Autores
Figueiredo Barbosa, A.R. (UFAC) ; Lima Santos, W. (UFAC) ; Castro do Nascimento, F.I. (UFAC)
Resumo
O estado do Acre não está inerte a ocorrência de sismos devido a sua localização periférica aos Andes. O objetivo desta pesquisa foi, pioneiramente, catalogar e caracterizar espacial e temporalmente os terremotos ocorridos no Acre, a partir da década de 1950. Fez-se uma ampla revisão da literatura sobre as temáticas abordadas e a catalogação dos eventos a partir da base de dados da USGS. Espacializou-se os eventos sísmicos com o uso do software Qgis for Windows. Desde o ano de 2007, detectou-se cerca de 40 terremotos. Em 2015 foram 17 ocorrências e, desses, 13 (76%) atingiram o município de Tarauacá/AC, localizado no noroeste do Estado do Acre, onde se registrou o tremor mais forte (7.6°). Concluiu-se que o município de Tarauacá/AC é a localidade mais atingida por terremotos no Acre, possivelmente, devido à falhamentos (verificou-se a divisão do Acre em duas placas - Juruá e Purus) que facilitam a dispersão das ondas sísmicas, fato que será investigado com a continuidade da pesquisa.
Palavras chaves
Geomorfologia Estrutural; Neotectônica; Atividade Sismogênica
Introdução
O estado do Acre não está inerte a ocorrência de sismos, principalmente devido a sua localização periférica aos Andes e sua proximidade com a Placa de Nazca e Sul-Americana, o que já reflete na dinâmica das formas de relevo Acreana, desde seu processo de formação. Prova disso, é o fato de todos os anos, com base nos dados do Serviço Geológico Norte-Americano (USGS) ser detectados terremotos no Acre, sem, no entanto serem estudados ou identificados as suas consequências na superfície. Partindo desse princípio, buscamos explicações para tais fenômenos, para entendermos melhor a dinâmica dos abalos sísmicos que a região vem apresentando continuamente, com uma intensificação nos últimos anos, assim como, identificar os locais de maiores ocorrências no Estado do Acre. O objetivo desta pesquisa é iniciar as catalogações pioneiras em escala espacial e temporal dos terremotos ocorridos no Acre, a partir da década de 1950 aos dias atuais, caracterizando-os quanto à frequência, intensidade, profundidade e local de ocorrência (hipocentro), tempo de retorno, localidade espacial mais atingida (epicentro) e diagnóstica de alterações em superfície a partir de incursões em campo. Foi possível também buscar dados remotos de terremotos que ocorreram na Região Amazônica a partir do século XVII e a obtenção de mapas desse período. O Estado do Acre tem sua estrutura de relevo representada pela Depressão Amazônica, pelo Planalto Rebaixado da Amazônia Ocidental e pela Planície Amazônica. Caracterizados, respectivamente, por uma extensa superfície rebaixada, baixos platôs e grandes áreas alagadiças e lagos. Esses tipos de unidades de relevo só serão encontrados com essas especificidades no Acre, o que influenciara no padrão de drenagem e vegetação serem diferentes de todas as outras unidades de relevo da Amazônia e consequentemente do Brasil. Além disso, o uso do solo no Acre, apesar de ainda ter muita floresta, o desmatamento já atingi grande parte do estado, sendo que alguns sismos foram detectados em áreas de uso do solo com a presença de pastagem, fato que deve ser considerado, pois o relevo está intrinsicamente ligado ao uso da terra, o que influenciara principalmente no processo de erosão e escoamento, podendo em longo prazo formar grandes Voçorocas. O estudo dessa temática tem sua importância por ser pioneiro no estado, como podemos ver os últimos anos, foi de grande acentuação de movimentos tectônicos, o que implica uma maior atenção para futuras pesquisas que venham trazer dados de acompanhamento da intensificação ou regressão desses sismos no Acre. Esperasse que o estado possa está fazendo políticas públicas de intervenção de futuros terremotos de maior magnitude que possa acarretar em danos materiais e a vida dos acreanos.
