Autores

Guimarães, V. (CPAQ/UFMS)

Resumo

Figueirão, município do Estado de Mato Grosso do Sul, está inserido na Unidade de Zoneamento Ambiental e Natural do Planalto do Taquari. Esta pesquisa justifica-se pela necessidade de alertar programas de desenvolvimento regional e local onde se costuma ouvir a comunidade apenas de maneira pró-forma, às vezes em audiência pública, sem nem mesmo haver uma política configurada em plano diretor (nem todos os municípios brasileiros são obrigados a tê-lo, muito menos executá-lo). Neste sentido os procedimentos metodológicos invocam a absorção da Teoria dos Sistemas, preocupando-se com os processos e respostas responsáveis pela esculturação da paisagem regional e destes gerar políticas de desenvolvimento econômico.

Palavras chaves

paisagem geomorfológica; carga do leito em canais fluviais; novos cenários

Introdução

Em Mato Grosso do Sul os sistemas ambientais físicos mais representativos são os que congregam as parcelas das bacias hidrográficas do rio Paraná com fluxos de correntes de água em canais cortando terrenos de coberturas extrusivas e deposicionais e a do rio Paraguai drenando terrenos dominantemente sedimentares da conhecida bacia sedimentar do Paraná em sua faixa ocidental, de significativa superfície erosiva, cuja rede de drenagem tem sido a principal organizadora do processo deposicional à bacia sedimentar do Pantanal, esta, fiel depositária de representativo volume de sedimentos e outros materiais advindos da primeira. Em ambas, a organização do espaço vem, ao longo da história sofrendo alterações conforme os modelos econômico-sociais nele se instalam (Guimarães, 1997). Nesta divisão “territorial” as superfícies comandadas por estas duas significativas redes de drenagem, imprimem quadros geográficos, denunciando a integração das ações construtivas e modeladoras das paisagens sul-mato-grossenses. Criado pela Lei 2.680 de 26/09/2003, o município de Figueirão, herda a área do município de Costa Rica, bem como do distrito de Figueirão, que pertencia a Camapuã, este último que deixou de ser distrito de Coxim desde setembro de 1.948. Figueirão está inserido na Unidade de Zoneamento Ambiental e Natural do Planalto do Taquari (IBGE/SEPLAN, 1989), embasado em rochas sedimentares das Formações Botucatu, Bauru, e Formação Caiuá, em relevos tabulares, colinosos, solos litólicos, podzólicos vermelhos amarelados e areias quartzosas em típica fisionomia de uso agropecuário (pastagem plantada e restrita área de agricultura de ciclo curto). A vegetação de savanas (semideciduais dominantes) tem pequena parcela de seus espaços sendo substituídos por cultivos de milho, cana-de-açucar, mandioca, e outros. O clima tropical (seco/úmido) controlado por massas equatoriais/tropicais contribui decisivamente para que a temperatura média anual gire em torno dos 23° C e chuvas entre 1.300/1.600mm (primavera-verão) e 200/250 mm (outono- inverno) (GOV.MS, 1992). O limite extremo leste corresponde ao planalto da Serra das Araras, que separa os sistemas de drenagem alimentadores das bacias do Paraguai (Taquari) e do Paraná (Sucuriú). Oficialmente, quase toda a área territorial de Figueirão é trabalhada em hidrologia de superfície por canais fluviais integrantes da bacia do Alto Paraguai, que tem como principal rede de drenagem interna a da bacia do rio Figueirão de direção leste-noroeste e tributário do rio Jaurú, figura 01, este a principal linha de drenagem do município recém-criado e determinante do limite norte/noroeste, desaguando no rio Coxim a oeste. Ao Sul da sede do município, ainda no planalto da Serra das Araras organiza-se a rede alimentadora do canal do rio Verde, em leitos de rochas extrusivas (basalto). A região é parte integrante da Bacia Sedimentar do Paraná, de provável ascensão epirogênica da Plataforma Brasileira, submetendo à dissecação rochas sedimentares de natureza principalmente psamítica (Crepani & Santos, 1994), com baixa resistência à ação erosiva, está alimentada ainda por uma significativa amplitude altimétrica criada entre o Planalto e a Planície do Pantanal Mato-Grossense quando então teriam se intensificado os esvaziamentos da paisagem planáltica com o surgimento das drenagens obsequentes, somadas às piratarias de drenagens, dentre elas, a do próprio Taquarí que tem sido um dos principais responsáveis pelo encaminhamento do produto da dissecação para dentro da planície.

