Autores

Freitas, F. (UFRRJ) ; Vaz, R. (UFRJ)

Resumo

A presente pesquisa propõe um estudo sobre a importância da Geomorfologia na análise de risco ambiental de inundação, seguindo uma visão geossistêmica, no bairro Parque Mambucaba, que está localizado na planície de inundação flúvio- marinha no baixo curso da Bacia Hidrográfica do rio Mambucaba. É a mais extensa rede hidrográfica da microrregião da Baía da Ilha Grande e apresenta características importantes para a conservação da biodiversidade, da história natural e humana. Está dentro das Unidades Morfoestruturais do Cinturão Orogênico do Atlântico e da Bacia Sedimentar Cenozóica. As características destas unidades e os processos ativos limitam ou condicionam o uso e a ocupação humana, assumindo importância relevante para a análise de risco à inundação.

Palavras chaves

Geomorfologia; Geossistema; Risco

Introdução

Nas últimas décadas o intenso processo de urbanização tem proporcionado consequências negativas ao ambiente como desmatamento, poluição da água e do ar, ocupação de encostas e margens fluviais, entre outros, os quais acentuam as situações de riscos, por ocasião de eventos naturais como os episódios pluviais intensos. Estes são frequentemente relacionados a ocorrências de inundações e deslizamentos, muitos dos quais são provenientes da ocupação humana em áreas susceptíveis a riscos naturais, como encostas declivosas e de áreas marginais aos cursos d'água. As variadas formas de produção e reprodução do espaço geográfico exercem forte pressão sobre o espaço natural, sendo desenvolvidas, na maioria das vezes, sem considerar a vulnerabilidade dos grupos sociais e a fragilidade dos sistemas naturais, por vezes ampliando as condições de risco a que está exposta grande parcela da população urbana. Neste sentido, sendo as bacias hidrográficas importantes unidades de planejamento e gestão ambiental, estas são palco de inúmeros problemas socioambientais, repercutindo negativamente na qualidade de vida das populações. A ocupação das planícies de inundações é um exemplo do processo historicamente excludente de constituição dos espaços urbanos brasileiros, muitas vezes ocupadas pelas populações socialmente vulneráveis, de modo que é crescente o número de indivíduos atingidos por desastres hidroclimatológicos no Brasil. A Bacia Hidrográfica do rio Mambucaba sofreu consideráveis transformações naturais, ao longo dos anos, na composição de sua vegetação nativa e no curso do rio Mambucaba. Outras modificações de ordem econômica e ambiental também ocorreram em consequência do processo de ocupação humana, crescimento populacional e adequação ao sistema econômico. A questão principal da pesquisa é analisar quais são as áreas suscetíveis a riscos ambientais associadas às inundações, tendo em vista a importância da Geomorfologia na análise geossistêmica de risco na planície flúvio-marinha do rio Mambucaba. Mediante os eventos de inundação constantes e eventualmente extremos que atingem o bairro Parque Mambucaba, o objetivo desta pesquisa é identificar as áreas de risco à inundação no bairro a partir das características geomorfológicas. Os objetivos específicos serão: analisar a relação entre as características físicas e o processo de ocupação da Bacia Hidrográfica do Rio Mambucaba; conhecer o histórico pluviométrico analisando eventos extremos e identificar as áreas mais suscetíveis a riscos relacionadas às inundações.

Material e métodos

Para alcançar os objetivos propostos esta pesquisa foi realizada em diferentes etapas. - Primeira etapa - Consulta de um vasto material bibliográfico sobre Costa Verde, o Município de Angra dos Reis, a BH do rio Mambucaba e o bairro Parque Mambucaba, especializando dados obtidos junto à CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), com o recorte espacial do bairro Parque Mambucaba para construir mapas de geomorfologia, geologia, solos e vegetação, para a caracterização da área de estudo. Nesta etapa foi selecionado material bibliográfico para a definição do referencial teórico responsável pela orientação da pesquisa. Inicialmente, foi feito um levantamento que teve como base a consulta de dados bibliográficos e cartográficos disponíveis na literatura. Os principais dados coletados no levantamento bibliográfico são referentes à caracterização física como as unidades geomorfológicas, os sistemas de relevo reconhecidos regional e local, a cobertura vegetacional, as características hidrológicas e os perfis de solos. Essas informações foram obtidas principalmente a partir do Projeto Rio de Janeiro, executado pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro - DRM ou, mais especificamente, do seu subprograma Compartimentação Geológico- Geomorfológica e Diagnóstico do Meio Físico. Essa publicação apresenta os resultados dos estudos que vêm sendo realizados ao longo de mais de meio século no Rio de Janeiro. Associadamente foram também consultados atas e anais de eventos técnicos-científicos realizados na área de Geociências, bem como trabalhos publicados em revistas e periódicos científicos de circulação nacional e internacional. Para construção dos mapas como uma importante fonte de análise, foi utilizado o software ArcGis. - Segunda etapa – Análise dos dados das Estações pluviométricas e fluviométricas, próximas ao rio Mambucaba. Os dados de pluviosidade, vazão e nível do rio Mambucaba foram obtidos pelo Sistema de Informações Hidrológicas Hidroweb, entre o período de 1994 e 2014. Este sistema é uma aplicação de banco de dados do tipo cliente/servidor projetada especificamente para permitir o gerenciamento de uma base de dados hidrometeorológicos, armazenada centralizadamente em um banco de dados relacional; para permitir a entrada de dados por parte das entidades que operam uma rede hidrometeorológica; calcular de funções hidrometeorológicas básicas e visualização de dados. Os dados de pluviosidade foram extraídos da Estação pluviométrica Vila Perequê, localizada no baixo curso do rio, em Angra dos Reis, RJ e da Estação Fazenda Garrafas, em São José do Barreiro, SP. Com esses dados foi construído uma tabela base e três gráficos: o de pluviometria da Estação Vila Perequê, o de pluviometria da Estação Fazenda Garrafas e um comparativo para avaliar os maiores pontos com altos índices pluviométrico. - Terceira etapa - Foi analisado o mapa de risco de inundações disponível no plano de manejo do município de Angra dos Reis - Quarta etapa - Com o resultado do mapeamento de risco em mãos foi analisada a relação entre as áreas de risco e as características geomorfológicas da área em questão.

