Autores
Lemos Pocidonio, E.A. (IGEO-UFRJ) ; Mendes da Silva, T. (IGEO-UFRJ)
Resumo
O patrimônio geomorfológico traduz-se pelo conjunto de locais de interesse geomorfológico que adquiriram valor derivado da percepção humana, podendo ser denominado ainda como geopatrimônio, sítio geomorfológico, geossítio de caráter geomorfológico ou mesmo geomorfossítio, tratados muitas vezes como subitem em trabalhos que abordam o patrimônio geológico e sem muita precisão científica, mesmo nas Geociências. Procura-se exemplificar a relevância deste patrimônio na implementação do geoturismo em Angra dos Reis (RJ), através da utilização de metodologias para inventário geoturístico acompanhado de coleta de dados cadastrais e valorização dos elementos selecionados, permitindo a criação de ranqueamento dos geomorfossítios e subsídios a tomadas de decisões precisas na vertente físico-ambiental através da visibilidade de tais aspectos, incentivo a sua proteção e inclusão em políticas de planejamento de uso do solo, tornando o inventário de geomorfossítios mais acessível à população em geral
Palavras chaves
Patrimônio Geomorfológico; Inventário de Geomorfossítios; Geodiversidade
Introdução
A Geoconservação, o Geoturismo e a Geodiversidade estão em voga no atual contexto acadêmico, sendo buscada cada vez mais sua inserção social, em especial pela Geociências, haja vista o crescente número de trabalhos e práticas de popularização da Ciência nesse temário. Uma extensa gama de autores, tais como: Brilha, 2005 e 2015; Carcavilla et al., 2007; Carcavilla, 2012; Mansur, 2010; Moreira, 2011; dentre outros, propõem instrumentos para se alcançar a geoconservação; assim como foi proposto por Nascimento et al. (2008) que sugere a seguintes sequência de procedimentos a ser adotada: inventariação, quantificação do valor, identificação de vulnerabilidade, proteção legal, divulgação, conservação e monitoramento dos sítios, como sendo uma forma concreta de atuação, aplicação do marco legal e efetivação de propostas que visam a Geoconservação. O trabalho aqui apresentado se refere à primeira etapa desta proposta, que consiste na ‘inventariação’ do Patrimônio Geológico e Geomorfológico para utilização geoturística no município de Angra dos Reis – RJ. Ressalta-se que “Patrimônio Geológico e Geomorfológico” também pode ser denominado de Geopatrimônio, Geossítio ou Geomorfossítio e, por este motivo, realizaremos em seguida uma breve discussão de tais conceitos, bem como abordaremos metodologias adotadas e adaptadas no trabalho. Inicialmente, ressalta-se que o conceito de “Patrimônio Geomorfológico” é comumente tratado como um subitem em trabalhos que abordam a temática de “Patrimônio Geológico”. No entanto, existe atualmente Grupos de Trabalho (GT) específicos que abordam a temática de Patrimônio Geomorfológico, assim como eventos internacionais para tratar dos geomorfossítios. E, desta forma, por conta da natureza geográfica do trabalho, aprofundaremos a discussão sobre este tema a fim de demonstrar sua pertinência na Ciência Geográfica. O conceito de geopatrimônio, ou patrimônio geológico, possui sua vertente geomorfológica, por sua vez, geoconservação e geodiversidade são conceitos recentemente incorporados nesta análise, como cita Asrat et al. (2012). Como consequência, tais conceituações são aplicadas muitas vezes de forma aleatória e sem muita precisão científica, mesmo na literatura vinculada a Geociências. Considera-se, portanto, que ‘patrimônio geológico’ será aqui abordado como afloramentos únicos, formações geológicas, estilos de deformação e outros elementos geológico-geomorfológicos de indubitável valor científico e ocorrência restrita, remetendo-se a proposta de Mansur (2009) que fez uma leitura de Carvajal e González (2003). Devem ser ainda considerados como exemplos didáticos, testemunhos da história geológica, sendo importante na difusão do conhecimento e na conscientização da sociedade para sua preservação. Já patrimônio geomorfológico traduz-se pelo conjunto de locais de interesse morfológico que adquiriram valor derivado da percepção humana (PEREIRA, 2006). Segundo este mesmo autor, outros termos podem ser usados para designar local de interesse geomorfológico, tais como sítio geomorfológico, geossítio de caráter geomorfológico ou mesmo geomorfossítio (tradução do termo geomorphosite proposto por Panizza (2001 apud PEREIRA, 2006)). Validando toda esta discussão é importante ressaltar que, em 2011, a União Brasileira de Geomorfologia (UGB) passou a integrar a Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos do Brasil, como sendo um importante avanço no desenvolvimento das pesquisas em geomorfologia para a geoconservação. E, em 2014, ocorreu o I Encontro Luso-Brasileiro de Patrimônio Geomorfológico e Geoconservação, em Portugal, sendo o próximo a ser realizado neste ano, em Ponta Grossa - PR. Desta forma, fica claro que o envolvimento de geógrafos e geomorfólogos vem crescendo nesta discussão e é de fundamental importância para discussão acerca da paisagem, indissociável do próprio conceito de ‘patrimônio geomorfológico (Grupo Patrimônio Geológico e Geoconservação - Yahoo, 2014).
