Autores

Sato, S.E. (FURG) ; Cunha, C.M.L. (UNESP - RIO CLARO)

Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir a importância do mapeamento geomorfológico como subsídio ao planejamento ambiental de áreas litorâneas, tomando como exemplo a planície costeira. Através da técnica de mapeamento geomorfológico de detalhe foi possível identificar as formas de relevo, que por sua vez, forneceram informações para o conhecimento do meio físico e sua dinâmica. O mapeamento associado às informações de uso da terra e à legislação ambiental vigente serviu de base para a elaboração do zoneamento geoambiental do município de Itanhaém – SP.

Palavras chaves

mapeamento geomorfológico; planejamento ambiental; zoneamento

Introdução

As preocupações com o ambiente vinculam-se ao presente estado de degradação da natureza e de desigualdade socioeconômica que predominam no mundo contemporâneo. Os problemas ambientais tornam-se, deste modo, questões inerentes à análise geográfica, visto que tais expressam-se espacialmente, contemplando questões de ordem tanto natural como social. A importância da reflexão sobre o ambiente e suas relações torna-se o alicerce para o prognóstico do meio, na medida em que o diagnóstico dos problemas enfrentados pela natureza e pela sociedade demonstra uma ruptura no equilíbrio inicial, hoje totalmente alterado pelas ações antrópicas historicamente consolidadas. O meio natural, inicialmente em estado de equilíbrio dinâmico (HACK, 1960 citado por GUERRA e MARÇAL, 2006), é, em algumas situações, capaz de enfrentar as ações antrópicas, regenerando-se e/ou adaptando-se, alcançando, assim, um novo estado. Já a sociedade ainda não alcançou tal estágio de adaptação, visto as perdas materiais e humanas decorrentes de eventos de ordem natural. Nesse contexto, emerge a necessidade de um adequado gerenciamento do ambiente, no qual, o planejamento torna-se imprescindível. O planejamento sob o enfoque geográfico, segundo Christofoletti (1994), sempre envolve a questão da espacialidade, referindo-se à implementação de atividades em determinado território. Em relação às políticas de planejamento e desenvolvimento sustentável atualmente em voga no Brasil, instrumentos, tais como zoneamentos, estudos de impacto ambiental, planos de bacias hidrográficas, planos diretores, planos de manejo de áreas de proteção ambiental, destacam- se como as principais ferramentas para a efetivação do planejamento ambiental. Neste contexto, no presente trabalho será discutida a importância do mapeamento geomorfológico como subsídio a compreensão do meio físico, em específico da planície costeira, e a sua contribuição para a elaboração do zoneamento geoambiental para uma área litorânea. A área de estudo, o município de Itanhaém – SP (Figura 1) possui aproximadamente 600 km². É formado por dois sistemas ambientais integrados, o sistema serrano, constituído pelas escarpas da Serra do Mar e pelos morros isolados, e o sistema planície sedimentar, constituído pela planície costeira. O zoneamento geoambiental realizado para a área de estudo visou estabelecer categorias de medidas necessárias para a manutenção das funções geoecológicas da paisagem a partir da identificação do estado geoecológico das unidades de paisagem mapeadas. Entende-se por estado geoecológico, o grau de capacidade produtiva e de degradação das propriedades originais das paisagens, como resultado das modificações e transformações produzidas pelas atividades humanas. (GLUSHKO e EMAKOV, 1988 e GLUSHKO, 1991 citado por MATEO RODRIGUEZ et al, 1995). No setor serrano, as características morfométricas (declividade, dissecação horizontal, e dissecação vertical) e geomorfológicas foram fundamentais para a delimitação da suscetibilidade do terreno a atuação dos processos morfogenéticos e consequente definição de zonas geoambientais. Na planície, entretanto, tais características morfométricas não são evidentes, cabendo ao mapeamento geomorfológico a identificação das formas e consequentemente, identificação dos processos envolvidos na formação da planície e na dinâmica atual. A compartimentação e o mapeamento das características do relevo correspondem a uma etapa primordial para o entendimento dos processos responsáveis pelo modelado da superfície da terra (resposta aos agentes do sistema ambiental a qual pertence), e das formas que ocorrem nesta superfície. A função da técnica de mapeamento geomorfológico no zoneamento geoambiental do município de Itanhaém(SATO, 2012) foi identificar, delimitar e caracterizar as formas de relevo, procedimentos que contribuíram para a determinação das zonas geoambientais da planície.

