Autores
Almeida, A.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Paula, E.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)
Resumo
A Lei Florestal Brasileira (Lei n° 12.651/12) institui as Áreas de Preservação Permanente (APP’s), que possuem funções ambientais que garantem o equilíbrio da paisagem e intervenções nessas áreas podem resultar em impactos, como o assoreamento das drenagens. O objetivo do trabalho é comparar a estimativa da produção de sedimentos na extensão das APP’s considerando dois cenários: o Cenário 1 refere-se à cobertura vegetal natural e o Cenário 2 à cobertura vegetal e uso da terra de 2005. A área de estudo foi a bacia do rio Sagrado, em Morretes - PR, inserida na área de drenagem da baía de Antonina, que sofre problemas de assoreamento. No Cenário 2 ocorreu o aumento de 46,24% na estimativa de produção anual de sedimentos em relação ao Cenário 1. As categorias de APP’s de mata ciliar e de topos denotaram maior produção nos dois cenários analisados. A Lei Florestal em vigor legitima a expansão de atividades agropecuárias, o que poderá acentuar o processo de assoreamento da baía de Antonina.
Palavras chaves
Lei Florestal Brasileira; Assoreamento; Sistema de Informações Geográficas
Introdução
As Áreas de Preservação Permanente (APP’s) são áreas protegidas, estabelecidas pela Lei Florestal Brasileira (Lei n° 12.651/12). Essas porções da paisagem, independente da sua cobertura vegetal, possuem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012). A manutenção dessas APP’s, de acordo com Schäffer . (2011) garantem a preservação e integridade dos processos ecológicos e mantém seus serviços ambientais essenciais à saúde, à segurança, ao bem estar e à melhoria da qualidade de vida das populações urbanas e rurais, conforme é previsto na Constituição Brasileira de 1988. Deste modo, o desmatamento dessas áreas, voltado para a construção civil e atividades agropecuárias, causa instabilidade nesses ambientes, que passam a ser ineficientes no cumprimento de seus serviços ambientais, resultando em impactos negativos na paisagem como o desequilíbrio das dinâmicas naturais das bacias, no aumento na produção de sedimentos e consequentemente, na aceleração do assoreamento das porções mais planas das drenagens. A baía de Antonina, no litoral do estado do Paraná, sofre problemas de assoreamento. Segundo Nowatzki . (2009) a dragagem, uma das principais soluções adotadas para esse problema, vêm se tornando uma estratégia inviável em razão do seu alto custo, juntamente com a dificuldade de se licenciar áreas de despejo. A partir disso, Boldrini e Paula (2008) afirmam que há uma necessidade de não apenas analisar a área em si afetada pelo assoreamento e sim que o essencial é mapear as áreas fontes da produção de sedimentos que são carregados pelas drenagens. Os autores ressaltam que, primeiramente, se torna necessário investigar os processos que envolvem essa problemática e posteriormente, buscar atenuar os impactos ambientais e os custos com dragagens. Sendo assim, verifica-se a importância das APP’s no controle do assoreamento. Nowatzki (2010) ressalta que a preservação destas áreas, ou seja, o ato de deixá-las cobertas pela vegetação natural pode servir como uma espécie de agente ambiental e que pode diminuir consideravelmente a taxa de assoreamento de um ambiente. Em vista dessa dinâmica, é necessário analisar não apenas as características físicas da área de drenagem, mas também a cobertura vegetal e uso da terra para se verificar se há quaisquer tipos de intervenções humanas em APP’s, que são de suma importância na proteção dos recursos hídricos e na manutenção da paisagem. Neste contexto, o objetivo do seguinte trabalho consiste na análise comparativa da estimativa da produção de sedimentos na extensão das Áreas de Preservação Permanente (APP’s) em dois cenários: o Cenário 1 refere-se a cobertura vegetal natural e o Cenário 2 a cobertura vegetal e uso da terra de 2005. A área de estudo refere-se à bacia do rio Sagrado (Figura 1), com área total de 135,7 km² e tem como principal rodovia de acesso a BR-277. Localizada inteiramente no município de Morretes, no litoral paranaense, a bacia está inserida na área de drenagem da baía de Antonina e abrange as unidades geomorfológicas da Serra do Mar e Planície Litorânea.