Resultado e discussão

A Bacia Hidrográfica do Rio Mambucaba, segundo a divisão de relevo proposta pelo Radambrasil (1983), situa-se entre o Planalto da Serra da Bocaina, a Planície Litorânea e as Escarpas da Serra do Mar. A maior parte da área está no planalto e na serra, ficando apenas cerca de 5% na planície. O estado do Rio de Janeiro se divide em duas Unidades Morfoestruturais, o Cinturão Orogênico do Atlântico e as Bacias Sedimentares Cenozóicas. As Unidades Morfoestruturais correspondem às grandes macroestruturas, como os escudos antigos, as faixas de dobramentos proterozóicos, as bacias paleomesozóicas e os dobramentos modernos. As Unidades morfoesculturais da área de estudo são as Escarpas Serranas e a Bacia Sedimentar Cenozóica. As unidades Geomorfológicas da BH do rio Mambucaba são: a Unidade serra da Bocaina e a Baixada da Baía da Ilha Grande. Segundo o Estudo Geoambiental do Estado do Rio de Janeiro (2000), o Cinturão Orogênico do Atlântico ou Escudo Atlântico, também é conhecido por Cinturão de Cisalhamento do Atlântico e representa uma das importantes feições geotectônicas da fachada atlântica brasileira, estende-se de Santa Catarina até o norte da Bahia, abrangendo a área da BH do rio Mambucaba. É composto de diversas faixas de dobramento, dentre as quais destaca-se a Faixa de Dobramentos Ribeira, que abrange todo o estado do Rio de Janeiro. Esse cinturão constitui-se em um conjunto diversificado de rochas graníticas e gnáissicas, submetidas a diversos eventos orogenéticos ao longo do período Pré-Cambriano. As unidades morfoesculturais e correspondem aos compartimentos gerados pela ação climática ao longo do tempo geológico, com intervenção dos processos tectogenéticos. São caracterizadas pelos planaltos, planícies e depressões, que estão inseridas numa unidade morfoestrutural. O alto curso da BH do rio Mambucaba está dentro da Unidade Morfoescultural Escarpas Serranas na Unidade Geomorfológica Escarpas das Serras da Bocaina, Mangaratiba e Mazomba. Essa Unidade Geomorfológica consiste num imponente alinhamento serrano que se notabiliza como uma muralha montanhosa, alçada por tectônica a mais de 1.000m de altitude. O baixo curso da BH do rio Mambucaba, onde se localiza o bairro Parque Mambucaba, está inserido na Unidade Morfoestrutural Bacias Sedimentares Cenozóicas. Sendo classificado dentro da Unidade Morfoescultural Planície Flúvio-Marinha e no sistema de relevo Planícies Colúvio-Alúvio-Marinhas (Baixadas), como consta no mapa Geomorfológico do Estado do Rio de Janeiro. A Unidade Geomorfológica Baixadas da Baía da Ilha Grande, consiste em pequenas áreas de acumulação flúvio-marinha, no sistema de relevo de Planícies Colúvio-Alúvio-Marinhas, e são espremidas pelas vertentes íngremes da escarpa da serra da Bocaina, situando-se no recôncavo de enseadas e reentrâncias do litoral recortado do sul fluminense, geralmente associado a desembocaduras fluviais. Essas estreitas planícies fluviomarinhas geralmente apresentam, junto à linha de costa, significativas áreas de mangues e, na retaguarda dos manguezais, extensas áreas de brejos e baixadas aluviais, como visto no fundo da Ilha Grande. Também são encontrados pequenos cordões arenosos, tais como os da desembocadura do rio Mambucaba. O cordão arenoso de Mambucaba isola, à retaguarda, uma extensa área de manguezais e, a montante, a planície fluvial do rio Mambucaba, junto à escarpa da serra da Bocaina, associado com mangues e restingas, densamente ocupado. A Baixada do rio Mambucaba, onde se localiza o bairro Parque Mambucaba está entre as mais importantes planícies fluviomarinhas do litoral sul fluminense. As Planícies Colúvio-Alúvio-Marinhas ou Baixadas apresentam coberturas inconsolidadas de depósitos argilo-arenosos coluviais, aluviais e marinhos. Dentro da definição de padrão de drenagem, são classificados como terrenos mal drenados, segundo dados do CPRM (2007), dessa forma, estando sujeitos às inundações sazonais relacionadas aos eventos extremos de chuvas. As observações realizadas no Mapa Geomorfológico, que integram as informações sobre morfografia, o substrato rochoso, a cobertura detrítica e a dinâmica superficial, identifica sete diferentes substratos rochosos que compõem 13 feições geomorfológicas. Os relevos de montanhas e morros, escarpas, planícies fluviais e cones de dejeção e corpos de talus formam a Serrania da Bocaina e os morros e morrotes paralelos, morrotes de cimeira, morrotes pequenos e morros dissecados compõem os planaltos isolados. Nesse conjunto de tipos de substrato e relevo ocorrem três principais tipos de solos (cambissolo, latossolo vermelho-amarelo e neossolo flúvico) caracterizados como: rasos na região de escarpas sobre granitos; pouco profundos e profundos no planalto sobre gnaisse e profundos na planície litorânea sobre diversos tipos de sedimentos. Os tipos de solo apresentam variações em função das diferenças da combinação entre substrato e feição geomorfológica. As combinações resultantes dos tipos de substrato, relevo e solo ao longo da história evolutiva dessa região determinaram diversas composições dessa paisagem, apontando uma grande variabilidade natural e complexidade do meio físico, sobre a qual estaria disposta a vegetação atlântica. Identifica-se nos solos a ocorrência de processos erosivos associados, não apenas às intervenções antrópicas, mas também à alta suscetibilidade dos solos à erosão, acentuada pelo relevo regional e pelos altos índices pluviométricos. Processos ativos de erosão podem ser observados, principalmente na rodovia Rio-Santos, nas margens dos rios Mambucaba e Perequê, alguns acelerados pela presença de construções. A produção e qualidade das águas vem sendo prejudicadas pelo assoreamento dos rios, consequência dos desmatamentos e erosões decorrentes do uso inadequado do solo pelas atividades agropecuárias e desenvolvimento urbano. Nas áreas planas litorâneas, os principais impactos ambientais são decorrentes da drenagem de solos para fins de saneamento, uso agrícola ou urbanização, e do assoreamento dos rios e de mangue, com modificação no aporte de sedimentos, volume de nutrientes, entre outros. Segundo Cunha, a fisiografia fluvial de um rio pode ser entendida sob o ponto de vista dos tipos de leito, de canal e de rede de drenagem. A delimitação entre esses tipos de leitos nem sempre é fácil, pela falta de nitidez em seus limites. O leito menor corresponde a parte do canal ocupada constantemente pelas águas a ponto de impedir o crescimento da vegetação no local. O leito de vazante equivale à parte do canal ocupada durante o escoamento das águas de vazante, em média segue o talvegue. O leito maior, também denominado leito maior periódico ou sazonal é ocupado durante as cheias. O leito maior excepcional é ocupado durante as grandes cheias, no decorrer das inundações. No caso do rio Mambucaba, dentro do leito maior excepcional desenvolveu-se o bairro Parque Mambucaba. Em determinados pontos do rio é possível observar casas dentro do leito maior, o que facilita o processo de inundação.

