Autores

Firmino, I.G. (UEM - GEMA)

Resumo

O Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) e o Fator de Simetria do Vale (SV) são índices morfométricos indicativos de basculamento de bacias e blocos estruturais, aplicados na escala da bacia hidrográfica (T) e na escala do vale fluvial (SV). Esta pesquisa tem como objetivo avaliar qual destes dois índices é mais condizente com o atual aspecto morfológico e tectônico da porção média da bacia do rio Tibagi, localizada na reentrância do eixo do Arco de Ponta Grossa. Os resultados do Fator T indicam haver basculamento preferencial para NW e secundariamente para SE e SW. Contudo, a morfologia dos rios sugere que estes processos ocorreram no Oligoceno e no Mioceno. Os resultados do Fator SV foram mais aleatórios, embora conjuntos de até 5 resultados unilaterais são possíveis indicações de basculamento de blocos para NW que recorrentemente estão ativos desde o Pleistoceno.

Palavras chaves

Arco de Ponta Grossa; Rio Tibagi; Neotectônica

Introdução

Já é clássico na literatura geomorfológica o uso de parâmetros morfométricos para a análise morfoestrutural (COX et al, 2001; ETCHEBEHERE et al, 2005; GARROTE et al, 2006; 2008; IBANEZ e RICCOMINI, 2011, SALAMUNI et al, 2004). Dentre estes parâmetros, o uso dos Fatores de Simetria Topográfica Transversal (T) proposto por Cox (1994) e de Assimetria da Bacia (AF) proposto por Hare e Gardner (1985) são métodos quantitativos que buscam relacionar a assimetria das drenagens em suas bacias hidrográficas com possíveis processos de basculamento tectônico. Também são métodos rápidos de análise e pertinentes às demandas científicas produtivistas atuais, que muitas vezes, exigem velocidade em produção e publicação. Contudo, ao serem aplicados estes índices, alguns cuidados devem ser tomados. Uma importante variável que implica na interpretação dos dados é o contexto tectônico da área em que se está trabalhando. É plausível entender que, em áreas próximas às zonas de colisão, os processos de soerguimento e dobramento da superfície gerariam prováveis basculamentos e migração preferencial de rios para um dos lados da bacia (SALVANY, 2003; TSODOULOS et al, 2008), mas em áreas intraplaca, interpretar que a assimetria se deve a tais fatores pode ser um equívoco. Para estas áreas, deve-se estabelecer em que momento o basculamento gerou a assimetria da bacia e se este ainda é um processo ativo (COX, 1994, SALAMUNI et al, 2004). Outra variável é o contexto em que o rio está inserido. Para rios de leito aluvial, o basculamento certamente geraria migração do cinturão meândrico ativo para um dos lados da bacia (IBANEZ e RICCOMINI, 2011; COX, 1994; GARROTE et al, 2006), mas para rios encaixados, ou seja, confinados em seus vales, estes processos talvez não ocorressem da mesma forma. Neste sentido, o basculamento poderia gerar assimetria do vale, devido a erosão preferencial para um dos lados da vertente, aquela que marcaria a posição do bloco baixo. Como forma de investigar qual dos dois processos é mais condizente com os aspectos morfológicos e tectônicos vigentes, para esta pesquisa foram aplicados os Fatores de Simetria Topográfica Transversal (T) e de Simetria do Vale (SV), proposto por Firmino (2016), para um conjunto de 16 sub-bacias hidrográficas inseridas na porção média da bacia do rio Tibagi, no estado do Paraná. A área de estudo está situada sobre o eixo do Arco de Ponta Grossa, próximo à sua reentrância na borda planáltica da Bacia Sedimentar do Paraná. Esta megaestrutura possui eixo com mergulho para NW e é resultado de um dos mais importantes episódios de soerguimento intraplaca da América do Sul (RAPOSO, 1995). Os rios estudados são de curta extensão (entre 7 km e 30 km) e se caracterizam por serem rios encaixados com declividades médias elevadas e formas erosivas. O substrato é composto por três unidades litológicas distribuídas de acordo com a reentrância do arqueamento (Figura 1). A camada mais basal são os arenitos da Formação Furnas (SD), que neste compartimento sustentam a testa da escarpa devoniana. Possuem ligeiro mergulho para SW no flanco esquerdo do arqueamento e baixo mergulho para NW ao longo do seu eixo. A estratigrafia é seguida pelos pelitos da Formação Ponta Grossa (D), cujo mergulho acompanha o controle do arqueamento neste setor e pelos psamitos e pelitos do Grupo Itararé (PC), que possuem menor influência do mergulho do arqueamento (Figura 1). O substrato também é cortado pelo conjunto de falhas, fraturas e diques de diabásio dispostos a SE-NW da Zona de Falha Curitiba-Maringá (ZALÁN et al, 1990). Suas falhas definem vários blocos estruturais com blocos baixos na direção do eixo do Arco de Ponta Grossa. Os diques de diabásio são resultantes do magmatismo básico ocorrido no Juro-Cretáceo, durante a Reativação Wealdeniana (ALMEIDA, 1967) e pertencem ao Grupo São Bento. Esta pesquisa contribuirá também para entender qual dos dois métodos é o mais indicado para estudos posteriores em rios encaixados.