Material e métodos
Este trabalho foi realizado em duas etapas complementares: gabinete e campo. Após a definição da área de estudo foi iniciado o processo de levantamento bibliográfico a fim de construir a base teórico-conceitual, bem como o levantamento de dados secundários referente à atividade turística na área de estudo. O aporte teórico-metodológico de levantamento e inventariação teve inicialmente como base o trabalho de García-Cortés e Carcavilla (2009), que apresentaram uma proposta para atualização do modelo de inventário espanhol e um esquema para valorização dos pontos/locais turísticos, utilizando quatro classes de valores (científico, didático, turístico/recreativo e vulnerabilidade) para dois grandes grupos de enquadramento dos geomorfossítios (interesse e proteção), subdivididos na seguinte forma: (a) Interesse: Científico, Didático e Turístico/Recreativo; e (b) Proteção: Vulnerabilidade. Além desta proposta, este trabalho se apoiou também em Mansur (2010) que realizou um estudo voltado a ‘geoconservação’ no ‘Domínio Tectônico Cabo Frio, RJ’ utilizando-se das estratégias de geoconservação de Brilha (2005): inventário, quantificação, classificação, conservação dos geossítios, valorização e divulgação do patrimônio geológico. Além da proposta de levantamento e inventariação supracitada foi utilizada uma adaptação da metodologia de Pereira (2006) na inventariação e na valorização do patrimônio geomorfológico para realização da avaliação dos geomorfossítios selecionados. Ambas as propostas sofreram adequações para melhor atender a realidade do município pesquisado, em especial ao que se refere a acessibilidade, monumentalidade, variedade geológica e geomorfológica dos geomorfossítios. Tal adaptação ocorreu devido ao fato do contexto geológico-geomorfológico de Angra dos Reis ser bastante distinto dos locais apresentados nas propostas metodológicas utilizadas. Teve-se ainda em Pocidonio (2011), o arcabouço preliminar do conhecimento e avaliação referente às atividades turísticas do município e, assim, uma orientação de como encaminhar o tratamento dos dado neste trabalho, de forma a suprir necessidades locais vinculadas ao turismo, bem como adequá-las às vocações naturais. As etapas de campo foram efetivadas junto à equipe que compõe o Núcleo de Estudos do Quaternário e Tecnógeno – NEQUAT/UFRJ, procurando averiguar as informações coligidas em gabinete, sendo estas confirmadas ou refutadas e, portanto, atribuindo-as um caráter mais refinado e próximo a realidade local.
Resultado e discussão
Partindo-se do que Brilha (2005) propõe como uma estratégia para a
Geoconservação deu-se o início ao inventário de geomorfossítios da área de
estudo. Assim, a junção das metodologias utilizadas foram trabalhadas em
duas partes da pesquisa: (a) constituição dos dados cadastrais e (b) esquema
de valorização, que permitiu maior detalhamento dos locais turísticos e
criação de um ranking dos geomorfossítios inventariados, subsidiando a
sugestão de uma tomada de decisão mais precisa em relação à preservação e
divulgação.