Material e métodos
A base cartográfica utilizada para a delimitação das APP’s contemplou arquivos no formato shapefile, escala 1:25.000, correspondentes às curvas de nível, hidrografia e pontos cotados. Estes dados foram produzidos no ano de 2002 pelo DSG (Departamento de Serviço Geográfico do Exército), e posteriormente editados por Paula e Cunico (2006). Os mapeamentos descritos abaixo foram executados em ambiente SIG, com o uso do ArcGIS, da ERSI. As Áreas de Preservação Permanente da bacia do rio Sagrado foram delimitadas por Nowatzki et al. (2010) e Almeida e Paula (2014), sendo contempladas as categorias: APP1- nascentes; APP2- mata ciliar; APP3- topo de morros, montes, montanhas e serras; APP4- encostas acima de 45° de declividade; e APP5- manguezais. Para a delimitação destas categorias foram consideradas as condições estabelecidas pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, não sendo contemplado o artigo desta lei que prevê a restauração parcial das APPs em imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em suas APPs, já que não se dispõe do cadastro fundiário das propriedades da área de estudo. Para o mapeamento do potencial de produção de sedimentos da bacia do rio Sagrado, conforme mencionado anteriormente dois cenários foram considerados. No Cenário 1 efetuou-se o cruzamento matricial das classes de suscetibilidade geopedológica à produção de sedimentos, com as classes de vegetação natural. Enquanto que no Cenário 2, o cruzamento matricial das classes de suscetibilidade geopedológica à produção de sedimentos foi feito com as classes de cobertura vegetal e uso da terra correspondentes ao ano de 2005. A Carta de Suscetibilidade Geopedológica à produção de sedimentos foi confeccionada por Paula (2010), com resolução espacial de 50 metros. A Carta de Vegetação Natural foi elaborada em escala 1:50.000, por Paula e Santos (2009) e o mapa de Cobertura Vegetal e Uso da Terra foi elaborado a partir da imagem de satélite SPOT-5, com resolução espacial de 5 metros na banda pancromática (PAULA, 2010). Faz-se necessário apontar que ambos os cenários contemplaram toda a área de drenagem da baía de Antonina. Os cenários estimados por Paula (2010) tiveram como referência a metodologia de Campagnoli (2006), usada para análise de produção de sedimentos em terrenos brasileiros. Sendo que para tanto, este autor se baseou nas metodologias de elaboração de mapas de risco à erosão e ao assoreamento aplicadas por Diniz (1998), IPT (2000) e Campagnoli (2002). As classes de potencial foram associadas às taxas de produção de sedimentos (t.km-².a-¹), sendo: Muito baixa (<5); Baixa (5 – 70); Moderada (70 – 200); Alta (200 – 400) e Muito Alta (>400). Essas definidas por Campagnoli (2005; 2006), que utilizou os dados sedimentométricos apresentados por Filizola JR. (1999), Carvalho . (2000) e Lima . (2004). Para os cálculos de produção de sedimentos, a exemplo de estudos realizados por Campagnoli (2006), Borges . (2009) e Paula . (2014), estimou-se os valores médios respectivos para cada classe (t.km-².a-¹): 5, 35, 135, 300 e 450. Para a estimativa do valor total da produção anual de sedimentos da bacia do rio Sagrado, foi implementada a equação com a soma de área de todas as classes de potencial de produção de sedimentos. Enquanto que para a estimativa da produção média por km² efetuou-se a divisão do resultado obtido na equação pela área total da bacia. E por fim, para se verificar o potencial à produção de sedimentos nas porções de APP’s da bacia do rio Sagrado, em ambos os cenários estudados, foi efetuado o cruzamento espacial, por meio da utilização da ferramenta Intersect, disponível na extensão ArcToolbox do ArcGIS.
Resultado e discussão
As Áreas de Preservação Permanente delimitadas na bacia totalizaram 49,16
km², o que representa 36,22% de sua área total (Figura 1). A categoria com
maior expressão de área é a APP2, referente às margens de rios, com 27,83
km², representando 56,61% das APP’s e 24,05% da área total da bacia. Em
seguida, os topos de morros (APP3) totalizaram 15,16km², abrangendo 30,84% e
13,10% das APP’s, respectivamente. Os 5,66 km² concernentes ao entorno das
nascentes denotaram 4,17% da área da bacia e 11,51% das porções legalmente
preservadas. As categorias com menor expressão corresponderam às áreas com
declividade >45° e os manguezais, totalizando 0,29km² e 0,22km² de extensão.