Material e métodos
A pesquisa envolve o Estado do Acre e foi dividida em etapas, conforme descritas a seguir. ETAPA 1: Realizou-se uma ampla revisão da literatura sobre as temáticas abordadas, para isso utilizamos vários autores referencias nessa temática (CHRISTOFOLLETI, 1981; BERROCAL et al, 1984; SCHROEDER, 2006; ALLEN, 2011; ASSUMPÇÃO, 2011). ETAPA 2: Realizou-se a identificação e registros dos terremotos a partir do século XVII (BERROCAL et al, 1984). Após, coletou-se em modelo Excell for Windows na base de dados do USGS os sismos e terremotos ocorridos a partir de 1950 a 2016, separando os dados estatísticos do Acre e entorno com o Peru em tabelas, e uma somente do Acre. Posteriormente, a partir da visualização dos dados, foi dado enfoque para o município de Tarauacá/AC. ETAPA 3: Elaborou-se a classificação dos sismos que abrangeram exclusivamente o Acre, separando os dados de acordo com as suas características principais, como, frequência, intensidade, magnitude, profundidade, tempo de retorno e localidades atingidas. Após, foi realizada uma inferência estatística com testes de probabilidade na tentativa de identificar a frequência com que ocorrem os sismos, além dos testes de significância para comprovar, ou não, possibilidades de alteração na superfície a partir da ocorrência do fenômeno, conforme a metodologia de Assumpção (2011). ETAPA 4: Realizou-se pesquisa secundárias em jornais e revistas que noticiaram os sismos que atingiram o Acre, e a repercussão desses processos para a população. ETAPA 5: No período de 11 a 15 de maio de 2017, realizou-se visita à campo para identificar principais efeitos dos sismos em superfície, notadamente na zona rural do município de Tarauacá/AC. Nesta etapa, fixou-se estacas para monitorar a movimentação de massa decorrente dos sismos em três localidades consideradas significativas para a pesquisa, esta que deverá ter continuidade por tratar-se de fenômenos lentos e de expressão em superfície que necessitam ser investigadas. Portanto, selecionou-se no campo algumas localidades para futura investigação sobre os efeitos dessa movimentação crustal em superfície que poderá indicar se os movimentos sismicos estão afetando na criação de vales e no escoamento superficial, como também na movimentação de massa e no tipo de uso da terra. ETAPA 6: Realizou-se o mapeamento, interpretação e espacialização dos dados com o uso do software Qgis. Esta etapa foi considerada vagarosa, considerando-se que no Acre há muitos erros de projeção cartográfica, sendo necessário transformar coordenadas de graus decimais para coordenadas planas, e, após, necessariamente transformar de Coordenadas Planas UTM para Geodésicas, possibilitando resolver o problema de projeção, espacializar e demonstrar em mapa. No processo de transformação das coordenadas foi utilizada a calculadora geográfica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disponível sítio eletrônico do Departamento de Geodésia do Instituto de Geociências (IGC, 2017).
Resultado e discussão
Partindo do princípio que a terra está em constante modificação,
buscando seu equilíbrio isostático, no Acre não é diferente e os fatores
endógenos e exógenos são atuantes no meio, transformando a crosta e as
formas de relevo acreano. A execução do presente projeta de pesquisa foi
extremamente necessária, considerando-se o vazio existente de dados que
possibilitassem, ao menos, visualizar a quantidade de sismos que já foram
registrados nesta parte da Amazônia. Assim, conforme demonstrado na tabela
1, apresenta-se os registros de sismos ocorridos no Acre, desde o início do
século XX (1916 a 1970), conforme Berrocal et al (1984).
Tabela 01. Sismos no Acre anteriores a classificação da USGS
Ano Local Classificação
1916 Cruzeiro do Sul Acre C
1922 Xapuri Acre E
1954 NW Acre I
1960 W do Acre I
1960 W do Acre I
1965 NW do Acre I
1967 Acre I
1968 W do Acre E
1970 Serra do divisor Acre I
C= Sismo com informações certas sobre sua ocorrência, algumas vezes
permitindo avaliar intensidades observadas, porém não possibilitando
determinar a área afetada nem o epicentro com precisão.
E=Tremor sentido no Brasil como efeito do sismo distante, ocorrido na região
andina.
I =Dado Instrumental
Fonte: Berrocal et al (1984). Adaptado pelo autor (2017).
Segundo Assumpção (2011), a localização e a proximidade com a cadeia
andina favorece uma série de fenômenos de movimentação da crosta,
suficientes para deslocar a massa continental em forma de terremotos. Assim,
os terremotos são advindos do movimento das placas tectônicas que estão nas
proximidades do Acre, a placa de Nazca e Sulamericana, esses fatores fazem
do Acre um local propício para esses eventos sísmicos, temos que considerar
também as proximidades com as cadeias andinas.
Desta Forma, Allen (2011), destaca que o estado do Acre está em uma
localização estratégica, que lhe insere numa perspectiva de se estabelecer
diversos abalos, em sua maioria imperceptível, mas que dependendo da
magnitude trás preocupação ao poder público e à sociedade.
Partindo dessa problemática, demonstraremos os dados de localização dos
terremotos que atingiram o Acre, frequência, intensidade, magnitude,
profundidade e o tempo de retorno, no período de 1950 a 2016.