Tivemos um total de 15 (quinze) atrativos inventariados, seguindo a
orientação dos “Eixos Turísticos” (Figura 1): Eixo Geoturístico Centro
(EGTC) = 4 atrativos geoturísticos (Convento São Bernardino de Sena,
Travessa Santa Luzia, Chafariz da Carioca, Cais dos Pescadores); Eixo
Geoturístico Sul (EGTS) = 1 atrativo (Mirante das Tartarugas); Eixo
Geoturístico Leste (EGTL) = 4 atrativos (Monumento do Aquidabã; Forte do
Leme, Cachoeira da Caputera, Mirante do Camorim); Eixo Geoturístico Oeste
(EGTO) = 5 atrativos (Mirante da Praia do Laboratório, Vila Histórica de
Mambucaba, Praia da Vila Histórica de Mambucaba – Foz do rio Mambucada,
Praia Secreta, Ruínas do Condomínio Bracuí - Foz do rio Bracuí e Eixo
Geoturístico Noroeste (EGTNW) = 1 atrativo (Mirante da Serra D´água) (Figura
2). Todos estes se apresentam, em geral, como áreas para visualização e
compreensão de processos geológico-geomorfológicos, podendo servir tanto
para apreciação quanto para ensino em Geociências.
Para os ranqueamentos os critérios que influenciaram no posicionamento final
dos geomorfossítios foram os seguintes: proximidade do centro municipal;
acessibilidade e infraestrutura de serviços para geoturistas e pesquisadores
(como estacionamento); visibilidade das formas para compreensão de processos
de formação; informação de acesso ao geomorfossítio; existência de centro de
informações; rede hoteleira e restaurantes.
Através da primeira metodologia constatou-se, por ex., o fato dos
geomorfossítios Cais dos Pescadores\Cais de Turismo, em alternância com o
Mirante das Tartarugas, aparecerem sempre nas primeiras colocações.
Circunstância esta que se justifica pelo fato de ambos estarem localizados
no Centro do município, tendo facilidade de acesso e locomoção e existência
de equipamentos turísticos nas proximidades.
Já os Mirantes Praia do Laboratório e Serra D´água, mesmo compondo
laboratórios a céu aberto para o ensino de Geociências e de serem passíveis
de ilustrar diversos temas em currículos escolares e universitários,
apareceram nas últimas colocações em alguns ranqueamentos. Tal fato é
explicado por estes se encontrarem distante do Centro e com ausência de
equipamentos turísticos essenciais (tais como banheiros, bancos etc.). O
mesmo ocorre com a “Cachoeira da Caputera” e “Praia Secreta”, que em geral,
são utilizados apenas pela população local para fins recreativos em períodos
de férias, feriados prolongados e em alta temporada.
A análise do bloco de “Prioridade de Proteção” apresenta três possibilidades
de medidas protetivas aos geomorfossítios avaliados: Proteção urgente, a
médio prazo e desnecessária. No entanto, para o município estudado uma
primeira observação a ser colocada se refere ao fato de que nenhuma
variável, em nenhum geomorfossítio, apresentou necessidade de proteção
urgente, o que difere da real situação encontrada em campo, demonstrando
assim necessidade de modificações e adaptações mais específicas da
metodologia para a presente área de estudo e mesmo a futuras aplicações
desta.
Desta forma, a primeira metodologia utilizada demonstrou ser bastante
pertinente na classificação no que se refere a interesses didático,
científico e, em especial, turístico/recreativo, apresentando ranqueamento
condizente com a realidade local e atual dos geomorfossítios selecionados,
como verificado pela posição de destaque dos geoatrativos do “Cais dos
Pescadores”, “Mirante das Tartarugas” e “Mirante Serra D´água”. Os dois
primeiros geomorfossítios já são consolidados na atividade turística local e
o terceiro apresenta grande potencial como laboratório a céu aberto para
análise e entendimento de processos geológico-geomorfológicos, servindo
tanto para fins de geoturismo quanto em pesquisas científicas.
Neste contexto, podemos sugerir que para melhoria desta metodologia deve-se
reavaliar os baixos valores alcançados na classificação por
“Vulnerabilidade” (Tabela 1), não indo ao encontro das condições atuais dos
geoatrativos, assim como impossibilitando o reconhecimento de medidas
protetivas. Isto pode ser observado na pontuação obtida pelas “Ruínas do
Condomínio Bracuí” p. ex. (115 pts de máximo de 200 pts), que carece de uma
série de intervenções para sua efetivação como um atrativo ou mesmo
geoatrativo.
As classificações por “Prioridade de Proteção” foram outros aspectos que
apresentaram necessidade de melhorias e adaptações por não apontar valores
que indicassem a necessidade de proteção imediata, ou seja, a classificação
de “Proteção Urgente” que é dada a geomorfossítios com pontuação acima de
500. Os resultados mais próximo a pontuação indicada, que aponta a
necessidade de proteção urgente, foram obtidos pelos Cais dos Pescadores
(430 pontos) e Mirante do Camorim (410 pontos), avaliados na categoria
“Prioridade de Proteção pelo Interesse Didático (PPd) (Tabela 1).
