Autores
Martins, F. (UFMG) ; Salgado, A. (UFMG)
Resumo
A rede de drenagem quando correlacionada com diversos outros aspectos do meio físico - litotipo, estrutura, coberturas superficiais e relevo - permite inferir considerações para além da dinâmica de escoamento, mas, também, da morfogênese de paisagens. Considerando suas características como importante meio para análise da gênese de relevo, intuiu-se estudar, de maneira preliminar, esses aspectos ao sul das Chapadas do Rio São Francisco. A unidade chapadas do Rio São Francisco é classificada pelo IBGE (2006) como a maior unidade de relevo do tipo chapada em território brasileiro e, devido à sua grandeza espacial, este trabalho limita-se ao sul da mesma. Assim, os dados demonstraram que a característica da rede de drenagem nessa região está principalmente associada à disposição dos lineamentos estruturais. Isso ocorre principalmente nos cursos de menores ordens.
Palavras chaves
Rede de drenagem; Chapadas; Litoestrutura
Introdução
A rede de drenagem e sua configuração é extremamente susceptível a rearranjos considerando aspectos diversos do meio físico. Por isso, sua análise fornece indícios que vão além dos aspectos associados diretamente ao escoamento superficial, mas, também, permite inferir considerações acerca de diversos outros parâmetros ambientais. Dentre os aspectos hidrográficos, tem-se a densidade de drenagem, a qual é definida por Horton (1945) como o comprimento médio de rios por unidade de área e foi reconhecida como um dos mais importantes parâmetros da análise morfométrica de bacias hidrográficas. A dinâmica infiltração e deflúvio que caracterizam a Dd estão determinados por fatores que vão além do regime de chuvas e do relevo, mas que abrangem, também, a capacidade de infiltração das coberturas superficiais e a resistência litológica frente aos processos do ciclo supérgeno. Contudo, Hiruma & Ponçano (1994) destacaram que a tentativa de se correlacionar a Dd com os fatores do meio físico é complexa, visto que tais variáveis interagem concomitantemente e com diferentes pesos. Além disso, para melhor correlacionar a drenagem com as variáveis do meio físico, fatores de assimetria de bacia se mostram úteis na associação com a estrutura geológica. Tendo por base as premissas acima expostas, pretende-se neste trabalho investigar a disposição da rede de drenagem frente aos aspectos físicos, tais como, litoestrutura, coberturas superficiais e níveis planálticos no extremo sul da unidade de relevo Chapadas do Rio São Francisco. No que se refere à área de estudo, dentre as oito unidades classificadas como do tipo chapada pelo IBGE (2006) esta é a maior, em termos de extensão espacial, com 139.186,8 km2. Por isso, devido à sua grandeza espacial, foi selecionada para este trabalho apenas a porção sul desta unidade (Figura 1). Assim como o mapeamento geomorfológico do IBGE (2006), Martins & Salgado (2017) classificaram a região dentro do conceito de chapadas, em que, a unidade está composta por diversas formas de relevo alçadas na paisagem e que se destacam altimetricamente em relação ao seu entorno devido a uma ruptura de declive bem marcada. Esses planaltos, relativamente menos dissecados, correspondem a uma porção da superfície de cimeira regional correlacionável à Superfície Sul-Americana de Valadão (1998). A região é composta pelas coberturas fanerozóicas que abrangem a bacia sedimentar Sanfranciscana, inserida no cráton São Francisco. Os litotipos aflorantes correspondem a associações rochosas neoproterozóicas do Grupo Bambuí e espessas coberturas cretáceas que compõem os grupos Areado e Mata da Corda. Já as unidades terciárias datam do Neógeno e correspondem às coberturas detrítico-lateríticas. O Grupo Bambuí é relacionado ao desenvolvimento de um ambiente marinho plataformal (FRAGOSO et al., 2011). Em uma segunda etapa de sedimentação, relacionada ao estiramento crustal produzido durante a abertura do Atlântico Sul no Eocretáceo, originou-se uma bacia receptora na forma de graben-horst, onde se depositaram as unidades do Grupo Areado, que corresponde a uma sedimentação predominantemente continental (FRAGOSO et al., 2011). No Cretáceo Superior, o vulcanismo Mata da Corda e suas litofácies sedimentares representam a reação tectônica que ocorreu na bacia Sanfranciscana, afetando o Arco do Alto Paranaíba (TRINDADE et al., 2006). Esse vulcanismo teve grande atividade magmática e produziu rochas vulcânicas (efusivas e piroclásticas) ultramáficas alcalinas, e rochas epiclásticas, originadas a partir da erosão dos edifícios vulcânicos (FRAGOSO et al., 2011). No que se refere às coberturas superficiais, a área de estudo possui quatro principais classes de solo, sendo Latossolo Vermelho e Latossolo Vermelho- Amarelo; Neossolos, Cambissolos e, em menor proporção Argissolos. De modo geral, os latossolos estão sobre as formas de relevo tabulares, enquanto as demais classes pedológicas estão distribuídas nos vales que separam essas geoformas.