Material e métodos

A extração da rede de drenagem e das bacias hidrográficas foi feita a partir dos dados altimétricos da Shuttle Radar Topography Mission (SRTM). Para isso foi utilizado o modelo digital de elevação (MDE) do quadrante 25S51W, com resolução aproximada de 30 m, obtido junto ao USGS (http://earthexplorer.usgs.gov/). A rede de drenagem foi extraída no SIG Global Mapper 16 através da ferramenta Generate watershed. Posteriormente o arranjo destes rios foram comparados com a composição colorida RGB das bandas 4 (Red), 3 (Green) e 2 (Blue) das imagens do satélite Landsat 8/OLI (orbita/ponto: 222/077) de resolução 30 m, obtidas junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no site http://www.dgi.inpe.br/siteDgi/index_pt.php. As bacias hidrográficas foram extraídas no SIG Surfer 11 através da ferramenta New Watershed Map e foram salvas em formato shapefile. Posteriormente estes arquivos foram exportados para o SIG Global Mapper 16, onde foram obtidos os dados de T e de SV. O Fator de Simetria Topográfica Transversal (T) foi aplicado por meio da medição de transectos perpendiculares ao eixo central da bacia. Os transectos foram espaçados para cada intervalo de 1 km do rio principal. Os resultados foram obtidos por meio da relação entre a distância do eixo da bacia ao percurso fluvial principal (Da) e a distância deste mesmo eixo ao divisor da bacia (Dd) naquele mesmo transecto (Figura 2a), de acordo com a seguinte equação: T=Da/Dd. Os valores de T podem variar de 0 para canais simétricos até 1 para canais assimétricos. A forma de análise de Cox (1994) descreve a magnitude e o azimute de um vetor médio como o resultado de um conjunto de vetores multidirecionais, sendo este resultado uma aproximação da migração verdadeira. Para esta análise foi considerado apenas se os resultados foram obtidos para a margem direita ou margem esquerda do rio, isto devido ao contexto morfoestrutural da região, onde a direção das drenagens já são o resultado de controles estruturais de direções NW-SE e NE-SW (FIRMINO, 2016, FIRMINO e SOUZA FILHO, 2017). Dessa forma, foi considerada a migração preferencial do rio como Δ

