Autores

da Silva Dutra, D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL) ; Wendy Santos de Menezes, K. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL)

Resumo

A região sudoeste do Rio Grande do Sul apresenta um processo que muitos autores denominam como desertificação. Tal conceituação provoca reflexões sobre a realidade do processo que se apresenta naquela região. Nesse sentido, o objetivo do trabalho é analisar o conceito mais adequado a esse processo, bem como a evolução, panorama atual e as alternativas para o mesmo. Para o desenvolvimento do trabalho, se procedeu um levantamento bibliográfico e a realização de trabalhos de campo. A partir disso, destaca-se que o processo existente nessa região deve ser estudado a partir do conceito de arenização em função principalmente da característica climática daquela região, clima subtropical úmido. Considera-se a arenização um processo natural, ainda que possa ser intensificado pela ação antrópica. Além disso, esse processo tem se mostrado com aspecto evolutivo lento, quando num período de 15 anos, aumentou pouco mais de 3 hectares.

Palavras chaves

Meio Ambiente; Rio Grande do Sul; Areais

Introdução

No contexto da discussão sobre a desertificação, observa-se que não há um consenso entre os autores sobre esse processo, até mesmo nos principais documentos sobre a questão (VERDUM et al. 2002). Nesse sentido, e de acordo com o autor citado anteriormente, na Conferência do Quênia de 1977 definiu- se que os ambientes desérticos são os que apresentam a diminuição ou destruição do potencial biológico da terra, tratando-se de um processo irreversível. Conforme o autor citado, e do ponto de vista da escala espacial, o fenômeno da desertificação seria cartografado em zonas climáticas áridas, semi-áridas, e sub-úmidas secas, e o homem considerado um agente da degradação. Na Conferência da Rio 92, o fenômeno da desertificação foi conceituado como a destruição do potencial biológico de terras áridas, semi-áridas e sub- úmidas secas, onde a deterioração da vida se dá a partir do rompimento entre clima, solo e vegetação (VERDUM, et al. 2002). Conforme o autor citado, a partir da Conferência da Rio 92, estabeleceu-se uma base para cartografar o fenômeno da desertificação. Comparativamente, ao fazer uma análise sobre a Conferência do Quênia de 1977 e da Rio 92, Verdum (2004) observa que o processo da desertificação é conceituado, fundamentalmente, com base no fator climático. O autor citado, faz essa observação a partir da sobreposição das áreas sob desertificação identificadas naquelas conferências com as áreas sob influências dos climas árido, semi-árido e sub-úmido seco, e observa a equivalência superficial entre essas áreas. De acordo com Verdum (2004), a metodologia usada para a identificação das áreas sobre desertificação pelas conferências da ONU, acabam privilegiando o continente africano. Segundo o autor destacado, é para esse continente que os recursos financeiros acabam sendo direcionados, majoritariamente, até mesmo pela incapacidade financeira deste organismo para atender todas as demandas em escala mundial. Além de uma análise em alguns tratados referentes ao tema da desertificação, Verdum et al. (2002) faz um comparativo entre diferentes autores sobre esse assunto, destacando-se Goudie (1990), Rochette (1989), Mainguet (1995), Rapp (1974), Conti (1989) e Nimer (1980;1988). Neste caso, ele observa que não há um consenso entre esses autores, pois enquanto há congruência do ponto de vista dos critérios e escalas, os conceitos balizadores e as consequências do fenômeno são variáveis. Nesse contexto da discussão a cerca do fenômeno da desertificação, se apresenta um processo que ocorre na região sudoeste do Rio Grande do Sul. Conforme os autores consultados na realização do presente trabalho, o processo que ocorre nessa região não é condizente com as características da desertificação. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa será analisar o processo que ocorre nessa região, no sentido de precisar a conceituação mais adequada, bem como analisar a realidade e as alternativas apontadas para o processo.

