Autores
Lima O., C. (UFSC) ; Oliveira, de, R.C. (UNICAMP)
Resumo
As áreas costeiras são consideradas naturalmente instáveis, devido ao fato de estarem em área de transição entre o continente e oceano e possuírem intensa dinâmica de processos com inúmeros fatores de interferência. Tendo como metodologia a Geoecologia da Paisagem, que busca solucionar os impactos causados pelas catástrofes, danos e crises ecológicas que surgem por conta das atividades humanas, o objetivo desse trabalho é demonstrar como a delimitação de unidades de paisagem pode servir de instrumento ao planejamento e gestão ambiental. Como resultado é apresentada a Carta de Unidades de Paisagem do município de Caraguatatuba-SP em escala 1:165.000, de acordo com a metodologia organizada por Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2004).
Palavras chaves
Geoecologia da Paisagem; Planejamento Ambiental; Caraguatatuba
Introdução
Por conta de sua localização em contato direto entre interações de atividades construtivas e destrutivas das águas oceânicas e das águas continentais as regiões costeiras caracterizam-se como zonas de transição com inúmeros fatores de interferência e enorme complexidade. Essa intensa dinâmica natural lhes confere grande fragilidade e vulnerabilidade frente aos processos naturais predominantes, tornando-as áreas naturalmente instáveis. O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro define zona costeira como 'o espaço geográfico de interação entre ar, oceano e terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e uma faixa terrestre', sendo elas reconhecidas como patrimônio nacional pela Constituição de 1988. (SMA/CEPLEA, 2005, p.9). Para Moraes (1999), o imenso leque de situações e processos que dão origem a uma configuração heterogênea das paisagens litorâneas faz com que seja necessário levar em consideração dois importantes fatores quanto a dinâmica das zonas costeiras: as divisões político-administrativas, que expressam a materialidade distinta do mundo natural e o padrão predominante do uso da terra, importante fator socioeconômico de qualificação de lugares. A história da ocupação humana do território demonstra que as áreas costeiras foram priorizadas em detrimento do interior, por apresentarem características particulares como sua morfologia significativamente plana, que facilita a fixação de comunidades e atividades agrícolas e localização privilegiada próxima ao oceano, facilitando a circulação de mercadorias. O litoral paulista como um todo tem experimentado grandes transformações nas últimas décadas, com processos de urbanização, muitas vezes desordenados com forte impacto não somente no meio ambiente como na sociedade. Com o aumento do processo de urbanização essas áreas passam a ter a paisagem configurada de acordo com as crescentes necessidades do homem, aumentando a instabilidade dos sistemas naturais e contribuindo para intensificar impactos ambientais e situações de risco, o que pode ser evidenciado a seguir. Sob o ponto de vista geomorfológico, a linha de costa se caracteriza por instabilidade decorrente de alterações por efeitos naturais e antrópicos, que se traduzem em modificações na disponibilidade de sedimentos, no clima de ondas e na altura do nível relativo do mar. O litoral e, especialmente, as praias respondem com mudanças de forma e deposição que podem ter conseqüências econômicas indesejáveis quando resultam em destruição de patrimônio ou em custos elevados, na tentativa de interromper ou retardar o processo de reajuste geomorfológico (MUEHE, 1995, p.254). Atualmente a contribuição do desenvolvimento turístico e o novo processo de transformação impulsionado por projetos como a exploração do pré-sal são responsáveis pela pressão por uso e ocupação do litoral vir aumentando cada vez mais, deixando de lado a importância de manter em equilibro os fatores ambientais controladores dos processos morfogenéticos, que passam a desempenhar o papel de fatores de risco, implicando na degradação da paisagem e dos ecossistemas além da inviabilização das atividades econômicas, o que causa problemas de ordem social. Dessa forma Muehe (1998) demonstra a necessidade de elaboração de diagnósticos específicos para cada área, visando não somente a identificação das causas, como também propondo medidas mitigadoras e de gerenciamento para os impactos ambientais. O sucesso desses diagnósticos somente ocorrerá uma vez que a análise da complexa interação entre sociedade e natureza seja realizada sob uma visão sistêmica capaz de interpretar o funcionamento dos elementos que regem os sistemas ambientais, entendendo que a ação do homem é um elemento ativo e participativo capaz de alterar as escalas do tempo e agilizar os processos naturais.