Ao analisar a produção de sedimentos nas porções de Áreas de Preservação
Permanente na bacia do rio Sagrado, verificou-se que no Cenário 1 a produção
total de sedimentos foi de 1.168,18 t.a-¹. Já no Cenário 2, referente ao ano
de 2005, o volume de sedimentos totalizou 2.172,89 t.a-¹, aumentando a
produção em 46,24% (Tabela 1). A média de produção anual de sedimentos das
APP’s da bacia no cenário natural foi de 23,76 t.km-2.a-¹, enquanto que a
média para o cenário de 2005 caracterizou 44,20 t.km-2.a-¹.
Nos dois cenários avaliados, a categoria APP que apresentou maior estimativa
de produção de sedimentos, em valores absolutos, foi a APP2. No primeiro
cenário a produção foi de 556,26 t.a-¹, enquanto que no cenário antropizado,
o valor foi ampliado para 1.429,28 t.a-¹, o que representa um aumento
significativo de 256,94% (873,02 t.a-¹). A média de produção por quilômetro
quadrado, antes de 20,14 t.km-².a-¹, foi expressivamente ampliada para 51,36
t.km-².a-¹.
As nascentes (APP1) expressaram a produção de 134,64 t.a-¹ no Cenário 1 e
média de área (km²) de 23,80 t.km-².a-¹. No Cenário 2 a produção quase
duplicou (97,63%) em comparação ao cenário anterior e a média de produção
por área passou para 47,04 t.km-².a-¹.
Na área de zoom da Figura 2 verifica-se no entorno das drenagens o
predomínio das classes muito baixa e baixa, enquanto que na Figura 3 as
classes moderada e alta passam a ter destaque. Tal fator é apontado por
Paula (2010) devido ao alto índice de desmatamento das porções ribeirinhas
da bacia para o desenvolvimento de atividades agropecuárias e da implantação
irregular de estradas rurais próximos às margens de nascentes e rios.
A categoria de topos (APP3) foi a segunda maior produtora anual de
sedimentos, em termos absolutos, nos dois cenários, com 464,29 t.a-¹ e
463,25 t.a-¹, respectivamente. Entretanto, é a categoria com mínimas
diferenciações em termos de produção de sedimentos, com redução do cenário
natural para o cenário 2005 de apenas 0,22%. Em relação à produção por área,
a média em ambos os cenários foi elevada, de aproximadamente de 30 t.km-².a-
¹. Nos dois cenários, conforme Figuras 3 e 4, a categoria se manteve com
produção de muito baixa a moderada, com predomínio de produção baixa. Isso
se deve por grande parte dos topos da bacia encontrar-se ainda preservados
no cenário antropizado. Contudo, Almeida e Paula (2014b) destacam que a Lei
n° 12.651/12 não é clara quanto às normas de delimitação das APP’s de topos
e dependendo da interpretação adotada no processo de delimitação, tem-se o
risco eminente de expansão de ocupação em ambientes suscetíveis à produção
de sedimentos.
As áreas com declividade >45° (APP4) no primeiro cenário produziu 11,66 t.a-
¹ e no Cenário 2 diminuiu 10,66 t.a-¹. Assim, a produção anual de sedimentos
da categoria entre os dois cenários analisados foi similar, em função dessas
porções se manterem preservadas. No entanto, Paula (2010) destaca que esta
categoria revela alta suscetibilidade à produção de sedimentos. Diante
disso, em termos proporcionais de produção por área, com 40,33 t.km-².a-¹
foi a APP com maior taxa de produção de sedimentos no cenário natural e
36,87 t.km-².a-¹ a terceira maior no cenário de 2005.
Vale destacar que a produção moderada no cenário natural nas categorias de
topos e declividade >45° nas porções da Serra do Mar (Figura 2) resultou no
decréscimo mínimo no potencial de produção de sedimentos quando se
considerou o Cenário 2, mesmo em ambos os cenários essas áreas apresentarem-
se preservadas. O contado decréscimo pode ser explicado em função de a carta
de vegetação natural ter maior detalhamento entre as tipologias
vegetacionais mapeadas, predominando nas porções mais elevadas do relevo
Floresta Ombrófila Densa Altomontana, cujo grau de proteção ao solo é
inferior às formações Montana e Submontana, por exemplo. Enquanto que no
Cenário 2 toda a vegetação preservada foi classificada em uma única classe,
denominada de vegetação em estágio avançado.
Os manguezais (APP5) correspondem à categoria com menor estimativa de
produção de sedimentos em ambos os cenários, tanto em valores absolutos
quanto em termos proporcionais de área. No primeiro cenário, a produção
totalizou 1,34 t.a-¹ e a média por quilômetro quadrado foi de 6,09 t.km-².a-
¹. Contudo, esta categoria apresentou, de forma expressiva, um acréscimo
expressivo de 170,90% na produção de sedimentos no cenário de 2005 e a média
de área atingiu 16,40 t.km-².a-¹.