Material e métodos

O presente trabalho foi desenvolvido a partir das discussões e abordagens temáticas realizadas na disciplina “Desertificação: questão ambiental” do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além das discussões e abordagens temáticas, também foram realizados trabalhos de campo. As discussões e abordagens temáticas foram feitas no sentido de compreender os processos que envolvem os conceitos de desertificação, bem como o processo que ocorre na região sudoeste do Rio grande do Sul. Os trabalhos de campo foram realizados nos dias 14/07; 15/07; 26/11 e 27/11/2017 nos municípios de São Francisco de Assis e Manoel Viana. Os trabalhos de campo foram realizados com o objetivo de fazer uma analise descritiva sobre os areais, bem como no sentido de registrar prováveis processos em desenvolvimento sobre os mesmos. Além disso, os trabalhos de campo também foram realizados no intuito de observar a relação das áreas de silvicultura (eucalipto) e sua relação com a recuperação dos areais. Nas atividades de campo se fez uso dos mapas de solos, geomorfológico, capacidade de usos do solo e o mapa geológico. Para os registros fotográficos foi utilizada câmera fotográfica.

Resultado e discussão

De acordo com Suertegaray (2011) o processo que existe no sudoeste do Rio Grande do Sul chamou mais atenção a partir da década de 70 do século XX, principalmente em um momento em que algumas pesquisas e a imprensa conceituavam-no como um deserto e o seu desenvolvimento como desertificação. De acordo com a autora citada, nesse período associa-se como causa do processo, as atividades antrópicas. A partir de uma análise sobre o documento da Conferência das Nações Unidas sobre a Desertificação de 1977, Suertegaray (1987) observa que a conceituação mais precisa para o processo do sudoeste do Rio Grande do Sul é o conceito de arenização. Essa conceituação se dá a partir de algumas observações sobre as características do clima daquela região, feitas por Suertegaray (1987). Conforme essa autora, o clima úmido com precipitações médias de 1400 mm/ano, e o fato de que nos locais do processo de arenização não haver propensão de mudança climática, reforçam o conceito de arenização ao invés de desertificação. A arenização é compreendida como uma expansão dos areais. Estes são conceituados como: “(...) uma área caracterizada por depósitos recentes, portanto inconsolidados em constante remoção pelo processo de arenização” (SUERTEGARAY, 2011, p.63). Na visão dessa autora, a arenização é um fenômeno natural, mas que pode ser intensificado pelas práticas antrópicas. Os areais compreendem um conjunto de áreas de solo exposto concentrados na região sudoeste do Rio Grande do Sul (SUERTEGARAY et al. 2005). Conforme essa autora, “nessa região do estado, os areais representam algo em torno de 3,67 km² (3663,00 ha). A estas são acrescidas 1.600 ha de áreas denominadas focos de arenização. Estas áreas representam 0,26% da área total dessa região” (SUERTEGARAY et al. 2005, p.136). Os areais compreendem o território de 10 municípios do sudoeste do Rio Grande do Sul, observe a Figura 1. Figura 1: municípios do SW/RS onde concentram-se os areais. Fonte: Mandião, 2013; adaptação: Dutra, 2017. A origem dos areais na região sudoeste do Rio Grande do Sul é relativa basicamente a dois fatores, a ação hídrica e eólica (SUERTEGARAY, 1987; 2011). O agente eólico é bastante atuante na região dos areais. Isso pode ser observado, através de trabalho de campo, no município de São Francisco de Assis/RS, observe a Figura 2. Figura 2: Ação eólica sobre o areal no município de São Francisco de Assis/RS. Fonte: Dutra, 2017. Observa-se nos registros fotográficos da Figura 2, as marcas da ação eólica. Nos registros fotográficos da Figura 2 (a; b), destaca-se uma camada de sedimentos sendo transportados pelo vento, enquanto que nos registros fotográficos dessa mesma Figura (c; d), é possível de se observar o processo de esculturação de feições sedimentares e de fragmentos rochosos, também provocados pela ação eólica. Em geral, os areais estão situados em ambientes geomorfológicos de morfometria com baixas altitudes e declividades, formado sobre unidades litológicas provenientes de depósitos arenosos e, portanto, são frágeis (SUERTEGARAY et al. 2005). Do ponto de vista morfográfico, os areais estão situados “(...) nas médias colinas ou nas rampas em contato com escarpas de morros testemunhos” (SUERTEGARY et al. 2005, p. 136). Segundo Suertegaray (1987), os areais são naturais, ainda que seja intensificado pela ação antrópica e dos animais. Nesse sentido, através de pesquisas