Resultado e discussão

Os resultados de ΔT, ΔSV, a direção média da assimetria dos fluxos e os dados vetoriais de T e SV podem ser visualizados nas figuras 3 e 4. Os métodos aplicados para a porção média da bacia do rio Tibagi permitiram identificar assimetrias preferencialmente para as direções NW e SE, isso pelo fato do conjunto de bacias hidrográficas selecionadas para a pesquisa serem de rios subsequentes de direção NE-SW. Ao menos 10 das 16 bacias analisadas permitiram este tipo de resultado. Os resultados de ΔT permitiram identificar assimetrias maiores para o arroio do Palmito, na direção NW, e para o rio do Sabão, na direção SW, com valores de ΔT entre 0,4 e 0,5. As outras bacias hidrográficas que apresentaram valores de assimetria consideráveis para ΔT foram as dos arroios São Domingos e Limitão para SE e do rio Quebra Pernas para NW com valores entre 0,3 e 0,4 e a do rio da Conceição para NW e do ribeirão Laranjeiras para SW, com valores entre 0,2 e 0,3. Os resultados de ΔT para as outras bacias sugerem simetrias estáveis. Os resultados de ΔSV foram mais aleatórios e bem menos expressivos, sugerindo simetrias estáveis para todas as bacias. Os resultados maiores não passaram de 0,2. Contudo, os resultados de ΔSV não devem ser descartados apenas pelo fato dos valores terem sido menores, mas deve ser considerado que, as assimetrias geradas nos vales fluviais são mecanismos mais recentes e possivelmente refletem basculamento de blocos mesmo que os valores tenham sido baixos, até mesmo pelo fato dos processos de incisão vertical prevalecerem sobre a incisão lateral. Andrades Filho (2010) e Firmino (2015, 2016) destacaram que a topografia de rios encaixados podem interferir diretamente nos resultados de T, isto quando uma bacia hidrográfica apresenta sub-bacias de tributários que se projetam de forma paralela ao rio principal. Dessa forma, a assimetria da drenagem não significa necessariamente que o rio principal sofreu deslocamento. Esta situação pode ser observada para as bacias do arroio do Bugre, rio do Sabão e ribeirão Laranjeiras (Figura 3) e para o terço superior das bacias dos rios Harmonia, Santa Rosa e arroio Pinheiro Seco, cujos resultados foram determinados por esta compartimentação. Vale ressaltar que os segmentos a jusante da confluência destes tributários apresentaram valores baixos de T, embora, em sua maior parte sejam unilaterais. Contudo, a assimetria dos arroios do Palmito, São Domingos e Limitão e dos rios Quebra Pernas e da Conceição condizem mais com processos de basculamento, também pelo fato da instalação de tributários ressequentes e obsequentes subparalelos nestas bacias, que são fluxos contínuos que se instalaram a medida que as drenagens foram se deslocando em períodos distintos. Para Soares e Fiori (1976), estes elementos caracterizam assimetrias fracas. De modo geral, como foi destacado anteriormente, a assimetria destas bacias não refletem necessariamente processos de basculamento recentes. Isso pelo fato de muitos destes rios se encontrarem confinados em seus vales. Uma primeira observação pode ser feita para o conjunto de bacias localizadas necessariamente na compartimentação da unidade Furnas. Estas quatro bacias hidrográficas estão inseridas no reverso da escarpa devoniana e na reentrância do Arco de Ponta Grossa. A morfologia desta área demonstra haver um controle topográfico mais acentuado no eixo do arqueamento, com mergulho para NW (Figura 1). A presença de blocos altos nesta porção do relevo que irradiam para blocos baixos nas bordas do arqueamento demonstram que a atitude das camadas também irradiam do centro deste eixo. Firmino e Souza Filho (2017) sugeriram que a atitude das camadas tenham controlado o fluxo original destes rios e que posteriormente, à medida que foram se instalando, estes rios tenham ocupado as áreas com maior fraturamento, ou seja, as zonas de falha, devido à menor resistência à erosão. Esse controle também explica o arranjo assimétrico destas bacias, partindo de direções SSW no rio do sabão para direções SW e W nos ribeirões Lajeadinho e Laranjeiras (Figura 3), demarcando o flanco esquerdo do arqueamento. Já o conjunto de bacias localizadas nas outras unidades litológicas com assimetrias voltadas para NW são condizentes com a direção da atitude das camadas e com o mergulho do Arco de Ponta Grossa. É provável que estas assimetrias tenham sido geradas por pulsos de soerguimento entre o Oligoceno e o Mioceno, conforme sugere Franco-Magalhães (2009) e Franco-Magalhães et al (2010). Os valores vetoriais de T e SV apresentaram alguns resultados que valem ser destacados. Os resultados de T, para a maioria das bacias, foram unilaterais, ou seja, provavelmente gerados por forças externas conforme salienta Cox (1994), como deslocamento monoclinal em conjunto para todo o eixo do arqueamento. Já os resultados de SV, que refletem processos mais recentes, foram mais aleatórios, provavelmente gerados por processos fluviais internos, como forças erosivas geradas pelo fluxo interno das correntes em sinuosidades, gerando vertentes assimétricas mais íngremes para as margens côncavas e menos íngremes para as margens convexas (CHRISTOFOLETTI, 1980). Outro fator que determina na assimetria das vertentes é a atitude das camadas. Contudo esta variável pode ser observada apenas para o reverso da escarpa devoniana (Figura 1), onde se encontram as bacias hidrográficas assentadas sobre a unidade Furnas. Ainda que seja uma variável pertinente, os resultados de T para estes rios foram bastantes aleatórios. É possível destacar alguns segmentos onde os resultados de SV foram bastante uniformes, no geral, apresentando no mínimo 5 vetores sequenciais e unilaterais (Figura 4). Estes setores podem indicar a existência de blocos estruturais, devido ao arranjo estrutural do substrato. Ao todo foram sete segmentos. Os segmentos dos arroios Uvaranal e Limitão e dos rios Harmonia e Santa Rosa demonstram haver deslocamento de incisão das vertentes para NW, já no rio da Conceição e arroio do Palmito para WNW e no ribeirão Lajeadinho para NNE. O conjunto de vetores do ribeirão Lajeadinho são controlados pela atitude das camadas neste setor do Arco de Ponta Grossa, embora seja um curso instalado sobre falhas, o que sugere controles distintos. Os resultados dos outros rios possuem certa semelhança no que diz respeito à direção da assimetria de seus vales. É provável que sejam resultado de um último pulso tectônico ocorrido no Mioceno Superior e no Pleistoceno (FRANCO- MAGALHÃES, 2009), gerado por uma tectônica transpressional (com ϭ1 na direção NW-SE) (SALAMUNI, 1998) ou mesmo por pulsos de soerguimento da borda leste da bacia sedimentar do Paraná recorrentes no Quaternário que poderiam gerar alívio de blocos estruturais confinados em estruturas rúpteis que ainda podem estar ativas. Firmino (2016) e Firmino e Souza Filho (2016) demonstraram que esta região possui um importante contexto sismogênico para o estado do Paraná, além de anomalias de drenagem geradas por falhas de direções NE-SW, N-S e E-W. A situação mais curiosa são as das bacias dos arroios São Domingos e Limitão (Figura 3). Com valores de ΔT entre 0,3 e 0,4, estes dois pequenos cursos fluviais são os únicos localizados inteiramente no substrato da Formação Ponta Grossa e que apresentam assimetrias voltadas para a direção SE. Por serem rios de ordens inferiores, é provável que seus arranjos sejam sugestivos de um controle litológico e topográfico mais acentuado para esta unidade litológica, que pode estar relacionado a processos de erosões diferenciais. A assimetria destes rios são contrárias à indicação da atitude das camadas e do mergulho do Arco de ponta Grossa, por isso podem ser consideradas anômalas. Contudo, seus resultados de SV e ΔSV sugerem processos mais recentes de migração para NW (Figura 4), provavelmente controlados por pulsos de soerguimento no Quaternário anteriormente citados que passaram a reajustar o basculamento de blocos estruturais na unidade Ponta Grossa.