Material e métodos
A concepção dos Geossistemas surge com a aplicação da Teoria Geral dos Sistemas na Geografia Física, sendo que Christofoletti (1979) entende que eles representam a organização espacial resultante da interação entre os elementos físicos e biológicos da natureza. Já Sotchava (1977) entende o geossistema como um tipo de método analítico de estudo das formas naturais (físicas, ambientais e bióticas) em que a ação antrópica representa parte integrante e significativa de análise, sendo então necessário o estudo dos fatores naturais a luz dos fatores econômicos e sociais que influenciam os mesmos. Esse artigo focou na proposta de Rodriguez, et al (2004), de delimitação de unidades de paisagem, fundamentada nas argumentações de Sotchava (1977 e 1978), que afirma que a análise da paisagem deve ser realizada a partir do estudo dos geossistemas, cuja natureza passa a ser compreendida pelas conexões entre eles priorizando além da morfologia da paisagem e suas subdivisões, a análise de sua dinâmica, estrutura funcional e conexões. A unidade de paisagem representa uma porção ou subdivisão do Geossistema, composta por um conjunto de subsistemas com grau elevado de similaridade das características físicas e bióticas, bem como de sua dinâmica de funcionamento. Sua delimitação é de suma importância pois é a base para realizar o zoneamento ambiental, uma vez que será a partir delas e para cada uma delas que serão identificados os problemas ambientais para posteriormente propor normas individuais e específicas para o desenvolvimento de atividades e conservação do meio. Na primeira fase, de organização, foi delimitado o objeto, a área e a escala que foi trabalhada, no caso 1:50.000. Na segunda fase, de inventário, foi feito o levantamento dos dados naturais e socioeconômicos visando o entendimento da organização espacial e funcional dos sistemas, além da elaboração da cartografia básica, consistindo numa fase de fundamental importância para a definição, classificação e cartografia das unidades geoambientais. Durante essa fase foi elaborada e organizada a seguinte cartografia: topográfica, de hierarquia de drenagem, hipsométrica, clinográfica, de unidades geológicas, de cobertura vegetal natural, pedológica, geomorfológica, de uso e ocupação da terra, de evolução da mancha urbana; que posteriormente deu origem as Cartas Síntese de Sistemas Naturais e de Sistemas Antrópicos. Na terceira fase de análise, foi realizado o tratamento dos dados obtidos na fase anterior através da integração dos componentes naturais e socioeconômicos, permitindo a confecção das unidades geoambientais/de paisagem, a base referencial para a identificação dos setores de riscos e principais conflitos e impactos ambientais. Na quarta fase, diagnóstico, produziu-se a Carta de Unidades de Paisagem do município de Caraguatatuba, que identifica e diferencia as áreas homogêneas em relação a processos naturais e antrópicos, sintetizando os resultados obtidos na fase de análise e por esse motivo sendo considerada uma carta síntese, que possibilita a integração dos aspectos naturais e antrópicos. As unidades de paisagem foram delimitadas com base na dinâmica de fluxo de matéria e energia dos sistemas naturais, considerando as unidades de relevo, associadas a dinâmica de ocupação dos sistemas antrópicos, por meio da classificação da função da ocupação em categorias. Assim foi realizada uma junção das unidades de Topos, Escarpas, Morros Isolados e Planície Costeira com as diferentes categorias de uso antrópico: mata atlântica, mangue, restinga, praia, pasto, mineração e área urbana consolidada e inconsolidada, a serem discutidas mais adiante.
Resultado e discussão
As paisagens são consideradas ecossistemas antrópicos, que devem ser
descritos a partir da observação, e mais importante que isso, explicar os
processos naturais e humanos que se interligam e influenciam uns aos outros
de maneira a conceber uma considerável malha de características particulares
de uma determinada área.
A paisagem é concebida como um sistema integrado, no qual cada
componente isolado não possui propriedades integradoras, já que elas somente
são desenvolvidas através do estudo da paisagem como um sistema total.
Esse trabalho adotou a paisagem antroponatural, objetivando a
identificação da relação entre os efeitos das ações humanas em um sistema
natural de processo-resposta. Portanto, é imprescindível o entendimento da
noção escalar em que as categorias de paisagem encontram-se hierarquizadas
de modo a compreender uma classe taxonômica a partir da definição de
elementos delineadores, como salienta Bertrand (1968) “o sistema taxonômico
deve permitir classificar as paisagens em função da escala, isto é, situá-
las na dupla perspectiva do tempo e do espaço (...) a definição de uma
paisagem é função da escala.”
Essa classificação que leva em consideração tempo e espaço e que
prioriza a hierarquização das categorias de paisagem adquire cada vez maior
relevância nos dias atuais, uma vez que será a partir dela que será
elaborado o planejamento ambiental.
A área de estudo desse trabalho é o município de Caraguatatuba,
localizado no litoral norte do Estado de São Paulo, a cerca de 180 km da
capital paulista, fazendo divisa com os municípios de São Sebastião,
Ubatuba, Natividade da Serra, Paraibuna e Salesópolis, com acesso pela
Rodovia Tamoios (SP-099) e Rodovia Osvaldo Cruz (SP-125) (Figura 1).
A estância balneária do município possui cerca de 100.000
habitantes distribuídos em uma área de 484 km², representando o maior e mais
importante polo comercial do litoral Norte, além de constituir polo
turístico reconhecido pela beleza das praias e por fazer parte do Parque
Estadual da Serra do Mar, constituindo ainda reserva ecológica de espécies
da Mata Atlântica. (PMC, 2017)
Nesse sentido foram definidas 13 unidades de paisagem para o
município, com características semelhantes entre si, considerando a dinâmica
de funcionamento dos sistemas naturais e a funcionalidade dos sistemas
antrópicos de forma qualitativa, como pode ser observado no Quadro 1 abaixo.