Material e métodos

Quando se analisa a estrutura interna da paisagem aprende-se a lógica que é atribuir-lhe um caráter de conjunto, de totalidade, e não a um elemento da paisagem, mas a todo o ecótopo, porque da união espacial dos diferentes elementos da paisagem em um ecótopo não surge somente uma configuração, mas um conjunto harmonioso formado por componentes que se ajudam mutuamente e que não podem existir por si mesmos. Aposta-se então no desenvolvimento sustentável não pela auto-sustentação dos elementos inseridos numa paisagem qualquer, mas sim na co-existência harmoniosa entre os componentes produtivos do conjunto. Neste sentido os procedimentos metodológicos invocam a absorção da Teoria dos Sistemas, preocupando-se com os processos e respostas responsáveis pela esculturação da paisagem regional. Bertrand (1971) e mesmo Sotchava (1977), parecem tratar o geossistema onde o natural tem um oposicionista fervoroso, o Homem. Nos procedimentos metodológicos a busca de resultados apóia-se na abordagem sistêmica, enfatizando a teoria do equilíbrio dinâmico que considera o modelado terrestre como um sistema aberto, que, portanto, necessita de ininterrupta suplementação de energia e matéria, assim como funciona através de constante remoção de tais fornecimentos, o que permite considerar que os aspectos das formas não são estáticos e imutáveis, onde a massa da paisagem estará sendo removida implicando, por exemplo, no decréscimo do relevo médio, desde que não haja nenhuma compensação tectônica (CHRISTOFOLETTI, 1980). A pesquisa, em sua primeira etapa além de preocupar-se com a territorialização física do espaço estudado, no caso tendo como unidade de referência a alta bacia do Taquarí, utilizou-se de toda a representação cartográfica disponível, relatórios de pesquisas regionais, deslocamentos a campo, quando foi possível além dos reconhecimentos tradicionais (mapas), documentar os aspectos representativos que permitissem entender a idéia de conjunto tais como do arcabouço geológico em suas relações com os solos e a participação destes nos agrupamentos vegetais e significância do uso da terra e mesmo um relacionamento paisagístico com a região circunvizinha. Nesta fase sequente, viu-se na harmonia de um espaço territorial o fornecimento de matéria e energia aos sistemas de drenagens ao mesmo tempo em que seus resultados expõem redes de canais fluviais sobrecarregadas de sedimentos representando não só a força erosiva proveniente das encostas das vertentes como também o assoreamento progressivo dos canais levando a paisagem geomorfológica territorial, em conjunto, a cenários de transformações constantes.

