Autores
Lima, M.T.B. (Universidade Regional do Cariri-URCA) ; Pinheiro, M.A. (Universidade Regional do Cariri-URCA) ; Silva, J.M.O. (Universidade Regional do Cariri-URCA)
Resumo
O presente trabalho traz uma abordagem da influência dos condicionantes geomorfológicos ao risco à inundação na microbacia do rio Granjeiro localizada na cidade do Crato/CE. Dentre os procedimentos metodológicos realizados destaca-se revisão bibliográfica sobre a temática, confecção de mapa em gabinete e levantamentos de campo. Tendo como método de análise a atribuição de notas e valores aos fatores geomorfológicos e as formas de ocupação do solo da área em estudo. Pode se concluir que, dentre as principais áreas propícias ao risco de inundação são exatamente as localidades onde se faz presente a ação modificadora do homem sobre o rio, as áreas mais planas e de baixa declividade, as condições ambientais e urbanas que favorecerem as inundações.
Palavras chaves
declividade; altitude; risco à inundação
Introdução
A microbacia do rio Granjeiro localiza-se na cidade do Crato (Figura 01), na região sul do Estado do Ceará, com uma área de aproximadamente 20,96 km². O rio Granjeiro possui suas nascentes na encosta da Chapada do Araripe. Durante o seu trajeto apresenta uma série de alterações, como a sua canalização no médio e baixo curso, que acabam por configurar em impactos ambientais, aliados a tais alterações, fatores naturais como a declividade e a altitude, potencializam o risco a eventos de inundações em períodos de grandes chuvas. O presente estudo tem por objetivo analisar como os fatores geomorfológicos, especificamente, a declividade e altitude, atuam na contribuição ao risco de inundação na microbacia do rio Granjeiro. As bacias hidrográficas estão passando por grandes modificações no decorrer dos seus percursos, e uma das causas é a expansão urbana, que em muitos casos acontece de forma irregular e sem planejamento ocupando as margens dos rios, especialmente nas planícies, consideradas áreas de risco, devido à probabilidade de ocorrerem enchentes e inundações. Na microbacia estudada não é diferente, verifica-se uma urbanização intensiva e desordenada, que se concentra nas áreas do baixo curso do rio Granjeiro, onde se construiu um canal, que durante a época de chuvas intensas transbordou diversas vezes. Os problemas resultantes da inundação dependem do grau de ocupação da várzea pela população e da frequência com a qual ocorrem as inundações (Tucci, 2003). A ocupação de áreas de riscos de inundação provoca impactos sociais relevantes. Alguns casos já foram registrados na microbacia. No ano de 2015 identificaram-se eventos de cheias e inundações no canal do rio Granjeiro, associados a chuvas intensas durante a madrugada do dia 23 de abril. O canal transbordou, alagando ruas, avenidas e estabelecimentos. Segundo Tucci (2003) as principais condições naturais para a ocorrência de enchentes são relevo, tipo de precipitação, a cobertura vegetal e a capacidade de drenagem. Já as principais condições artificiais são as obras hidráulicas, a urbanização, os desmatamentos, o reflorestamento e o uso agrícola.
Material e métodos
Para compreensão dos conceitos desta temática de inundação se faz necessário discutir a diferença de inundação e enchentes. Segundo Kobiyama et al (2006) a inundação, popularmente tratada como enchente, é o aumento do nível dos rios além da sua vazão normal, ocorrendo o transbordamento de suas águas sobre as áreas próximas a ele. Estas áreas planas próximas aos rios sobre as quais as águas extravasam são chamadas de planícies de inundação. Quando não ocorre o transbordamento, apesar do rio ficar praticamente cheio, tem-se uma enchente e não uma inundação. Existem vários tipos de riscos: riscos ambientais, riscos tecnológicos, riscos econômicos, políticos e sociais. O referente estudo está voltado para os riscos naturais que segundo Almeida (2010) podem ser divididos em dois: Riscos Naturais que são riscos pressentidos, percebidos e suportados por um grupo social ou um indivíduo sujeito à ação possível de um processo físico natural, podem ser de origem litosférica (terremotos, desmoronamentos de solo, erupções vulcânicas), e hidroclimática (ciclones, tempestades, chuvas fortes, inundações, nevascas, chuvas de granizo, secas); apresentam causas físicas que escapam largamente à intervenção humana e são de difícil previsão. E os Riscos Naturais agravados pelo homem, que são resultado de um perigo natural cujo impacto é ampliado pelas atividades humanas e pela ocupação do território; erosão, desertificação, incêndios, poluição, inundações etc. Procedimentos Metodológicos A metodologia para o mapeamento do risco à inundação contemplou revisão bibliográfica sobre a temática, confecção de mapa em gabinete e levantamentos de campo. A