Material e métodos

O mapeamento geomorfológico foi elaborado a partir da fotointerpretação de 55 fotografias aéreas na escala aproximada de 1:25.000, referentes ao mês de outubro de 1962 (BASE, 1962). A transposição das informações da escala 1:25.000 para a escala 1:50.000 foi realizada utilizando-se o software AutoCAD Map®. Segundo Tricart (1965) nesta escala de detalhe, os objetos podem medir vários quilômetros, pertencendo à quinta ordem de grandeza, que corresponde, segundo o autor citado, a unidades em que ocorre a relação entre a litologia e a erosão diferencial. Nesta grandeza, combina-se a influência da estrutura com os agentes externos desenvolvendo formas esculturais, resultantes da ação ou de processos sobre a litologia. A carta de detalhe orienta-se essencialmente para os fenômenos morfoestruturais, os quais, juntamente com a dinâmica climática, como no caso da área dessa pesquisa, condicionam a gênese das formas esculturais. Na planície costeira, o mapeamento geomorfológico foi determinante para a definição das zonas geoambientais nesse setor da área de estudo. A partir da fotointerpretação, as formas de relevo identificadas foram representadas por símbolos com base na proposta de Tricart (1965). De acordo com esta proposta, os dados são organizados e representados na legenda do mapa geomorfológico, considerando- se como princípio norteador à morfogênese. Para o autor citado, este sistema cartográfico permite acompanhar a evolução das formas, partindo-se da época de elaboração das mesmas até a época atual, através da utilização de cores e símbolos, visando à representação da origem e, consequente, sucessão cronológica. Na planície as formas identificadas foram agrupadas de acordo com a sua origem, em dois grupos: I) Ação das águas correntes: modelado de entalhe (forma de vale em fundo plano, ruptura topográfica), formas de acumulação (acumulação de planície fluvial -Apf, acumulação de planície e terraço fluvial - Aptf, rampas de colúvio- RC); e II) Ação marinha e litorânea (alinhamento de cordões litorâneos, campos de dunas, campo de dunas desmanteladas, acumulação marinha - Am, acumulação de terraço marinho - ATM, acumulação de planície flúvio-marinha - Apfm). Em relação ao zoneamento geoambiental, as unidades geoambientais na planície foram identificadas agregando-se as formas geomorfológicas com os dados de uso da terra e de vegetação. A correlação das informações foi norteada pelos princípios da análise sistêmica de integração dos dados. Para determinar as áreas com características mais homogêneas foram consideradas, desse modo, as condições ambientais físicas e a presença ou não de características socioeconômicas associadas (uso da terra, principalmente). Em relação à legislação ambiental foram consideradas as seguintes disposições legais: Resolução CONAMA n° 303 (20/03/2003); Decreto Estadual nº 10.251 (30/08/1977); Resolução Estadual de Tombamento - 40 (06/06/1985); Decreto nº 94.224 (14/04/1987); Lei nº 13.136/2001- PMSP; Decreto Federal nº 750 de 10/02/1993; Lei n°3.007 de 11/06/2003 (Prefeitura da Estância Balneária de Itanhaém); Decreto nº 5.300 (07/12/2004), que regulamenta a Lei n° 7. 661 (16/05/1988). Através da verificação da compatibilidade, ou não, entre o uso da terra, com a legislação e com as características físicas, foi possível delimitar das zonas, correspondentes a: Zona de Proteção – unidades de paisagem em que o uso da terra refere-se à preservação, sendo importantes áreas para a manutenção da dinâmica ambiental da paisagem; Zona de Conservação – unidades onde o uso é permitido, desde que seja requerido a um órgão legal; Zona de Reabilitação – unidades de paisagem onde o uso da terra transgride a legislação ambiental, mas em que este processo de transgressão é reversível; Zona de Melhoramento – áreas onde o uso da terra transgride a legislação ambiental de forma irreversível e/ou onde a capacidade do ambiente de executar suas funções geoecológicas foi completamente alterada.

