Autores
Moura, P.E.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Ferro, I.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Lima, T.R.S.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ) ; Maia, R.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ)
Resumo
O presente trabalho apresenta os principais indicadores de degradação das paisagens cársticas presentes no Lajedo de Soledade, Apodi-RN, Casa de Pedra de Martins-RN e vertente ocidental da Bacia Potiguar, Quixeré-CE. Ademais discuti o conceito de paisagem cárstica e o atual panorama da legislação brasileira para a proteção desses ambientes. A metodologia utilizada foi adaptada a partir do planejamento das paisagens proposto por Rodrigues e Silva. O resultado é um registro das principais formas de degradação que acometem essas áreas, tendo em vista a descaracterização do ambiente típico do cárste. O trabalho é concluído com a proposição do espeleoturismo como uma alternativa viável de uso sustentável desses ambientes.
Palavras chaves
Cárste; Paisagem; Indicadores de degradação
Introdução
As paisagens cársticas compõem ambientes frágeis e únicos no planeta. Durante as eras inúmeros seres, incluindo o próprio homem fez desses ambientem sua morada e ponto de apoio, pois neles encontraram abrigo contra predadores e elementos naturais como o clima. Essa relação de proximidade com esses ambientes fez com que o homem desse um uso à essas áreas, principalmente no tocante as cavernas e abrigos. Tendo em mente essa afirmação podemos inferir que as cavernas, como uma das principais feições das paisagens cársticas, é utilizada com inúmeros propósitos ainda hoje, atividades religiosas, turismo de aventura e pesquisas geológica/geomorfológica, antropológica e arqueológica (FIGUEREDO, 2011). Porém existem formas de uso que são destrutivas, descaracterizando ou até mesmo destruindo por completo esses ambientes. A mineração pode ser um exemplo desses processos de degradação dos ambientes cársticos, assim como atividades que não estão devidamente regulamentadas e acompanhadas por órgão de proteção ao meio ambiente. Deste modo, a falta de regulamentação de áreas cársticas, assim como a inexistência de acompanhamento e fiscalização por parte dos diversos órgãos de proteção ambiental e o uso indevido desses ambientes pode constituir uma grave ameaça ao patrimônio espeleológico. Identificar os indicadores na paisagem é um passo importante para a determinação de áreas que necessitam de um manejo mais adequado, ou de áreas que já passaram por um intenso processo de uso e degradação.
Material e métodos
O presente artigo foi composto a partir de levantamento bibliográfico dos temas: geomorfologia cárstica, espeleologia, legislação de proteção ao patrimônio espeleológico dentre outras. Para que fosse possível interpretar os indicadores de degradação na paisagem cárstica. Foram utilizadas etapas metodológicas do planejamento das paisagens (RODRIGUEZ; SILVA, 2013), divididas em: i) fase de organização e inventário, ii) análise, iii) diagnóstico. Na fase de organização e inventário realizou-se revisão bibliográfico dos autores Christofoletti (2011), Maia e Bezerra (2014), Bigarella et al (1994), Auler e Zogbi (2011), Monteiro (2014) dentre outros, bem como o levantamento do material fotográfico já existente. Realizou-se também visitas de campo ao Lajedo de Soledade, município de Apodi-RN, à casa de pedra de Martins, município de Martins-RN, e na vertente ocidental da bacia potiguar, no município de Quixeré-CE. No qual utilizaram-se a caderneta de campo para registro de dados qualitativos, observação sistemática das referidas paisagens cársticas e seus indicadores de degradação, assim como o registro fotográfico das áreas, seguindo o sugerido pelo IBGE (2009). Na análise foram feitas as interpretações dos dados obtidos em campo, relacionando-os com as informações compiladas na revisão bibliográfica. Por fim a etapa de diagnóstico, possibilitou promover a identificação e interpretação dos indicadores de degradação nas paisagens cársticas. A fim de fomentar a discussão a respeito da conservação dos recursos que compõem a geodiversidade e o patrimônio espeleológico das paisagens cársticas.
Resultado e discussão
O estudo da geomorfologia cárstica é necessário para compreender essa
paisagem como um sistema ambiental. A geomorfologia cárstica, é definida por
Kohler (2012) como o estudo da forma, gênese e dinâmica dos relevos
elaborados em rochas solúveis e menos solúveis.