produção dos mapas temáticos (altitude e declividade), utilizou-se a base digital de elevação (SRTM), disponível em uma versão refinada para o território brasileiro através do TOPODATA - Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil (Valeriano, 2005; Valeriano, 2009). O mapa de uso e ocupação foi realizado através da classificação supervisionada com a imagem do Landsat 8, setembro de 2014. Os mapas foram produzidos no software Arcgis 10.3, datum SIRGAS 2000. Os fatores determinados como importantes e que influenciam diretamente no nível da água alcançado por uma enchente são: altitude, declividade, uso da terra, precipitação e tipo de solo (SANTOS et al, 2010). Neste trabalho analisou-se a contribuição dos fatores naturais de altitude e declividade como condicionantes a ocorrência das enchentes e inundações, pois estão diretamente relacionados ao escoamento das águas. Posteriormente, elaborou- se um mapa de uso e ocupação do solo para a análise de como os condicionantes de uso podem também interferir nas inundações. Para cada tema analisado (declividade, altitude e uso e ocupação), procurou- se estabelecer notas de acordo com o grau de susceptibilidade a inundação. Quanto menos susceptível, as notas se aproximam de 0, quanto mais susceptível a inundação a nota de aproxima de 10, baseado na metodologia proposta por Santos et al (2010). Os mapas foram reclassificados no software Arcgis com suas respectivas notas de risco à inundação.
Resultado e discussão
Dentre os fatores analisados que condicionam o risco à inundação temos: a
altitude, que quanto maior a altitude, menor a probabilidade de inundação
para uma determinada região devido à ação da lei da gravidade que direciona
a água para as regiões mais baixas; a declividade do terreno, a qual
influencia diretamente no acúmulo de água no terreno e no escoamento
superficial. As áreas planas apresentam maiores probabilidades de ocorrerem
inundação do que áreas escarpadas, onde a água tende a escoar. Os
diferentes tipos de uso e ocupação do solo influenciam na capacidade de
infiltração e escoamento superficial da água. As áreas com maior
impermeabilidade tendem a acumular mais água em superfície por causa da
impermeabilização do solo, ao contrário do que ocorre em solos com cobertura
florestal que favorece a infiltração das águas. A falta de planejamento e
regulamentação nas áreas ocupadas fazem sentir as consequências em,
praticamente, todas as cidades de médio e grande porte, como assinala Tucci
(1997). As canalizações em muitos casos são apresentadas como soluções,
depois que o espaço está todo ocupado, como é o caso do microbacia em
análise, porém o autor fala que esse tipo de solução acaba apenas por
transferir as inundações de um lugar para outro na bacia.
Botelho (2011) vem afirma que intervenções como a de canalização são tomadas
em muitos casos pensando no melhoramento das cidades. No entanto, quando se
altera um trecho de um rio não se estar modificando somente uma parte deste,
mas o recurso como todo, prejudicando também seu equilíbrio dinâmico. Tucci
(1997) aponta para o fato de que no Brasil não existe nenhum programa
sistemático de controle de enchentes que envolva seus diferentes aspectos. E
que as providências que atendam as consequências de enchente e inundação são
realizado somente depois de sua ocorrência, sendo esquecidas e retomada a
discussão somente a um novo evento.
Os mapas de declividade e altitude e ocupação comprovam o quão cada fator
pode interferir de forma decisiva em casos de risco à inundação. Para
verificar tais apontamentos os mapas a seguir explicitam cada tema
analisado.
O mapa de declividade (figura 02) expõe as diferenciações entre as elevações
do terreno ao longo da microbacia. As áreas representadas no tom de marrom
mais forte equivale às localidades de menores declives (que corresponde a
porcentagem de 0 a 3 de declividade e recebendo a nota 10) e se localizam
justamente no baixo curso do rio, sendo assim as áreas mais planas. As
localidades representadas no tom de marrom mediano no mapa, são os locais
que oscilam em 3 a 8% e são consideradas ondulações suaves, recebendo a nota
9 em relação a sua influência ao risco a inundação. Os locais com ondulações
e fortes ondulações apresentadas no mapa nas duas tonalidades mais claras do
marrom e porcentagens de 8 a 45 e notas 5 e 3, são verificadas em quase toda
a extensão da microbacia, sendo consideradas áreas com probabilidade baixa
ao risco, onde se estabelece também de forma clara o alto curso do rio,
assim como as localidades de com ondulações e fortes ondulação a área
identificada na cor amarela com 75% de declividade e nota 1, qualificada
como a escarpa da chapada não condiciona o acumulo de águas por possuírem
declives acentuados devido suas características estruturais naturais.