Material e métodos
A metodologia desta pesquisa está dividida em quatro eixos principais com análise integrada dos respectivos aspectos e métodos: (i) análise da litologia e da morfoestrutura via mapeamento temático; (ii) estudo da estruturação e dos padrões da rede hidrográfica e (iii) levantamento de parâmetros morfométricos. Para o desenvolvimento das análises, foi realizado o levantamento e organização da documentação cartográfica básica que corresponde a cartas geológicas da CODEMIG, na escala de 1:100.000: Carmo do Paranaíba, Serra Selada e São Gotardo referentes ao Projeto do Alto Paranaíba. Nesta etapa foi possível adquirir a litologia, estruturas e hidrografia em shapefile. Ao passo que, para contemplar toda a área de estudo, foi necessário utilizar a carta topográfica Dores do Indaiá referente ao Projeto São Francisco, no qual foi necessário extrair, por meio de vetorização manual, a litologia, estruturas e hidrografia. Na caracterização e análise litoestrutural foram utilizados as bases vetoriais referentes aos planos de informação temáticos de litologia e lineamentos estruturais anteriormente adquiridos por meio do acervo do Portal da Geologia da CODEMIG. Os parâmetros morfométricos foram calculados a partir do Modelo Digital de Elevação, especificamente SE-23-Y-D e SE-23-Y-B, Projeto TOPODATA-INPE, (Valeriano & Rosseti, 2012) com resolução espacial de 30m. A partir da organização da base cartográfica da área de estudo, foram realizadas as análises espaciais com ferramentas específicas dos Softwares ArcGIS 10.1, SPRING 5.2.1 e MATLAB, em que foram gerados os respectivos parâmetros: : (i) densidade de drenagem (Dd); (ii) (Dl) densidade de lineamentos (Vilela & Matos, 1975); (iii) Fator de Assimetria da Bacia de Drenagem (FABD) (Hare & Gardner, 1985); (iv) Fator de Assimetria Topográfica Transversal (FSTT) (Cox, 1994) e; (v) perfis topográficos. A seleção das bacias para análise de FSTT e FABD se deu naquelas cujo exutório estava no limite da unidade de relevo das Chapadas do Rio São Francisco (IBGE, 2006) totalizando uma quantidade de 18 (dezoito) bacias hidrográficas, sendo 11 cursos d’água afluentes do Rio Paraná e 7 do Rio São Francisco. Foram considerados como curso principal das bacias hidrográficas os cursos assim classificados pelas cartas topográficas do IBGE. Entretanto, quando este não se encontrava mencionado, foi selecionado o curso de maior extensão e, em último caso, a hierarquia dos canais.
Resultado e discussão
A Dd varia de 0 a 3,2 km/km2, enquanto que a Dl varia de 0 a 1,24 85km/km2.
De acordo com Swami (1975), Dd com índices em torno de 0,5 km/km2 indicaria
uma drenagem pobre e índices maiores que 3,5 km/km2 indicariam bacias
excepcionalmente bem drenadas. Beltrame (1994) acresce faixas
intermediárias, em que de 0,50 a 2,00 km/km2 a Dd é mediana e de 2,01 a 3,5
km/km2 a mesma é alta. Assim, a área de estudo possui um sistema de drenagem
imperante mediana, seguida por Dd pobre e menor em termos de Dd alta. Em
associação com o mapa hipsométrico e de Dl, a área com sistema de drenagem
pobre localiza-se sobre as chapadas, enquanto as áreas localizadas entre os
platôs varia de mediana a alta, locais onde, também, há maior quantidade de
lineamentos (Figura 1).
No que se refere aos diagramas de rosetas, a rede de drenagem possui direção
diversificada, com frequência absoluta a NW-SE, em N40W e N70W, com
comprimento absoluto ainda mais heterogêneo. Os lineamentos estruturais
demonstram frequência absoluta com direção preferencial de NW-SE. No
comprimento absoluto a deflexão de NW-SE é mantida (Figura 1).