históricas, Suertegaray (2011), comprovou a existência dos areais desde o período da colonização luso-espanhola. Ainda nesse sentido, Belanca (2001) citado por Suertegaray et al. (2005), também realizou estudo que comprova a naturalidade dos areais, através da identificação de sítios arqueológicos na região, onde concomitante a existência dos areais, produziu-se muitos utensílios como pontas de lança, cerâmicas, boleadeiras e outros objetos líticos. A formação e a expansão dos areais se dá basicamente a partir de três processos. Eles começam pela formação de degraus de abatimento, formação de ravinas e voçorocas, e por último, a ação eólica, que contribui para a sua expansão. (SUERTEGARAY, 2011). Através de trabalho in situ, observou-se que os processos erosivos em forma de ravinas e voçorocas são muito forte na região, favorecido pelas características do solo local (SUERTEGARAY, 2011). Conforme a autora referenciada, na região dos areais, predominam solos jovens e pouco desenvolvidos, os quais são classificados como Neossolos Quartzarênicos Órticos e, portanto, considera-se suscetíveis aos processos eólico e hídrico. Na região sudoeste do Rio Grande do Sul é muito comum a existência de processos erosivos em ravinas e voçorocas. Através de trabalho de campo realizado no município de São Francisco de Assis, pode ser observado e registrado a ação de muitos processos erosivos, a destacar ravinas e voçorocas, Figura 3. Figura 3: Ravinas e voçorocas no município de São Francisco de Assis/RS. Fonte: Dutra, 2017. Nos registros fotográficos da figura anterior, observa-se a dimensão dos processos erosivos na região. No local onde foram tomados os registros fotográficos, os processos erosivos estão em plena atuação. Isso pode ser testemunhado, devido ao solapamento das cabeceiras das ravinas e voçorocas, como também devido ao constante transporte de sedimentos pela ação hídrica nestas feições. Em alguns pontos do município de São Francisco de Assis/RS, através de trabalho de campo, foi observado que algumas voçorocas tendem a evoluir no sentido de antigos canais fluviais ou paleocanais. Observe a Figura 4 (a). No que diz respeito a evolução do processo de arenização, e de acordo com Suertegaray (2011), ao contrário do que se possa imaginar, o processo da arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul não tem expansão acelerada. Segundo a autora mencionada, enquanto em alguns municípios tem havido a expansão dos areais, em outros tem havido uma diminuição, o que contribui para a complexidade do fenômeno. No entanto, chama atenção que no caso da retração das áreas sob arenização, isso certamente está associado a introdução da silvicultura. Segundo Suertegaray (2011) a prática da silvicultura, por se tratar de uma vegetação exótica, acaba por retirar uma grande quantidade de nutrientes do solo, sem que exista a devolução desses nutrientes através da decomposição de galhos e folhas. Além do aspecto relatado, outro fator observado através de trabalho de campo na região dos areais, é que a silvicultura do eucalipto não impede a formação de sulcos. Essa consideração pode ser observada na Figura 4 (b). Conforme se observa no registro fotográfico da Figura 4 (b), na floresta de eucalipto não se desenvolve um extrato arbóreo inferior. Da mesma forma como esse tipo de vegetação não contribui para o desenvolvimento da flora, também não contribui para a fauna. A questão de aproveitar os areais com a silvicultura não é muito recente. A partir da década de 70 do século XX, o governo do Estado do Rio Grande do Sul passa a incentivar, através de parcerias com a iniciativa privada, a silvicultura nos areais (SUERTEGARAY, 2011). Conforme a autora citada, o projeto de Estado tinha como objetivo a industrialização daquela região, através da criação de indústrias moveleiras, de madeira e celulose. Em um outro momento, a partir de 2006, e também com o auxílio do governo do Estado, houve mais uma vez o incentivo para que as áreas sob o processo de arenização fossem aproveitadas com a silvicultura (SUERTEGARAY, 2011). Entre as alternativas possíveis para recuperação dos areais, destaca-se entre outras, a proposta de Rovedder (2007). Segundo a autora, a introdução do gênero Lupinus e o Lupinus Albescens Hook e Arn, é uma espécie de planta importante na recuperação dessas áreas devido a presença de algumas características, como folíolos e ramos muito pilosos além de substâncias resiníferas. Conforme a autora citada, essas características oferecem uma espécie de rusticidade a planta, o que a torna mais adaptada ao tipo de ambiente, e também contra o ataque dos animais.