Na segunda metodologia, o Valor Geomorfológico (VGeom) (Tabela 2), principal
classe de ranqueamento oferecido pela metodologia, é alcançado a partir da
soma dos Valores Científico e Adicional, e nele se encontra embutido
variáveis relevantes como: abundância/raridade relativa dentro da área de
estudo; integridade, em função da deterioração do geomorfossítio;
representatividade como recurso didático e processos geomorfológicos;
diversidade de elementos geomorfológicos e sua importância; valor cultural,
científico, ecológico, dentre outros, que somados apresentam um ranqueamento
expressivo da área de estudo selecionada.
Como primeiro colocado foi classificado o “Mirante das Tartarugas”,
localizado próximo ao Centro do município, por apresentar excelente
visibilidade para observação e discussão de processos geológico-
geomorfológicos locais, boa infraestrutura turística, conservação e
acessibilidade, elementos estes que promoveram elevada pontuação. Em
seguida, tivemos a “Praia da Vila Histórica” e as “Ruínas do Condomínio
Bracuí”, sendo a excepcionalidade local, por serem foz de grandes rios, a
atribuição vinculada à elevada pontuação.
O ranqueamento pelo Valor Adicional, dado por apenas três variáveis do
geomorfossítio (valores Cultural, Ecológico e Estético) pode ter como
pontuação máxima o valor de 4,5 pontos. Neste ranqueamento, o “Mirante das
Tartarugas” obteve o maior valor (3,87), chegando próximo ao valor máximo.
Esta pontuação ocorre por fatores mencionados anteriormente: proximidade do
Centro, estar localizado em foz de rios importantes, integridade dos locais
e visibilidade de aspectos geomorfológicos relevantes.
Essa metodologia teve sua aplicação também bastante pertinente,
principalmente por conta do critério da excepcionalidade local, possuindo
majoritariamente geoatrativos de cunho geomorfológico. No entanto, ressalta-
se que, em geral, a classificação dos principais geomorfossítios analisados
se manteve em ambas as metodologias, tais como: Cais dos Pescadores e
Mirantes das Tartarugas. O Mirante Serra D’água, em contrapartida perdeu
posição nesta metodologia, enquanto o Mirante do Camorim e Praia da Vila
Histórica de Mambucaba – Foz do rio Mambucada ganharam posições neste
ranqueamento.
Pelo maior detalhamento e utilização de variáveis no contexto
geomorfológico, a metodologia supracitada demonstrou ser mais aplicável à
realidade do município de, ressaltando que conhecimento pessoal da área
facilitou uma melhor composição dessa comparação metodológica.
Localização do município de Angra dos Reis e dos Eixos Geoturísticos definidos no trabalho.
Classificações por Vulnerabilidade (V) e Prioridade de Proteção pelo Interesse Didático (PPd) baseado em García-Cortés e Carcavilla (2009)eMansur 2009
Ranqueamento pelo Valor Geomorfológico baseado em Pereira (2006).
Considerações Finais
Angra dos Reis (RJ) é internacionalmente reconhecida por suas belezas cênicas que envolvem, principalmente, elementos físico-naturais. Neste contexto, utilizou-se da análise de aspectos evolutivos naturais e do emprego da noção de “Patrimônio Geomorfológico” e “Geoconservação” para realização de um inventário que subsidiasse à implementação de uma proposta de geoturismo, que valorize e respeite a vocação local. Para realização de tal inventário foi aplicada as propostas metodológicas de García-Cortés e Carcavilla (2009) e Mansur (2010), que foram reunidas em uma única proposta, além da complementação dada pela proposta de Pereira (2006). Assim, através do ato de promover visibilidade de aspectos geológico- geomorfológicos possibilita-se não apenas incentivar sua proteção, mas sua inclusão em políticas de planejamento de uso do solo. O inventário de sítios geomorfológicos com divulgação da geodiversidade e da potencialidade geoturística em linguagem mais acessível seria, portanto, uma importante ferramenta para esta contextualização e valorização da importância de tais elementos da natureza para à atividade turística. O município em questão tornou-se assim, um laboratório ilustrativo para pesquisas que envolvem a temática ambiental de cunho geográfico e geológico, haja vista que seu relevo singular não vem sendo considerado enquanto produto turístico local, e que acreditamos que possa assumir importância nas atividades econômicas desenvolvidas ou a serem implementadas na área.
Agradecimentos
Referências
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