O mapa de altitude (figura 03) nos apresenta que ao longo da microbacia nas
áreas da encosta da Chapada do Araripe, que correspondem ao alto e parte do
médio curso do rio, são onde se concentram as áreas de maior altitude (com
717 metros de altitude e valor 2 para o risco), representada no mapa na cor
marrom claro acinzentado, que desfavorecem o acúmulo de água, como também as
localidade com altitudes entre 623 e 493 metros, representados no mapa nas
cores de marrom, amarelo e verde claro, possuindo respectivamente os valores
ao riscos à inundação 5 8 e 9. O mapa ilustra também que os locais com
menores altitudes 383 a 492, com o valor 10 para o risco, verificados na
tonalidade clara do azul, se apresentam no baixo curso do rio, compreende
parte do centro comercial e bairros residenciais da cidade do Crato,
comportando uma urbanização bem elevada.
Como o grau de urbanização se comporta de maneira relevante e como a área em
estudo se encontra em constante processo de urbanização, faz-se necessário a
discussão do mapa de cobertura vegetal e ocupação, que nos mostra o quanto a
microbacia está modificada pela ação antrópica, principalmente no baixo
curso.
As formas de uso e ocupação do solo contribuem para aumentar o risco. As
transformações no ambiente realizadas pelo homem podem e muitas vezes são
irreversíveis, como também suas consequências. Assim como destaca Tucci
(1997) ao dizer que, após a urbanização ocorre a impermeabilização do solo
através de telhados, ruas, calçadas e pátios, entre outros. A parcela da
água que infiltrava passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamento
superficial, com a ocupação urbana, é maior o volume de água que passa a
escoar, exigindo maior capacidade de escoamento das seções. Deste modo, o
risco se agrava, pois, as obras de drenagem e os sistemas de rede esgoto na
maioria das cidades brasileiras quando são construídas são feitas de modo
insuficiente para solucionar tais problemas.
Reforçando também Silva (2013) ressalta que os efeitos podem ser
intensificados com as intervenções humana e as ocupações inadequadas
comprometem as condições de escoamento agravando ainda mais as intensidades
das inundações.
No mapa da cobertura vegetação e ocupação (figura 04), são apresentas as
notas que podem ser avaliadas como o grau de atuação de cada ambiente seja
natural ou modificado em relação ao risco a inundação, que cada camada
identificada e analisada exerce. A vegetação está dividida em duas camadas,
sendo a mata úmida representada no tom mais escuro identificável do verde,
com nota 1, e localizada no topo da Chapada do Araripe, a vegetação
subcaducifólia no tom de verde claro e nota 2, os solos desnudos com nota 6
em um tom mais alaranjado e a ocupação humana de nota 9, no tom de vermelho.
A microbacia do rio Granjeiro é um exemplo de como as interferências
antrópicas favorecem os desastres naturais, neste caso o de inundação. As
áreas com vegetação densa localizadas na microbacia no alto curso do rio
facilita o processo de infiltração da água, isso porque o solo encontra-se
coberto apenas pela vegetação, o que não impede o processo de infiltração da
água, atrelado a esse fator se tem a declividade (que na localidade possui
um declive acentuado, favorecendo o escoamento das águas) diferente do que
ocorre nas áreas urbanas (mais asfalto, menos vegetação) a água escoa mais,
e a falta de drenagem eficiente das águas da chuva (bocas de lobo) e a rede
de esgoto favorecem a concentração das águas em algumas localidades.
No ano de 2015 identificaram-se eventos de cheias e inundações na microbacia
do rio Granjeiro. A chuva ocorrida no dia 22 de abril de 2015 começou por
voltas das 21h:30 se estendendo até as 02h:00 da madrugada do quinta-feira
(dia 23) – registrando 162 mm de acordo com a FUNCEME, O evento foi
ocasionado pelo sistema atmosférico Zona de Convergência Intertropical
(ZCIT), acarretando em grandes estragos devido o curto espaço de tempo e a
quantidade de chuva. Nas imediações mais próximas a canalização do rio que
se prolonga por grande parte da Avenida José Alves de Figueiredo, sofreram
com alagamentos e ocorrendo ainda destruição de parte do canal. No entanto,
os alagamentos também foram registrados em outros pontos da cidade, na Rua
Tristão Gonçalves, mais conhecida como Rua da Vala no centro da Cidade do
Crato, inúmeros estabelecimentos comerciais foram atingidos. Com o
levantamento de campo realizado no dia seguinte foram identificados outros
pontos de transbordamento – mais precisamente nas edificações da Prefeitura
do Município.