Com base nos dados do gráfico 01, podemos inferir que a dinâmica dos
terremotos no Acre, teve um processo de intensificação nos últimos anos, com
17 terremotos somente em 2015, sendo desta forma o ano de maior atividade
tectônica no Estado, tendo em 2015 o seu ápice. A ocorrência deste terremoto
de maior intensidade em 2015, que foi sentido em todo o estado do Acre,
deixou a sociedade em geral preocupada, uma vez que o Acre não tem nenhum
mecanismo de preparo para prevenir os danos que possam advir de possíveis
terremotos de maior magnitude, ou mesmo que ocorra em menor profundidade.
Um dos fatores que devemos considerar para a segurança dos Acreanos é o fato
de a maioria dos sismos acontecerem em altas profundidades da crosta, e os
que acontecem próximo a crosta terrestre são de baixa intensidade como
podemos ver no gráfico 01.
No mapa 01 abaixo, verifica-se a região com maior incidência de
sismos no Estado do Acre, demonstrando-se uma sequência de eventos que, a
julgar pelo comportamento, trata-se de uma área que possivelmente apresenta
falhamentos na crosta e que delimita ao meio o vale do Tarauacá-Envira e
divide geologicamente o vale do Juruá isolando-o do Vale do Purus.
O mapa 01 trás os pontos de ocorrência dos sismos que ocorreram no
durante o período de 1950 a 2016, com base nos dados da USGS. Assim, está
localizado em sua maioria em Tarauacá/AC, Feijó/AC outros na divisão entre
Acre e Peru. Assim, os pontos de ocorrência no sul do município de Feijó/AC
e na maior parte de Tarauacá, compreendendo desde sua área urbana e chegando
até mesmo a atingir o perímetro urbano da cidade, o que pode ser o indicador
de um processo de falha ocasionado pelo movimento da crosta (Fig. 01).
Assim, sobre a magnitude que os dados demonstram podemos perceber,
uma média de todos os sismos de 5° na escala Richter, com maior intensidade
de 7.6º e com menor intensidade registrando 3.4°. Sendo que, 37.5% desses
terremotos apresentaram magnitude superior a 5° na escala Richter e 62.5%
apresentaram sismos com magnitude inferior a 5°. Os sismos que ocorreram no
Acre de maior intensidade advêm do Peru, com hipocentros ocorrendo a 600
quilômetros de profundidade o que tende a diminuir os efeitos das ondas
sísmicas em superfície, mas amplia seu alcance. Isso explicaria o fato de
terremotos ocorrerem no Peru e serem sentidos no Acre, visto que quanto
maior a profundidade que o sismo ocorre maior é sua capacidade de propagação
da onda, o que explica o fato de acontecerem com maior intensidade no Peru e
ter seu alcance chegando ao Acre, especificamente em Tarauacá/AC e Feijó/AC.
Pesquisas futuras poderão apontar se houve modificação no relevo acreano a
partir desses terremotos.
Logo, ocorreram períodos de maior magnitude no período de 2015, com
um evento chegando à marca de 7.6° e outro de 6.7º. Já em 1950 e 1963
ocorreram sismos com magnitude superior a 6, já em 1989 e 2002 registou-se
7.1 e 6.9 respectivamente. O que vem demonstrar que há ocorrência de picos
de maior intensidade de magnitude. No entanto, há o predomínio de pequenos
sismos (cerca de 62,5%) que, na maioria das vezes, são originados de sismos
maiores em altas profundidades que tende a espalhar e atingir locais mais
distantes com intensidade inferior.
A frequência dos terremotos a partir de 2010 tem se intensificado, o
que mostra os dados do gráfico 01. Foram registrados, ao todo, 21 terremotos
no período de 2013 a 2016, mostrando ser o período de maior atividade
sísmica no Acre e o de menor intensidade no que corresponde a década de 50 e
60, que segundo a USGS, só foi possível a captação de dois terremotos, tendo
novamente seu período de retorno somente na década de 80, que foram
detectados 8 tremores no decorrer da referida década. Na década de 1990
foram registrados 5 eventos sísmicos, tendo destaque o ano de 1997 que foram
registrados 3 sismos. Na década seguinte (2000-2010) foram registrados 12
sismos e, por último, no curto período de 2013 a 2016, registrou-se 21
tremores. Desta forma, é perceptível que a partir de 1980 esses processos
tem se intensificado gradativamente, com alguns picos de maior intensidade
sísmica. Como já foi dito, em 2015 foi o ano de maior ocorrência. Pelos
dados iniciais da pesquisa, não podemos dizer que há um tempo de retorno
específico, mas que há um processo de intensificação nesses processos na
crosta ao longo dos anos.