Figura 1: Localização da BH do rio Mambucaba

Figura 1: Localização da BH do rio Mambucaba

Mapa Geomorfológico

Mapa Geomorfológico da área de estudo

Considerações Finais

Dentro de uma análise geomorfológica geral, o rio apresenta regime torrencial, com cheias de verão e rápida resposta às chuvas de cabeceira. Basicamente, os depósitos sedimentares das baixadas são de origem fluvial ou de origem fluvial com retrabalhamento marinho. Essas características controlam a velocidade com que se processa o escoamento superficial e o tempo que leva a água a concentrar-se nos leitos fluviais da rede de drenagem. A declividade média afeta a grandeza dos picos de cheia, a maior ou menor oportunidade de infiltração e a susceptibilidade à erosão dos solos da bacia. Em suma, esta região funciona como um importante reservatório de água no solo. Porém é necessário ressaltar que durante os períodos chuvosos mais intensos, quando os canais fluviais apresentam os picos de vazão, é comum o registro de cheias. Assim, podem ocorrer inundações nas planícies fluviomarinhas situadas no sopé da vertente sul, atingindo o Parque Mambucaba. Observando-se as características geométricas, do sistema de drenagem e do relevo conclui-se que o rio Mambucaba possui tendência as cheias sazonais. Contudo, no seu trecho terciário, onde se localiza o bairro Parque Mambucaba, a população costuma sofrer com grandes inundações. A causa dessas inundações está no fato de essas cheias ocorrerem conjuntamente com marés altas, que assoreiam a embocadura do rio. Além de fatores antrópicos que interferem nos processos de escoamento superficial, de infiltração e drenagem do solo.

Agradecimentos

Referências

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