Figura 1:

municípios do SW/RS onde concentram-se os areais. Fonte: Mandião, 2013; adaptação: Dutra, 2017.

Figura 2:

Ação eólica sobre o areal no município de São Francisco de Assis/RS. Fonte: Dutra, 2017.

Figura 3:

Ravinas e voçorocas no município de São Francisco de Assis/RS. Fonte: Dutra, 2017.

Figura 4:

Processo erosivo e silvicultura no município de São Francisco de Assis/RS.

Considerações Finais

A partir da discussão trazida nesse trabalho, pode-se afirmar que o fenômeno que existe no sudoeste do Rio Grande do Sul é a arenização. Um dos principais fatores tomados em consideração para essa conceituação é o clima, o qual é caracterizado como subtropical úmido. Com relação a expansão desse fenômeno na região, foi observado que existe uma pequena expansão dos areais. Num período de 15 anos, entre os anos de 1989 e 2004/05, Suertegaray (2011) observou que houve uma pequena expansão dos areais, ou seja, de apenas 3,04 hectares no período. Isso desmistifica a ideia de que este seja um fenômeno que venha se expandindo demasiadamente, a ponto de transformar a região sudoeste do Estado em um grande "deserto". Outro aspecto importante observado nesse trabalho é que o fenômeno da arenização existe independentemente da ação antrópica. Ainda assim, os autores referenciados são enfáticos ao afirmarem que as práticas intensivas da pecuária e agricultura, podem intensificar o processo. Nesse sentido, uma das alternativas viáveis para recuperação dos areais seria a introdução do gênero Lupinus e o Lupinus Albescens Hook e Arn, vide (ROVEDDER, 2007).

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES, pela bolsa de estudos que contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa.

Referências

MANDIÃO, A.G. Campos e areais no sudoeste do RS subsídio para a criação de unidades de conservação – Porto Alegre: UFRGS/PPGGea, 2013. [111 f.].

ROVEDDER, A. P. M. Potencial do Lupinus albescens Hook. e Arn. Para recuperação de solos arenizados do bioma pampa. Tese de doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciência do solo da Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, 2007.

SUERTEGARAY, D.M.A. A trajetória da natureza: um estudo geomorfológico sobre as areias de Quaraí, RS. São Paulo, SP. 1987. 243f. (tese de doutorado). Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Geografia, São Paulo, 1987.

SUERTEGARAY, D.M.A. VERDUM, R. BELLANCA, E.T. UAGODA, R.S. Sobre a gênese da arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul. In: Revista Terra Livre, n.24 (1): p.135-150, 2005.

SUERTEGARAY, D.M.A. Erosão nos campos sulinos: arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul. In: Revista Brasileira de Geomorfologia, v.12, n.3, p.61-74, 2011.

VERDUM, R; QUEVEDO, D; ZANINI, L; CANDIDO, L. Desertificação: questionando as bases conceituais, escalas de análise e conseqüências. In: Geographia, revista da pós graduação em geografia da UFF, ano 3, no 6. Niterói, 2002.

VERDUM, R. Tratados internacionais e implicações locais: a desertificação. In: GEOgraphia – Ano. 6 – Nº 11 - 2004.