Sobre a perturbação sedimentar, esta ocorre no Acre e é possível
identificar na forma de sismitos, visto que são fenômenos registrados
anteriores a 1950. Desta forma, os regolitos acreanos são compostos
essencialmente por material de origem sedimentar, o que um abalo superior a
5° poderia está influenciando esse processo. Grande parte dos cientistas que
interpreta os SSD como sismitos, apesar de algumas opiniões contrárias,
considera que só um sismo com magnitude igual ou superior a 4,5 na escala de
Richter pode deixar registro de perturbação sedimentar.(Neuwerth et al.,
2006; Price, 1988; Neuwerth, 2006, apud Gomes, 2013, p. 127).
No que compete à pesquisa a campo, foi possível visitar localidades
mais próximas possíveis do epicentro, pois são locais de difícil acesso. No
campo, há necessidade de monitoramento contínuo, com medidas de vertentes
pré-estabelecidas para, posteriormente, concluir com mais clareza quais os
efeitos diretos e indiretos dos sismos na composição do relevo, nos
sedimentos e na formação de vales no Acre.
Dinâmica dos terremotos que ocorreram no Acre dividido por ano, profundidade e magnitude.
O mapa 01, trás os pontos de ocorrência dos sismos que ocorreram no durante o período de 1950 a 2016 e os locais de maior abrangência.
Dados dos sismos a partir de 1950 a 2017 com Magnitude de 4.5° a 8°, representado os locais que foram atingidos com maior ou menor intensidade.
Considerações Finais
Com base nos dados levantados a partir da pesquisa, podemos inferir que o Acre passa, sim, por uma zona de terremotos que atinge a crosta acreana, e tem se intensificado nos últimos anos, sendo que ao todo desde 2007 foram detectados mais de 40 terremotos. Em 2015, foram 17 ocorridos principalmente na cidade de Tarauacá/AC que fica à Noroeste do Estado do Acre, tendo seu ápice de terremotos detectados em 2015, apresentando o tremor mais forte já detectado na localidade, com magnitude de 7.6° na escala Richter, a 211 km do sul de Tarauacá. Esta característica confere ao município de Tarauacá/AC a localidade mais atingida por terremotos no Estado do Acre, possivelmente, devido à falhamentos na crosta que facilitam a dispersão das ondas sísmicas naquela região, dividindo-se geologicamente o Vale do Juruá do Vale do Purus pelas ocorrências de tectônica e formas de relevo diferenciadas que apresentam essas duas regiões, onde podemos denominar de Placa do Juruá e a Placa do Purus, ambas de abrangência acreana. Desta forma, esperamos que essa pesquisa possa contribuir com futuras intervenções e avanços em estudos com essa temática, visto que esse trabalho é pioneiro no Acre e necessita, sim, ter continuidade para fomentar políticas públicas capazes de amenizar os efeitos de possíveis eventos sísmicos nesta parte da Amazônia acreana.
Agradecimentos
A UFAC pela concessão da Bolsa PIBIC!
Referências
ALLEN, R. “Os Poucos Segundos que Precedem um Grande Terremoto”, in Scientific American Brasil, 108, 2011, pp. 38-43.
ASSUMPÇÃO, M. Terremotos e a convivência com as incertezas da natureza. Revista da USP, São Paulo, n.91, p. 76-89, setembro/novembro, 2011.
BERROCAL, J. et al, Sismicidade do Brasil, Instituto Astronômico e Geofísico Universidade de São Paulo, Ed, Esperança, São Paulo, 1984.
CHRISTOFOLLETI, A. Geomorfologia. 2ª ed. São Paulo: Edgar Blucher, 1981.
ISC. International Seismological Centre, EHB Bulletin, Internatl. Seis. Cent., Thatcham, United Kingdom, 2011.
GOMES, João Araújo Deformações em Sedimentos Finos não Consolidados Interpretadas como Sismitos. Finisterra, XLVIII, 95, 2013.
RHOADS, B.L.& THORN, C.E. (eds.). The scientific nature of geomorphology. New York: John Wiley & Sons Ltd, 1996.
SCHROEDER, G.S. Análise Tectônica da Bacia do Itajaí. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geociências, 2006.
TRZASKOS, B; VESELY, F.F.; ROSTIROLLA, S.P. Eventos Tectônicos Recorrentes Impressos no Arcabouço Estratigráfico do Grupo Itararé na Região de Vila Velha, Estado do Paraná. Boletim Paranaense de Geociências, n. 58, p. 89-104, 2006.
UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY (USGS). Disponível em: https://earthquake.usgs.gov/earthquakes/map/ Acesso em 30 jul/2016.
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS – IGC. Departamento de Geodésia. Curso de Engenharia Cartográfica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/engcart/Teste/transf_coord_4.php Acesso em 07 Jun./2017.