Resultado e discussão

Dois grandes fatores devem ser considerados nesta mais recente criação da unidade territorial municipal de Figueirão para sua inserção na bacia do Taquarí: primeiramente o fator político determinístico e gerador daquele espaço geográfico paisagístico com mais de 90% da área oriunda do município de Camapuã, região que desde 1.593 foi ocupada pelos jesuítas espanhóis e posteriormente utilizada como rota nas incursões dos bandeirantes em direção a Cuiabá (IBGE, 1985), município este que ao longo de sua história vem mantendo uma vocação predominante do uso da terra com a pecuária de corte. Subentende-se aqui que os interesses políticos e econômicos dos produtores rurais atinentes com a produção de gado foram significativos no processo de desmembramentos de terras e criação do novo município, atividade econômica predominante. O relatório da Susceptibilidade Erosiva na Macro Região da Bacia do Paraná em 1992 alertava para a situação atual da erosão na Região ao Norte de Camapuã, hoje município de Figueirão, identificando-a como parte da unidade geomorfológica das Depressões Interiores, esculpida em rochas com predominância de arenitos eólicos da Formação Botucatu com altos índices de dissecação do relevo, apresentando solos variados e com alta instabilidade natural, figura 01 onde, nas encostas, o aparecimento de sulcos, ravinas, alguns encaminhamentos para processos de vossorocamento nas cabeceiras do rio Jaurú, nível de base que conduz as saídas de águas e sedimentos para fora do território de Figueirão, em presença de arenitos do grupo Bauru, serra das Araras. À época dessa publicação, aceitou-se a impossibilidade em se reverter o processo de uso da terra dominantemente com pastagens, sugerindo-se a recomposição da vegetação nas circunvizinhanças das cabeceiras de drenagem e ao longo dos vales, além de manejos de controle dos solos (MATO GROSSO DO SUL, 1992). Recentemente (entre 2000 e 2002), o Estado de Mato Grosso do Sul foi novamente objeto de estudos buscando-se atingir uma visão de futuro a partir de “desejos regionais” definidos no Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), quando o território sul-mato-grossense foi dividido em oito novas microrregiões. Desta divisão surgiu a região Norte com 47.025km² contemplando os municípios de Alcinópolis, Costa Rica, Coxim, Pedro Gomes, Rio Verde de Mato Grosso, São Gabriel do Oeste, Camapuã (inclusa a área de Figueirão, até então Distrito). O Plano, numa primeira etapa buscou diagnosticar (forma macro) os problemas e potencialidades regionais, suas macro tendências e perspectivas de visão futurista prognosticada para o ano de 2.020 (GUIMARÃES, 2005). Acredita-se que o “determinismo político” que se enraizou por pelo menos mais de dois séculos na região, associado à baixa qualidade dos solos (predominantemente arenosos), de susceptibilidade erosiva comprometedora, em topografia de compartimentação planáltica, contrastando com o bem representativo nível de base da Depressão do Pantanal Sul-Mato-Grossense (forte atrativo à movimentação dos solos das encostas do Planalto do Taquari), possivelmente combinando na maioria das vezes com períodos chuvosos curtos, porém de alta pluviosidade e da substituição da vegetação nativa por pastos plantados (em excesso), tenham sido até então, em conjunto, fatores negativos às expectativas de implementação de novas políticas de uso e ocupação do solo. Na região pesquisada, considerada a área do município de Figueirão, mais de 90% da linha perimetral intermunicipal está determinada por linhas de canais de drenagem fluvial, onde, as incidências de ocorrências de erosão acelerada, com representativo deslocamento de solos acabam todas sendo encaminhadas em direção ao canal do Rio Jaurú, deste ao canal do rio Coxim para finalmente sob o comando da dinâmica das águas do rio Taquarí adentrar na bacia sedimentar do Pantanal, como destacado em Guimarães, 2005. Além destes limitantes naturais, há ainda que se considerar o caso do canal do rio Figueirão e do córrego Desbarrancado (fig. 02 e 03) onde o excessivo volume de carga de fundo transmite uma grande preocupação com o destino dos solos em movimento nas encostas. Neste sentido, a herança territorial que Figueirão recebeu principalmente de Camapuã está enraizada não apenas na utilização da terra com as atividades de cria, recria e engorda na bovinocultura, como também vivenciada na forma extensiva de ocupação ao longo da existência não somente do município de Camapuã como ainda de quase toda a Microrregião Administrativa do Alto Taquari.

FIGURA 01

Figura 01 – Risco de Erosão atuante no período de outubro a maio, região do território de Figueirão / MS, definida nos estudos de correlação entre a pluviosidade e a erosividade. Fonte:

FIGURA 02

Fig. 02 – Canal do rio Figueirão, mostrando sinais evidentes de assoreamento e marcas dos efeitos da dinâmica fluvial na organização da tipologia de anastomose.

FIGURA 03

Fig. 03 Proximidades da confluência do canal do córrego Desbarrancado no canal do rio Figueirão, testemunhando a contribuição dos tributários no transporte e deposição de sedimentos ge

Considerações Finais

Numa primeira aproximação é possível concluir que a dinâmica evolutiva da paisagem não esteve “vitimada” apenas e tão somente pela elevação epirogenética da Plataforma Brasileira, uma vez que segundo Crepani & Santos (1994), durante tal ascensão o canal principal que se instalou no reverso teria comportamento direcional voltado para o Leste acompanhando o mergulho das camadas, coordenando a construção inicial evolutiva da rede de drenagem. Porém, o fator gradiente não parecia tão evidente se comparado ao contraste gerado pela amplitude altimétrica entre a superfície do Planalto da Bacia Sedimentar do Paraná com a da Depressão do Pantanal Matogrossense, quando a drenagem obsequente instalando-se naquele significativo desnível altimétrico, associado à exposição por epirogênese de material sedimentar de fraca resistência à erosão, intensificou o recuo de cabeceiras de drenagem planalto adentro, uma vez que ao mesmo tempo processos lineares de aprofundamento dos talvegues cediam aos atrativos do nível de base da Depressão do Pantanal Matogrossense, que por efeito cascata atraiam para si uma quantidade imensa de sedimentos (ferramenta erosiva) oriundos da ação conjunta de recuo das cabeceiras com o alargamento dos vales. Como se não bastasse apenas considerar o desequilíbrio da natureza, comportamento normal em busca da sustentação do seu próprio equilíbrio, a região teria vivido, de forma crescente à medida que as redes de canais ampliavam-se, uma intensificação de ações erosivas e alterações constantes na paisagem.

Agradecimentos

Referências

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