Os valores estimados para o cenário natural demonstraram-se coerentes,
quando comparados à literatura, conforme Shen e Julien (1992) que afirmam
que um fluxo típico de sedimentos refere-se a aproximadamente 25 t.km-².a-¹
(erosão geológica). Isto é evidente quando são consideradas as categorias
APP1 e APP2. Os valores mais expressivos obtidos para as categorias APP3 e
APP4 podem ser justificados pelo fato de as mesmas ocorrem em porções do
relevo mais suscetíveis aos processos erosivos, à medida que o oposto ocorre
para a categoria de APP5, localizados em áreas planas.
Quanto aos valores estimados para o segundo cenário nota-se correspondência
aos publicados por Borges . (2009) e Paula . (2014), que
estudaram respectivamente as bacias do rio Araguaia, situada na divisa dos
estados de Goiás e Mato Grosso, e as do rio Jaguari que se localiza na
divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo.
Diante dos resultados, verifica-se a tendência de proporcional aumento na
estimativa da produção de sedimentos na bacia do rio Sagrado conforme a
ampliação de ocupação em APP’s, especialmente voltada para atividades
agrossilvipastoris e implantação desmedida de estradas rurais.
Por outro lado, as mudanças na Lei Florestal Brasileira implicaram na
legitimação do uso agropecuário e dos acessos existentes em porções de
vegetação riparia, bem como na possível redução expressiva de mais de 95%
dos topos da bacia do rio Sagrado, devido a subjetividade da redação que
normatiza a delimitação da referida categoria de APP (ALMEIDA e PAULA,
2014a; ALMEIDA e PAULA, 2014b).
Sarcinelli . (2008) apontam que invasão das APP’s de vegetação
ripária por sistemas agrícolas é uma das principais causas da perda dos
serviços ambientais prestados por este ecossistema. Já para Silva .
(2011) as margens de corpos d’água e os topos de morro são áreas
insubstituíveis por sua diversidade e pelos serviços ambientais essenciais
que desempenham, tais como a regularização hidrológica, a estabilização de
encostas, a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o
controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas invasoras.
E por fim, caso as alterações na Lei Florestal Brasileira quanto à
delimitação das APP’s de drenagens (APP1 e APP2) sejam estritamente acatadas
e não ocorra uma correção na redação das normas de delimitação das APP’s de
topos, Almeida e Paula (2014a) e Almeida e Paula (2014b) enfatizam o risco
eminente de expansão de ocupação no entorno das drenagens e nos topos de
morros montes, montanhas e serras, áreas essas importantes contribuintes na
produção de sedimentos, o que certamente acarretará na aceleração desse
processo e consequentemente na intensificação do assoreamento da baía de
Antonina.
Mapa de localização e APP's da bacia do rio Sagrado
Potencial de produção de sedimentos das APP's da bacia do rio Sagrado (cenário natural e cenário 2005)
Considerações Finais
O seguinte trabalho demonstrou que ao se considerar o cenário antropizado de 2005, a estimativa de produção de sedimentos nas Áreas de Preservação Permanente da bacia do rio Sagrado aumentou significativos 256,94% em comparação com o cenário natural. Entre as categorias de APP’s existentes na área de estudo, as correspondentes à mata ciliar (APP2) e aos topos (APP3) apresentaram as maiores estimativas de produção de sedimentos em ambos os cenários. Os resultados descritos poderão subsidiar instrumentos de planejamento e gestão ambiental do território do litoral paranaense. Deve-se ainda ressaltar que as técnicas de SIG se mostram eficientes nos mapeamentos anteriormente descritos, apresentando resultados satisfatórios, o que possibilita a aplicação desta metodologia em outras áreas. Na conjuntura da problemática em questão, em contraste do custo privado de determinados agentes econômicos, como os produtores rurais para preservação, os programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA’s) tem sido adotados e apresentam-se como uma alternativa para a gestão dessas áreas. (PARRON et al., 2015). Contudo, a Lei 12.651/12 legaliza a ampliação de áreas consolidadas, principalmente nas áreas de mata ciliar e topos, voltadas para atividades agropecuárias e estradas rurais na bacia analisada, o que poderá ocasionar o aumento na produção de sedimentos e no consequente agravamento do processo de assoreamento da baía de Antonina.
Agradecimentos
Referências
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