Mapa de localização da microbacia do rio Granjeiro
Mapa de distribuição das notas de risco à inundação – Declividade.
Mapa de distribuição das notas de risco à inundação – Altitude.
Mapa de distribuição das notas de risco à inundação - cobertura vegetal e uso e ocupação
Considerações Finais
A canalização do rio Granjeiro, retirada da mata ciliar, a construção de casas e estabelecimentos e de vias de acesso nas localidades identificadas nos mapas como as mais propícias ao risco, contribuem de modo significativo para os casos de alagamentos e inundações. Isto por que o grau de impermeabilização dessas áreas é muito forte. O canal muitas vezes em períodos intensos de chuvas não conseguiu suportar a pressão da água que desce da encosta, rapidamente o canal enche e transborda nas imediações do centro da cidade. Como podem ser observado nos mapas, estas áreas do baixo curso do rio Granjeiro, são as localidades consideradas as mais vulneráveis ao risco à inundação, sendo estas as áreas mais ocupadas e que possuem fatores geomorfológicos em condições naturais para a inundação. A produção cartográfica veio para identificar e comprovar as áreas mais susceptíveis ao risco à inundação e assim ajudar compreender alguns casos de desastres já acontecidos na microbacia. Desse modo, através dos mapas produzidos que futuramente resultara no de risco à inundação pode se concluir que, dentre as principais áreas propicias ao risco de inundação são exatamente as localidades onde se faz presente a ação modificadora do homem sobre o rio, ou seja, as áreas em que se segue o canal do rio Granjeiro, no baixo curso do rio, as áreas mais planas e baixa altitude, as condições ambientais que favorecerem as inundações.
Agradecimentos
A Universidade Regional do Cariri pelo apoio financeiro através do Programa de Iniciação Científica PIBIC-URCA, a Profª. Juliana Maria Oliveira Silva pelas orientações no trabalho, e a equipe dos Laboratórios de Análise Ambiental – LaGeo e Laboratório de Geoprocessamento – LabGeo pelo apoio na pesquisa.
Referências
BERGER, M. V. S.; SILVA, M. C. da.; SALDANHA, J. C. S. Análise de vulnerabilidade da RPPN Cafundó. In: MORAES, A. C. de; SANTOS, A. R. dos. (Org.). Geomática e análise ambiental. Vitória, ES: EDUFES, 2007. p. 32-46.
BOTELHO, R. G. M. Bacias hidrográficas urbanas. In: Guerra, A. J. T. (Org.) Geomorfologia Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p.71-115.
KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M.; MORENO, D. A.; MARCELINO, I. P.V.O.; MARCELINO, E. V.; GONÇALVES, E. F.; BRAZETTI, L. L. P.; GOERL, R. F.; MOLLERI, G. S. F.; RUDORFF, F. M. Prevenção de Desastres Naturais: conceitos básicos. 1. Ed. Curitiba: Organic Trading, 2006. P. 109.
SAATY. T. H. A scaling method form priorities in hierarquical structures. Journal of Mathematical Psychology, v.15, n. 3, p. 234-281, 1997.
SANTOS, A. R. dos; LOUZADA, F. L. R de O.; EUGENIO, F. C. (Coord.). ArcGIS 9.3 total: aplicações para dados especiais. Alegre, ES: Ciências Agrárias Universidade Federal do Espírito Santo/CAUFES, 180 p., 2010.
SlLVA. C. V. F. Planejamento do Uso e Ocupação do Solo Urbano Integrado ao Mapeamento de Áreas com Risco à Inundação. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013, p. 164.
TUCCI, C.E.M. Água no Meio Urbano. In.: ____. Água Doce. Universidade Federal do rio Grande do Sul. 1997, p.3-35.
TUCCI, C.E.M. Inundações e drenagem urbana. Inundações urbanas na América do Sul. Porto Alegre: ABRH, p. 45-150. 2003.
VALERIANO, M. M. Modelo digital de variáveis morfométricas com dados SRTM
para o território nacional: o projeto TOPODATA. In: XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, 2005, Goiânia, GO. Anais do XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, 2005. p. 1-8.
VALERIANO, M. M.; Rossetti, D. F.; Albuquerque, P. C. G. Topodata: desenvolvimento da primeira versão do banco de dados geomorfométricos locais em cobertura nacional. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, 2009, Natal, RN. Anais..., São José dos Campos, SP : INPE, 2009.