Figura 1

Mapa geológico e seções geológicas da área de estudo.

Figura 2

Esboço gráfico dos parâmetros utilizados para os cálculos do Fator T (a) e do Fator SV (b).

Figura 3

Resultados do Fator T por transecto e direção preferencial de assimetria das drenagens.

Figura 4

Resultados do Fator SV por transecto e direção preferencial de assimetria dos vales.

Considerações Finais

Os resultados de ΔT permitiram identificar assimetrias principalmente para as direções NW, SE e SW, embora a compartimentação topográfica de algumas bacias hidrográficas interfiram diretamente nos resultados. Os rios com deslocamento para NW são condizentes com a atitude das camadas e com o eixo do Arco de Ponta Grossa. A assimetria das bacias hidrográficas localizadas na unidade Furnas é condizente com o controle da reentrância do Arco de Ponta Grossa e da atitude das camadas nesta compartimentação. Fato curioso é a assimetria dos arroios São Domingos e Limitão, com direções para SE, que possivelmente pode ter sido gerada por controle topográfico ou litológico na Formação Ponta Grossa. Contudo, o fato destes rios estarem encaixados em seus vales sugere que estes processos ocorreram entre o Oligoceno e o Mioceno. Embora os resultados de ΔSV tenham sido menores e aleatórios, provavelmente gerados por forças fluviais internas, alguns segmentos que apresentaram o mínimo de até 5 resultados unilaterais sugerem serem compartimentações de blocos estruturais que possivelmente vêm sofrendo basculamento para NW devido a pulsos de soerguimento mais recentes. Dessa forma, as assimetrias de vales são mais condizentes com o controle tectônico atual.

Agradecimentos

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão de bolsa de doutorado e ao GEMA (Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente) pelo apoio e suporte físico/ laboratorial.

Referências

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