Bigarella et al (1994) destacam que a drenagem no modelado cárstico
é muito importante para o aporte de água das bacias subjacentes, alimentam
parte dessas bacias, assim como para as fases de evolução do cárste
superficial, podendo estar em estado de juventude, maturidade e senilidade.
Segundo Auler e Zogbi (2011) o cárste também se constitui como
patrimônio espeleológico, pois neste são encontradas partes importantes dos
registros do passado da terra como fósseis e registros dos primeiros
antepassados humanos, fonte de informações paleontológicas e arqueológicas.
Também é ímpar a diversidade de formas de relevo e espeleotemas, tanto em
micro como em macro escala (GAMBARINI, 2012), assim como a geodiversidade
dessas áreas apresenta uma importante fonte de conhecimento local.
É possível destacar a manutenção da biodiversidade, pois em meio aos
abismos, abrigos e cavernas formadas pela dissolução dos carbonatos, existe
uma fauna única e extremamente adaptada para a vida nesse ambiente
(AB'SÁBER, 2006).
Lino (2009) mostra como o patrimônio espeleológico vem sofrendo
ameaças mediante a falta de planejamento que contribui com a exploração
predatória desses ambientes. Nesse sentido, o autor destaca a exploração
indiscriminada de recursos minerais como o calcário, a depredação das
cavernas mediante turismo irresponsável que acaba contaminando com resíduos
sólidos as cavernas.
O cárste apresenta uma complexa interação com o ambiente, sendo uma
interface das ações bióticas, abióticas e humanas, podendo também constituir
um importante elemento cultural e fonte de renda para as comunidades que se
inserem nesta paisagem, bem como fonte de conhecimento a respeito do planeta
e sua evolução (LOBO, 2012).
A legislação ambiental para a proteção das áreas cársticas e patrimônio
espeleológico vem ganhando importância ao longo do tempo. Segundo Sessegolo
(2001) até o ano de 1987 não haviam legislações específicas para a proteção
das cavidades naturais no Brasil o que gerou um grande período de utilização
desenfreada desses ambientes, causando diversos impactos.
De acordo com Monteiro (2014) a partir da constituição de 1988 que dispõe no
artigo 20, inciso X: as cavidades naturais são bens da União dando início a
um período de crescente preocupação em relação a problemática ambiental no
Brasil e de modo específico a conservação e preservação de cavernas.
Culminando com o Decreto n° 6.640 de 2008 e a Instrução Normativa n° 2 do
MMA publicada em 2009, traz “que através do estabelecimento de um método
criterioso de análise de relevância das cavernas brasileiras, busca
identificar aquelas merecedoras de conservação e que formarão o Patrimônio
Espeleológico Brasileiro” (PILÒ; AULER. 2010, apud MONTEIRO, 2014, p. 89).
A morfologia cárstica é bastante peculiar, pois possui
características muito próprias ligadas ao clima, litologia, processos
tectônicos e ao tempo (CHISTOFOLLEI, 2011). Deste modo o clima modela a
litologia exposta, imprimindo feições relacionadas a, principalmente
processos químicos de dissolução (BIGARELLA, 1994; PRESS, et al., 2006).
Os processos tectônicos que define direções e sentidos preferenciais
de faturamento das rochas, condicionando a formação de grandes feições como
os vales cársticos e as dolinas, e também a própria drenagem (MAIA; BEZERRA
2014). O tempo define em que estágio de evolução a paisagem cárstica se
encontra e os graus de desenvolvimento dos espeleotemas (TIMO, et al, 2015).
Embora possam exista uma compensação financeira, a exploração de
ambientes cársticos para a prospecção mineral e de material de construção,
afeta de forma definitiva esses ambientes. Descaracterizando de maneira
irreversível as paisagens cársticas. Existem indicadores que nos ajudam a
entender as transformações que foram sofridas por essas paisagens.
Neste caso tem-se as principais transformações na paisagem cárstica
que caracterizam degradação:
- Degradação no exocarste: São as alterações que ocorrem na área superficial
das feições cársticas, estão relacionadas a extração mineral, principalmente
de rochas calcárias. A figura 1 mostra a degradação ocorrida em um
afloramento calcário, neste caso é possível observar a extração das camadas
superficiais da rocha carbonáticas. Ocorrendo alterações na morfologia
superficial. Os indicadores na paisagem desse tipo de impactos, são o
aplainamento do afloramento, criando uma nova morfologia (figura 1), e a
precipitação de carbonato de cálcio.
