 1986). Essa planície constitui uma área baixa, e os modelados são de depósitos de origem continental (em pequenos trechos, próximo às margens da Laguna dos Patos) e modelados derivados da transposição eólica (que originaram as dunas atuais). Na porção sul da zona costeira gaúcha encontra-se inúmeros corpos lagunares. Estas áreas são extremamente importantes em geodiversidade e biodiversidade, destacando-se no Rio Grande do Sul, a Laguna dos Patos, um complexo lagunar, que preserva a história geológico-geomorfológica dessa zona costeira, formada por diversos ambientes sensíveis a intervenções antrópicas, mas que sofre intenso processo de uso e ocupação de suas terras. Portanto, o objetivo desse artigo é propor a ampliação da APP do baixo curso do Arroio Pelotas.
Material e métodos
O mapa geomorfológico de detalhe foi elaborado através da interpretação de fotografias áreas do ano de 2004, na escala aproximada de 1:25.000. As fotografias foram adquiridas no Laboratório de Estudos Aplicados a Geografia Física vinculada à Universidade Federal de Pelotas (UFPel).As Faixas Identificadas foram: Faixa 12 (fotos: 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63) e Faixa 18 (fotos: 58 e 59). Após a digitalização das aerofotografias, as mesmas foram inseridas no Software StereoPhotoMaker®, gerando anáglifos tridimensionais. O anáglifo tridimensional visa substituir a utilização do estereoscópio analógico, pois possibilita a visualização de imagens estereoscópicas em 3D (SOUZA,2012). Estes foram importados para o Software ArcGis 10.3, onde foi efetuado o georreferenciamento junto à base cartográfica a partir da inserção de pontos de controle (pontes, estradas, ruas). A base cartográfica foi organizada utilizando-se do conjunto de dados espaciais georreferenciados e vetorizados na base cartográfica vetorial contínua do Rio Grande do Sul na escala 1:50.000 (HASENACK; WEBER, 2010). O procedimento de mapeamento iniciou pela delimitação da rede hidrográfica, com a identificação de canais fluviais. Após a delimitação da hidrografia natural e da artificial, iniciou-se o mapeamento das formas e das feições geomorfológicas presentes na área. A organização da simbologia utilizada para o mapeando é pautada nas adaptações realizadas por Cunha (2001), a partir das concepções de Tricart (1965) e Verstappen; Zuidan (1975). A escolha dessa simbologia possibilitou a identificação das feições geomorfológicas naturais e das antropogênicas. O produto final deste mapeamento possui uma escala de 1:50.000, sendo considerado dentro da cartografia geomorfológica um mapa de detalhe médio, entretanto a utilização dessa escala permitiu a identificação e entendimento dos agentes e processos modificadores do relevo (Tricart, 1965; Casseti, 1994). A legenda foi organizada segundo o agrupamento das formas de acordo com sua morfogênese, sendo: Formas de Origem Denudativa, Formas Originadas pela Ação das Águas Correntes e Formas de Origem Flúvio-Lacustre, Modelado Antrópico e Alterações na Topografia.
Resultado e discussão
O Arroio Pelotas configura um canal fluvial meândrico, tendo por característica curvas sinuosas, largas e harmoniosas (Chistoffoletti,1990). Possui aproximadamente 85km de extensão, e drena o município de Pelotas localizado na região sul do estado do Rio Grande do Sul. A nascente desse canal fluvial se localiza no encontro de dois arroios, o Arroio das Caneleiras e o Arroio do Quilombo, e a sua foz no Canal São Gonçalo, o qual se liga a Laguna dos Patos à Lagoa Mirim (SILVA, 2009). O baixo curso Arroio Pelotas situa-se no Distrito Z-3 (Figura 1), o 2º distrito do município de Pelotas (RS). A ocupação do município de Pelotas teve início às margens do Arroio Pelotas(MILHEIRA,2010), por volta do ano de 1780. A principal atividade econômica deste período foi o charque.O Arroio Pelotas possui ligação direta com o Canal São Gonçalo que tem sua foz na Laguna dos Patos e também se conecta a outro corpo lagunar, a Lagoa Mirim. Portanto essa configuração geográfica facilitou a navegação e o transporte de mercadorias (ROSA, 1985; VIEIRA, 2005). Posteriormente ao declínio do ciclo do charque, novas atividades econômicas surgiram a partir do desenvolvimento e introdução de novos processos de produção, como as indústrias de doces em conserva. Ao longo dos anos, a cidade se expandiu, ocupando as áreas mais elevadas, ao norte e atual centro do município. Nesse período, também se iniciou o processo de urbanização de sua área costeira, a qual apresenta uma extensão de aproximadamente 15km. Atualmente, as principais atividades econômicas desenvolvidas no baixo curso do Arroio Pelotas, são a pesca artesanal e a agricultura (rizicultura). A rizicultura promove a alteração da rede hidrográfica, sendo possível verificar no mapeamento, (Figura 2) uma densa rede hidrográfica antropizada (canais retilinizados). A identificação das formas presentes nos compartimentos geomorfológicos definidos pelo RADAMBRASIL (1986) foi proporcionada pelo mapeamento geomorfológico de detalhe, escala 1:50.000, do ano de 2004 (Figura 2). A compreensão da dinâmica e evolução do relevo possibilita averiguar como o uso da terra altera as características do meio físico. A análise da dinâmica de evolução das formas da área em estudo foi baseada na relação entre os agentes e processos e está representada na legenda do mapeamento geomorfológico.