Resultado e discussão

A planície costeira possui aproximadamente 320 km², o que corresponde a 53% da área do município. Está situada em nível altimétrico entre zero a 13 metros acima do nível do mar. De modo geral, apresenta rupturas topográficas distribuídas por toda a sua extensão (Figura 2). É formada, sobretudo por sedimentos fluviais e marinhos, estes últimos acumulados nos períodos de transgressão marinha que ocorreram durante o Quaternário. As áreas mais elevadas correspondem aos terraços marinhos - ATM. Os terraços foram subdivididos em três unidades: terraços marinhos, terraços marinhos dissecados e terraços marinhos urbanizados. A unidade ATM corresponde à área subjacente a unidade colúvio. Os terraços correspondem a depósitos marinhos antigos, originados nos períodos transgressivos. A presença da cobertura vegetal, correspondente a floresta de restinga, promove a estabilização dos sedimentos. É importante ressaltar o papel dos cursos fluviais no processo de transporte, remobilização e deposição de sedimentos. Se no caso das escarpas e morros a declividade e a força da gravidade impulsionam o translado de matéria e energia, na planície, os cursos fluviais são os principais responsáveis. É na planície que os cursos fluviais provindos das escarpas e morros, confluem formando os grandes rios do município, determinando a intensa dinâmica fluvial na área. A unidade ATM possui atividades agrícolas esparsas, localizadas principalmente na margem dos rios Branco e Preto. A legislação permite esses usos, desde que regulamentados, mas em muitos casos, essas atividades avançam sobre as Áreas de Preservação Permanente – APP, referentes à margem fluvial. Isso interfere nas relações sistêmicas da paisagem, pois pode acarretar em processos erosivos nas margens, e consequentemente aumentar a quantidade de sedimentos nos rios, contribuindo para o assoreamento e também interferindo no balanço sedimentar das praias. Outro problema ambiental da área refere-se à possibilidade de que a expansão urbana avance sobre essa unidade. A unidade terraços marinhos dissecados localiza-se a S-SW do município e caracteriza-se por ser composta por dunas, dunas desmanteladas e cordões litorâneos. Essas feições geomorfológicas são consideradas pela legislação como Áreas de Preservação Permanente – APP, visto que são áreas instáveis, pouco coesas, mas que estabilizam a linha de costa e protegem o lençol freático, sendo habitats da fauna e flora (NEMA, 2012). São áreas onde há o predomínio da vegetação natural, mas que sofrem com a ocupação antrópica, principalmente nas áreas limítrofes com a expansão urbana. Em relação à área urbana do município de Itanhaém (SP), o caráter transformador promovido pela urbanização na paisagem natural, foi determinante para o estabelecimento da unidade terraços marinho urbanizados como unidade geoambiental de análise. Esta unidade encontra-se sob terrenos com baixa declividade (entre 2 a 5%). Caracteriza-se geomorfologicamente por estar sobre a ATM e também por incorporar dunas e cordões litorâneos, encobertos pela urbanização. A área urbana alterou as características naturais, interferindo na dinâmica ambiental original, impondo, desse modo, outra organização ao meio. As edificações e arruamentos provocaram a impermeabilização do solo, fato agravante para uma área que apresenta declives quase nulos, próximo do nível de base, e também a canalização e a retilinização de canais. Como a pluviosidade na área de estudo é bem distribuída durante todo o ano (média pluviométrica anual entre 1.500 a 2.000 mm), os alagamentos são constantes, visto que, com a impermeabilização do solo, as águas não se infiltram, acumulando-se e atingindo a cidade ou dirigindo-se concentrada pelos canais em direção ao mar. A cobertura vegetal foi retirada, restando alguns resquícios entremeados na área urbana. Foram identificadas também no mapeamento geomorfológico as unidades de colúvio- RC, de acumulação de planície fluvial - Apf, de acumulação de planície flúvio-marinha - Apfm e de acumulação marinha - Am. Os colúvios contribuem para a comunicação entre os níveis altimétricos superiores, relacionados às altas vertentes das escarpas e morros com as baixadas da planície. A unidade de acumulação fluvial corresponde à planície e terraço fluvial - Aptf. A energia potencial varia de acordo com a força do trabalho exercido pelo sistema fluvial. Os rios fazem a conexão entre as partes superiores e inferiores das bacias hidrográficas. Nas confluências de drenagem, a energia do relevo é intensa, resultando em elevado potencial erosivo. Os sedimentos dessa unidade correspondem a areias, cascalheira, silte e argila. Nas áreas de terraço fluvial, foram identificados meandros abandonados, fato que corrobora com a ideia de intensa dinâmica fluvial. Nas áreas de planície são inerentes a inundação periódica e a erosão marginal. Visto a importância dos cursos fluviais, a faixa marginal ao longo destes, é protegida por lei, sendo a mesma uma APP. Os problemas que atingem essa unidade são a ocupação das áreas de planície e de terraço pelas atividades agrícolas e pela expansão urbana. Nas demais áreas, a floresta de restinga atua na manutenção dos processos ambientais. No setor jusante do rio Itanhaém, situa-se a unidade de Apfm. Localizada em área de baixa declividade (2 a 5%) e próxima a linha de costa, a dinâmica dessa unidade está vinculada ao sistema fluvial e as oscilações marinhas, tornando essa área sujeita as inundações periódicas, controladas pelo regime das marés. Os sedimentos são finos relacionados a areias finas e argilas e o solo derivado desse sistema corresponde ao gleissolo sálico, rico em matéria orgânica. Na Apfm desenvolve-se um importante ecossistema costeiro, o manguezal. Os manguezais atuam ainda na estabilização da linha de costa, devido o controle da erosão desempenhado pelas raízes do mangue; retenção de sedimentos terrestres e também são considerados como filtro biológico evitando o assoreamento e a contaminação das águas costeiras. Devido a sua importância para a manutenção do sistema costeiro é legalmente definida como uma APP. Mas embora seja um importante elemento para a dinâmica ambiental, esse ecossistema encontra-se pressionado pela área urbana de Itanhaém (SP). Suas condições originais são mantidas apenas nas áreas mais interiores, afastadas da área urbana. Na interface entre a dinâmica continental e oceânica localiza-se uma estreita faixa arenosa correspondente a unidade Am. A interconexão entre o continente e o oceano confere a esta área uma intensa e inerente instabilidade natural. Formada por areias marinhas litorâneas, apresenta pouca coesão dos sedimentos, que são constantemente remobilizados pela ação das marés e ventos. É explorada intensamente por ser uma área de lazer sazonal e sofre com a expansão urbana. Com base na caracterização apresentada foram definidas as seguintes zonas geoambientais (Figura 2) para a planície costeira do município de Itanhaém - SP: Zona de Proteção: as áreas de preservação permanente: Apf, Apfm, Aptf dunas e restingas e a porção da praia a sudeste do município, onde existe uma área de preservação do jundu; Zona de Conservação: corresponde aos ATM e ATM cobertos pela floresta de restinga. Essa área é protegida pela legislação ambiental, mas o seu uso para outras finalidades é permitido, desde que requerido a um órgão legal; Zona de Reabilitação: as áreas de APP Aptf e Am; Zona de Melhoramento: apresenta a relação conflituosa entre as características ambientais, o uso da terra e a legislação ambiental, visto que estes causam alterações, principalmente nas unidades geomorfológicas limítrofes as atividades humanas, representadas principalmente pela urbanização (Tabela 1).