As rosetas de hidrografia e dos lineamentos demonstram uma correlação entre
ambas as variáveis. Assim, em grande parte da área, os locais com maior
quantidade de falhas e fraturas correspondem aos com maior instalação de
cursos d’água, o que demonstra serem essas feições geológicas facilitadoras
do escoamento superficial da drenagem qualitativa e quantitativamente. Isso
está evidenciado não apenas nos diagramas de roseta, os quais demonstram
influência na qual a direção preferencial da drenagem está em acordo com a
dos lineamentos, mas também nos dados de densidade de Kernel, que mostram
aumento proporcional entre a Dd e a Dl dentro do recorte espacial estudado.
O controle tectônico na organização da rede de drenagem também pôde ser
corroborado pelo desenvolvimento de drenagem com caráter subsequente ao
longo das estruturas de direção NW-SE e W-E.
Quanto à análise do FSTT as 11 sub-bacias hidrográficas do rio Paraná
permaneceram com média entre 0,01 e 0,49 e desvio padrão entre 0,15 a 0,38.
Já as 7 sub-bacias do Rio São Francisco apresentaram média do FSTT entre
0,11 a 0,48 e desvio padrão entre 0,18 a 0,38. Conforme Salamuni (1998),
esse parâmetro pode ser dividido em muito fraco (0-0,2), fraco (0,2-0,4),
moderado (0,4-0,6), forte (0,6-0,8) e muito forte (0,8-1,0). Ou seja, os
valores de FSTT demonstraram que o comportamento dos canais principais
analisados em relação ao arcabouço geológico possui fraca a média
assimetria. Contudo, algumas sub-bacias apresentaram valores de desvio
padrão mais elevadas, indicando que alguns seguimentos locais dos rios
apresentam assimetria mais alta.
Esses dados se contrapõem ao discutido anteriormente (correlação entre Dd e
Dl), e isso pode estar associado ao fato de que os canais mais influenciados
pela estrutura não são os canais principais das sub-bacias selecionadas, mas
sim os seus afluentes, de menor ordem. Assim, os afluentes são responsáveis
por uma retomada erosiva sobre as chapadas.
No que se refere ao FABD, entre os afluentes do rio Paraná 18,18 % indicaram
valores entre 45 e 55 (baixo grau de migração), 36,36% entre 55 e >65
(migração para esquerda) e 45,45% entre 45 e <35 (migração para direita).
Quanto ao FABD dos afluentes do rio São Francisco, 28,5 % indicaram valores
entre 45 e 55 (baixo grau de migração), 42,85% entre 55 e >65 (migração para
esquerda) e 28,5% entre 45 e <35 (migração para direita) (Figura 2). Assim,
nota-se uma heterogeneidade nas direções de migração dos canais.
Na bacia do Paraná, há um maior caimento para a margem direita das bacias de
número 10, 12, 13, 14 e 15. A bacia de número 13 tem seu curso principal
influenciado diretamente por lineamentos estruturais, sendo que as demais
bacias não tem seu canal principal sobre lineamentos, mas sim os seus
tributários, os quais, por influência estrutural, desaguam adentrando mais
para a direita da bacia e por isso, moldam o canal principal. A bacia de
número 10 não possui um controle estrutural evidente, além disso, a partir
do médio, rumo ao alto, curso não foram verificados tributários em sua
margem direita, ao passo que a identificação de ângulos retos em seu curso
principal pode dar indícios de capturas fluviais. Já os afluentes do rio
Paraná com basculamento para esquerda (bacias de número 9, 16, 17 e 18) não
demonstraram encaixamento em lineamentos e o valor do FABD não é muito
elevado, girando em torno de 60, ou seja, não houve um basculamento
pronunciado. As bacias 11 e 8 tiveram possuem valores próximos a 50 e são,
por isso, consideradas de pouca ou nenhuma atividade tectônica. Contudo, a
bacia 11 possui controle da drenagem por lineamentos com basculamento para
esquerda em seu baixo curso e com basculamento para a direita no alto curso,
fato este que acaba por mascarar os valores, neutralizando-os.
Nas bacias do rio São Francisco, as sub-bacias 1, 2 e 6 demonstraram
basculamento para a margem esquerda da sub-bacia por influência dos
lineamentos sobre os seus tributários, enquanto que as sub-bacias 3 e 4
tiveram basculamento para a direita e mostram também influência da estrutura
sobre a drenagem. Já as sub-bacias 5 e 7 demonstraram pouca ou nenhuma
atividade tectônica.