Esse carbonato precipitado é o pronto de partida para a formação dos
espeleotemas, estes por sua vez se formam nos espações vazios entre as
rochas carbonáticas, deste modo a presença destas precipitações nos lajedos
indica a existência pretérita de um “teto”, ou seja, de uma área onde a água
pluvial, penetra na rocha dissolvendo-a, saturando-se, e posteriormente
precipitando-se
Esse processo de degradação culmina com a descaracterização
geomorfológica dos campos de lapiás, como mostra a figura 2. Também existe a
utilização de vales cársticos estreitos ou fendas, para o descarte de
resíduos sólidos, esse processo de entulhamento de materiais pode alterar a
dinâmica criptorreica, fechando sumidouros, ou contaminando a água de
superfície.
Na figura 2 é possível observar a morfologia típica de um campo de
lapiás e a morfologia arrasada pela extração mineral. É possível observar
que há uma substituição gradual dos lapiás por uma paisagem semelhante a
caos de blocos, modificando drasticamente a paisagem natural.
- Degradação no endocarste: São as alterações que ocorrem na área
subsuperficial das feições cársticas, estão relacionadas a extração mineral,
principalmente de rochas calcárias, assim como a vandalismo devido a
ingerência dessas áreas por parte dos órgãos gestores.
Na figura 3 é possível verificar a remoção de espeleotemas ou parte
deles. Esse tipo de ato gera um prejuízo irrecuperável, no tempo humano, ao
patrimônio espeleológico, fazendo com que a caverna ou abrigo perca parte
integral de sua história e beleza. É possível identificar essa remoção pelas
áreas planas nas pontas das estalagmites e estalactites (Figura 3), ou pela
descaracterização de precipitações carbonáticas em forma de couve-flor,
cortinas e colunas.
Os danos ao patrimônio espeleológico também podem se dar a partir da
ingerência do poder público em garantir a proteção dessas árias. A mineração
irregular, pode causar dados irrecuperáveis a sistemas cársticos ainda
inexplorados, destruindo cavernas e consequentemente todos os registros que
haviam dentro destas.
Outros danos como as pichações em cavernas (figura 4), podem não ser de
caráter permanente, há não ser que alterem ou danifiquem pinturas rupestres,
mas, dão uma pista do como não há um acompanhamento rigoroso e um
planejamento turístico para essas áreas, por parte do estado. Deixando esses
ambientes vulneráveis as alterações indiscriminadas.
Espeleotemas removidos e representação artística das suas formas originais na Casa de Pedra em Martins-RN Fonte: MOURA, 2016.
Remoção das camadas superficiais (Lajedo de Soledade-RN) Fonte: MOURA, 2016.
: Descaracterização geomorfológica da paisagem cárstica e entulhamento de resíduos sólidos nos vales ou fendas cársticas Fonte: MOURA, 2016.
Danos ao patrimônio espeleológico: vandalismo e degradação de caverna por mineração ilegal Fonte: MOURA, 2016.
Considerações Finais
Podemos entender que as paisagens cársticas são ambientes frágeis e necessitam ser compreendidos, pois podem constituir uma potencialidade para regiões onde ocorrem, atraindo diversos tipos de turistas interessados em lazer, aventura, contato com a natureza, ou pesquisadores e cientistas havidos por explorar lugares ainda inexplorados. De acordo com o exposto por Lobo (2014) o espeleoturismo constituiria uma alternativa viável de uso sustentável para essas áreas. Porém para que sejam realmente efetivadas as potencialidades das paisagens cársticas, é necessária uma maior articulação entre o poder público a sociedade civil, representada principalmente pelas comunidades que vivem ao redor desses ambientes e os centros de pesquisa, principalmente as universidades. Deste modo é possível efetivar um planejamento pautado na sustentabilidade. Podem ser propostas medidas de educação ambiental, capacitação de guias, mapeamento e monitoramento das áreas e controle de visitação. Deste modo será garantido um planejamento efetivo e continuado para essas áreas.
Agradecimentos
Referências
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AULER, A. e ZOGBI, L. Espeleologia: noções básicas. 2. ed. São Paulo: Redespeleo Brasil, 2011.
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FIGUEREDO, L. A. V. de. Reserchcate: Imaginário da aventura e as representações sociais das cavernas e das práticas espeleológicas, 2011. htt://www.reserchcate.net/publications/268515277. Acesso em 2016
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