A primeira delas (UP1) é a de topos com uso da terra composto por
Mata Atlântica, possui litologia relacionada com o complexo costeiro
compostas por gnaisses e granitos de alta coesão que fazem parte do cinturão
orogênico do atlântico. Os topos são divididos em três unidades principais
de acordo com sua altitude: topos (700-1.000m), topos dissecados (500-700m)
e topos aguçados (maiores que 1.000m) que apresentam as menores dimensões
interfluviais e vales encaixados com declividade entre 20 e 30%. (Figura 2)
As UPs 2 e 3 são compostas por morros residuais ou testemunhos, que
apesar de estarem desconectadas da porção serrana, ainda guardam suas
características, possuindo altitudes entre os 40 e 80m. Formas arredondadas
devido ao intemperismo om declividades que podem atingir os 20%. Compostas
por rochas do complexo costeiro com presença o que as diferencia é a
presença da cobertura vegetal da Mata Atlântica ou de área urbana
consolidada.
As Ups relacionadas as escarpas, 4, 5 e 6, caracterizam-se como
Zonas de transição entre os Topos e a Planície Costeira, apresenta 3
unidades principais: escarpas alongadas, com maior desenvolvimento
horizontal, escarpas festonadas cuja face está paralela ao Oceano e escarpas
interioranas. Possui os maiores desníveis altimétricos variando entre 20m e
500m de altitude com declividades entre 30 e 50%. O que as diferencia é o
uso da terra tendo a UP4 mata atlântica preservada, a UP5 a mineração e a
UP6 área urbana inconsolidada.
Já as Ups da Planície Costeira são as porções mais baixas e planas
do território com altitudes até no máximo 20m e declividades que não
ultrapassam os 3%. Está dividida entre Terraço Marinho, Planície Marinha e
Planície Fluvio-Marinha. As formas de relevo mais comuns são os antigos
meandros e os cordoes litorâneos em substrato de Depósitos Fluviais Atuais;
Depósitos Marinhos Holocênicos; Depósitos coluviais de baixada e
paleolagunares holocênicos a atuais; Depósitos mistos (aluviais e coluviais
de baixada) holocênicos a atuais; Depósitos Marinhos Pleistocênicos;
Depósitos coluviais, tálus e leques aluviais pleistocênicos a atuais. Os
diferentes uso da terra encontrados nessa porção distinguem as diferentes
unidades de paisagem sendo mangue (UP7), restinga (UP8), praia (UP9),
agropecuária (UP10), área urbana consolidada (UP11), área urbana
inconsolidada (UP12) e mineração (UP13).
Localização do municipio de Caraguatatuba-SP
Unidades de Paisagem do município de Caraguatatuba-SP.
Mapa de Unidades de Paisagem do municipio de Caraguatatuba-SP
Considerações Finais
Foi possível observar a existência de duas dinâmicas físicas principais na área de estudo, uma caracterizada pela unidade do Cinturão Orogênico, a qual apresenta as maiores altitudes e declividades, dispersando e transmitindo fluxo de energia para a outra unidade das Bacias Sedimentares Cenozóicas, que apresenta menores altitudes e declividades se caracterizando como zona em geral receptora do fluxo de energia e matéria. Além disso, observou-se que a dinâmica de ocupação é dada em função do relevo uma vez que as planícies costeiras são intensamente ocupadas e as zonas de planaltos quase não possuem moradias, por se tratarem de áreas de preservação. Já a zona intermediária das escarpas da Serra do Mar se constitui como área extremamente frágil e que vem sendo ocupada cada vez mais.
Agradecimentos
FAPESP
Referências
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CHRISTOFOLETTI, A. Análise de Sistemas em Geografia. São Paulo, Hucitec: ed. Da Universidade de São Paulo, 1979.
MORAES, A. C. R. de. Contribuições para a Gestão da Zona Costeira Brasileira. Edusp/Hucitec: São Paulo, 1999.
MUEHE, D. Geomorfologia Costeira in: Guerra, A. J. T.; Cunha, S.B. Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Bertran Brasil, Rio de Janeiro, 1995.
MUEHE, G. de C. O Litoral Brasileiro e sua Compartimentação. IN: CUNHA, S. B. e GUERRA, A. Geomorfologia do Brasil, Rio de Janeiro, Bertrand Brasileiro, 1998.
PMC – Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Caraguatatuba. Informações sobre o município de Caraguatatuba. 2017.
RODRIGUEZ, J. M. M.; SILVA, E. D.; CAVALCANTI, A. P. B. Geoecologia da paisagem: uma visão geossistêmica da análise ambiental. Fortaleza: EDUFC, 2004.
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DE SÃO PAULO. Zoneamento Ecológico-Econômico - Litoral Norte. São Paulo: SMA/CPLEA, 2005.
SOTCHAVA, V. B. O Estudo de Geossistemas. Métodos em questão. IG-USP. São Paulo, 1977.
SOTCHAVA, V. B. Por uma teoria de classificação de geossistemas de vida terrestre. Biogeografia. IG-USP. São Paulo, 1978.