O grupo denominado Ação das Águas Correntes engloba o conjunto de formas denominado Feições Hidrográficas. Estas formas do relevo são originadas pela ação erosiva gerada pelas águas correntes e corpos de água. O Arroio Pelotas (Figura 2) apresenta a sua morfologia parcialmente preservada, e representa um importante sistema de drenagem local. O grupo Formas de Acumulação referem-se aos modelados resultantes de processos deposicionais, resultantes da dinâmica flúvio-lacustre. Nesse grupo encontram-se os Terraços e Planície Flúvio-Lacustre. As áreas de Terraços Flúvio-lacustres (Figura 2) são formações planas, levemente inclinadas, com ruptura de declive em relação a Planície Flúvio-lacustre situada em nível inferior (IBGE, 2009). Segundo Guerra (2008) é constituído por depósitos sedimentares ou superfície topográfica modelada por erosão fluvial ou lacustre. Os Terraços Flúvio-Lacustre destacam-se pela sua expressão areal, a topografia dessa feição no contanto com a planície fluvial apresenta altimétrica média de 11m a 18m. A Planície Fluvial corresponde a uma superfície plana formada pela acumulação de material transportado pelos rios. Os sedimentos são formados principalmente por areia, argila e silte. As planícies fluviais, ou áreas de várzea (IBGE, 2009), estão sujeitas a inundações periódicas, decorrentes da dinâmica fluvial. Tal forma de acumulação é identificada no mapeamento de maneira representativa nas áreas de várzeas do Arroio Pelotas (Figura 2). A Planície Fluvial do baixo curso do Arroio Pelotas apresenta uma largura média de 6m a 15m, aumentando na direção a montante desse canal fluvial. Destaca-se que a área onde o sistema fluvial está inserido não ultrapassa 15 metros de altitude, ou seja é uma área potencialmente sujeita a alagamentos. O grupo Modelado Antrópico e Alterações na Topografia refere-se ao conjunto de formas resultantes das atividades antrópicas exercidas sobre o relevo e cobertura vegetal. Os canais retificados ativos e inativos são formas derivadas da ação antrópica. A distribuição dos canais antropogênicos não vincula-se as características geomorfológicas da área, são canais artificiais que não possuem nascente ou foz. A construção de canais retificados objetiva o abastecimento das lavouras de arroz. O cultivo de arroz é tradicional na área de estudo devido às próprias características físicas da planície lagunar, onde é característico a acumulação de água em razão da baixa declividade e presença de solos pouco permeáveis, o que torna essa área ideal para a aplicação dessa técnica de cultivo.Em relação a preservação ambiental e as medidas legais de proteção, destaca-se a conservação da mata ciliar do Arroio Pelotas, visto a importância desta área para o equilíbrio ecológico e proteção da água e do solo, além de reduzir processos de assoreamento deste importante curso fluvial. As áreas de preservação referem-se a zonas com restrições ambientais e/ou protegidas por lei. De acordo com o Código Florestal, Lei Federal nº 12.651/2012, as Áreas de Proteção Permanente - APPs são:"Coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas (BRASIL, 2012)."A largura da faixa a ser preservada está relacionada com a largura do curso de água. Sendo assim, de acordo com o Artigo 4° da presente na citada lei, a delimitação das APP’s devem:"Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012): a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros. baixo curso do Arroio Pelotas possui uma largura de aproximadamente 150 metros, e configura-se como área de deposição fluvial. Em relação a Área de Preservação Permanente, de acordo com a legislação ambiental citada, a faixa de preservação corresponde a apenas 100 metros. Entretanto se comparamos a APP determinada pela legislação ambiental com a planície fluvial identificada no mapeamento geomorfológico (Figura 2), é notável que áreas suscetíveis, como a área de várzea do arroio, ficam desprotegidas.A delimitação da Planície Fluvial do Arroio Pelotas identificada no mapeamento geomorfológico abrange um espaço maior se comparado a restrição métrica legal estabelecida para as APP’s dos cursos hídricos (Figura 3). Entende-se que a planície fluvial é parte do sistema ambiental referente ao conjunto hídrico local, refletindo todas as mudanças que ocorrem na bacia hidrográfica e é essencial para a retenção do extravasamento fluvial (Figura 4). As atividades antropogênicas desenvolvidas no entorno do baixo curso do Arroio Pelotas estão relacionadas com agricultura, principalmente rizicultura, modificando o escoamento superficial a partir da criação de canais retificados. Neste contexto, reforça-se a ideia da ampliação da APP.
Mapa de Localização do baixo curso do Arroio Pelotas, Pelotas (RS)
Mapa Geomorfológico do baixo curso do Arroio Pelotas.
Mapa Área de Proteção do baixo curso do Arroio Pelotas, Pelotas (RS)
Imagem de satélite do Arroio Pelotas em período de cheia, delimitado pela planície fluvial mapeada
Considerações Finais
Cada sistema fluvial tem seu próprio limite impresso na paisagem. Caberia a legislação ambiental considerar as características individuais de cada canal, definido limites específicos. A ampliação do limite da área de preservação, respeitando cada realidade local, e consequentemente a dinâmica natural de cada ambiente contribuiria para a preservação e manutenção dos processos fluviais. No caso do baixo curso do Arroio Pelotas uma futura contaminação e poluição desse recurso hídrico representaria uma perda ambiental e social, visto que a conexão dele com outros importantes corpos hídricos da região, como o canal São Gonçalo, te Laguna dos Patos e Lagoa Mirim, prejudicariam tanto a fauna e flora como para a sociedade. Sendo assim, propõem-se a ampliação da área de preservação do baixo curso do Arroio Pelotas definida pelo limite da Planície Fluvial, protegendo com isso a área de inundação periódica do baixo curso do desenvolvimento de atividades antrópicas, em destaque a rizicultura.
Agradecimentos
Referências
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