Figura 1

Mapa de localização do município de Itanhaém (SP).

Figura 2

Recorte espacial do mapa geomorfológico do município de Itanhaém - SP. Em detalhe, a foz do Rio Itanhaém.

Figura 3

Recorte espacial do mapa de zoneamento geoambiental do município de Itanhaém - SP. Em detalhe, a foz do Rio Itanhaém.

Tabela 1

Zonas geoambientais da planície costeira do município de Itanhaém – SP.

Considerações Finais

A eficácia de um adequado planejamento ambiental está intrinsecamente vinculada ao grau de conhecimento sobre a dinâmica ambiental. De acordo com esse raciocínio, o mapeamento geomorfológico de detalhe é um instrumento básico para a compreensão dos agentes e processos modeladores do relevo, possibilitando dessa forma inferir sobre a suscetibilidade de tais modelados a determinados tipos de uso da terra. Aproximadamente 80% da área do município de Itanhaém (SP) estão sobre o predomínio das zonas de proteção e de conservação, visto que são áreas resguardadas pela legislação ambiental. Entretanto, a expansão urbana e as atividades agrícolas são os principais elementos de intervenção na dinâmica da paisagem, visto a capacidade do uso da terra modificar profundamente as características naturais do meio. Para minimizar estes efeitos, ações de planejamento fundamentadas na geomorfologia local são necessárias para que haja equilíbrio na relação entre os componentes naturais e os componentes socioeconômicos, devendo-se conciliar a investigação sobre o sistema ambiental e a elaboração de leis e diretrizes mais restritivas. O conhecimento da dinâmica do relevo associado à escolha da escala de investigação adequada é o fundamento para uma correta intervenção antrópica no meio. Reforça-se assim a ideia de que as características locais devem ser as norteadoras das ações, visto que somente a imposição de uma legislação generalizante nem sempre é adequada as reais necessidades ambientais.

Agradecimentos

Referências

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