Os litotipos presentes na região estudada (Figura 3) permitem fazer algumas
inferências, sendo elas: as áreas classificadas com Dd pobre encontram-se
principalmente sobre as Coberturas Detrito-lateríticas. Enquanto as áreas
moderadamente drenadas estão majoritariamente sobre litologias do Grupo
Bambuí, seguido pelas do Grupo Mata da Corda e, em menor quantidade, pelas
do Grupo Areado. Por último, as áreas classificadas como de alta drenagem
não possuem grande expressão espacial em comparação às demais áreas, estando
elas sobre o Grupo Bambuí e Areado.
Nota-se que a Dd não pode ser explicada isoladamente pelos litotipos
presentes na área, estando, portanto, mais associada à estrutura geológica e
à geomorfologia. Assim como em seus estudos no alto rio Pardo (Hiruma &
Ponçano, 1994), no qual a Dd parecia estar refletindo as estruturas mais
regionais, do que os litotipos ou o relevo.
As áreas com as menores taxas de Dd estão sobre as áreas de chapada,
localizadas, principalmente, no sul e a oeste do recorte espacial em estudo.
Em contrapartida, as áreas com maior Dd referem-se àquelas que margeiam as
chapadas, ou seja, referem-se aos cursos de água que estão ativamente
dissecando essas geoformas tabulares. Ainda sobre as chapadas encontram-se
drenagens de maior comprimento, enquanto que nas áreas que estão em maior
processo de dissecação os cursos d’água estão em maior quantidade e
correspondem a cursos de menor ordem hierárquica. Ou seja, ocorre uma
relação inversa em que à medida que aumenta o valor numérico da densidade,
há diminuição quase proporcional do tamanho dos componentes fluviais das
bacias de drenagem (CHRISTOFOLETTI, 1980).
O perfil 1, traçado a leste da área de estudo, demonstra altitudes mais
elevadas, majoritariamente acima de 1.000 m, com maior quantidade de platôs
que estão sendo separados por cursos d’água tanto de afluentes do rio
Paraná, quanto dos afluentes do rio São Francisco. Essas porções da
superfície de cimeira regional, principalmente a sudoeste e centro-oeste,
não teriam sofrido, com a mesma intensidade, os processos de retomada
erosiva de leste. Assim, o perfil 2 demonstra menores altitudes e menor
quantidade de chapadas. Essas chapadas estão centralizadas no interflúvio de
sub-bacias hidrográficas do rio São Francisco e se mostram com processo de
retomada erosiva mais expressiva, o que é corroborado pela maior Dd em
comparação às chapadas de oeste (Figura 3).
Os setores preservados dessa superfície parecem nitidamente controlados pela
litologia (detrito-laterítica) em uma primeira instância, mas, os dados de
litoestrutura demonstram ser este o fator primordial que influencia os
processos morfogenéticos.
Densidades de drenagem e de lineamentos no extremo sul da unidade de relevo Chapadas do Rio São Francisco.
Fator de Assimetria Topográfica Transversal (FSTT) com a média (X) e o desvio padrão(S), e o valor do Fator de Assimetria da Bacia de Drenagem (FABD).
Seções topográficas do extremo sul da unidade de relevo Chapadas do Rio São Francisco e lineamentos estruturais.
Considerações Finais
As concentrações de altos valores de Dd refletem uma retomada erosiva das formas de relevo pelo adensamento da drenagem ao longo das direções das estruturas principais. Já sobre as chapadas, os processos de retomada erosiva e de expansão da rede de drenagem não foram tão expressivos devido à baixa concentração de lineamentos que não permitiram maior atuação erosiva sobre as coberturas detrito-lateríticas, as quais, por suas características mineralógicas, também dificultam ainda mais a atividade fluvial. Contudo, a disposição hidrográfica e a dissecação da paisagem regional, caracterizada pela individualização de chapadas, apresentam-se fortemente controlados por lineamentos estruturais.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq (Projeto Universal 446857/2014-9) e a CAPES (Projeto CAPES COFECUB 869-15) pelo apoio financeiro. Agradecemos também a Édipo Henrique Cremon (UFG) e Fábio Correa Alves (INPE) pelo auxílio nas análises em ambiente MATLAB.
Referências
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