Autores

Otsuschi, C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL) ; Alba, R.S. (UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ) ; Bocalon, V.L.S. (ESTUDANTE DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFSC)

Resumo

A preocupação em proteger os recursos naturais é importante para manter a biodiversidade, a geodiversidade, a saúde e reduzir tanto os danos ambientais quanto os riscos geomorfológicos. Uma das possibilidades nas pesquisas ambientais é o estudo da paisagem. Nesse tipo de estudo é fundamental considerar os sujeitos que intervém no uso do ambiente, como moradia, para atividades econômicas, sociais e políticas. A percepção do meio pode estar associada com as intencionalidades. Para mostrar a relação entre percepção da paisagem, intencionalidade e planejamento ambiental foram analisadas algumas sugestões da população de Chapecó/SC sobre o meio ambiente para a revisão do Plano Diretor em 2013. Verificou-se em algumas propostas o desconhecimento das funções ambientais e da relação entre uso da terra com os riscos geomorfológicos, os problemas sociais e ambientais.

Palavras chaves

Percepção da paisagem ; Planejamento Ambiental; Chapecó

Introdução

O plano diretor pode ser considerado importante instrumento na gestão municipal visando evitar ou minimizar problemas ambientais, que muitas vezes estão diretamente associados ao aumento populacional e à expansão urbana. As mudanças nas paisagens urbanas mostram a necessidade de estudos para reduzir os impactos negativos e os riscos geomorfológicos. O conhecimento das características fisiográficas e das funções ambientais dos recursos naturais é fundamental para fazer um planejamento territorial e ambiental. Para Cavalcanti (2012, p. 27) o planejamento municipal é um instrumento de grande valia da Lei Federal nº 10.257 de 10/07/2001, Estatuto da Cidade, sendo necessária a "[...] elaboração do plano diretor para gerir a política urbana". O plano diretor, enquanto instrumento, reflete as intenções para o desenvolvimento da cidade, sendo muitas vezes difícil considerar as características fisiográficas, a fisiologia da paisagem, os riscos geomorfológicos e os interesses da população. O presente trabalho tem como objetivo mostrar como as pessoas veem os elementos da paisagem e como expressam sua relação com o local. Em um processo de planejamento territorial e ambiental, a percepção que os moradores têm da paisagem urbana e suas intencionalidades podem revelar conflitos sociais, econômicos e ambientais. Para a análise sobre a percepção do meio e as intencionalidades foram consideradas as propostas para a revisão do plano diretor de Chapecó sobre o meio ambiente. Esse instrumento de planejamento foi homologado em 2014. Chapecó é uma cidade localizada no Oeste de Santa Catarina que realizou o processo de revisão do Plano Diretor com a participação pública em 2013 e 2014, através de contribuições de moradores e de entidades de diversas categorias; de oficinas e audiências públicas.

Material e métodos

De acordo com Reche (2008), em 1974 foi elaborado o primeiro Plano Diretor de Chapecó sendo revogado na década de 1980. A nova Lei de Zoneamento foi elaborada por equipe interna do município e constituía-se de uma lei com parâmetros urbanísticos precisos, para o uso e a ocupação do solo urbano. Em 1990 foi substituída pelo Plano Diretor Físico-Territorial (Lei Complementar nº 04 de 31 de maio de 1990) e a nova Lei de Zoneamento desta, que, em linhas gerais, seguia os mesmos critérios de uso e ocupação do solo da Lei de 1980. O terceiro Plano Diretor foi realizado em 2004, sendo modificado em 2007. Em 2013 iniciou-se o processo de revisão do Plano Diretor, tendo inicialmente a participação da população, entidades, universidades e outros representantes com sugestões enviadas por e-mail ou protocoladas. Foram identificados 144 proponentes que apresentaram propostas para serem debatidas em oficinas temáticas. É importante registrar que um proponente podia ter mais de uma proposta para diferentes oficinas temáticas. Foram realizadas audiências públicas para homologar as deliberações realizadas nessas oficinas. As propostas foram classificadas em seis oficinas temáticas, a saber: 1. Oficina de Instrumentos na Indução do Desenvolvimento Urbano, abordando: Participação da Sociedade, Controle Social e Gestão Democrática; Instrumentos Tributários e Financeiros; Instrumentos de Gestão da Valorização da Terra. 2. Oficina de Mobilidade Urbana: Transporte Público e Trânsito; Transporte Alternativo e Acessibilidade Urbana. 3. Oficina de Código de Obras: Normas Específicas das Edificações; Acessibilidade e Parâmetros Técnicos Construtivos. 4. Oficina de Meio Ambiente: Áreas de Preservação Permanentes, Faixas não edificantes e Cursos d'água; Áreas Especiais de Readequação Ambiental e Áreas Especiais de Interesse Ambiental; Desgrave e Gravame de Novas Áreas Especiais de Interesse Ambiental; Definição de novas áreas para parques. 5. Oficina de Uso e Ocupação do Solo e Parcelamento do Solo: Composição do Território e Normas de Uso e Ocupação do Solo; Loteamento Fechado e Condomínio de Lotes; Loteamentos e Bacia do Lajeado São José; Outras Modalidades de Parcelamento do Solo. 6. Oficina de Zoneamento do Entorno do Aeroporto: Uso e Ocupação do Entorno do Aeroporto e Definição do Zoneamento. Para a análise foram consideradas as propostas relacionadas às questões ambientais que foram classificadas para a Oficina de Meio Ambiente com 27 proponentes. Vale ressaltar que algumas propostas relacionadas às questões ambientais foram classificadas em outras oficinas. Dessa forma, propostas de dois proponentes relacionadas ao Uso e Ocupação do Solo e Parcelamento do Solo e às Áreas Verdes, foram consideradas nessa análise também. As propostas analisadas foram agrupadas em quatro categorias: áreas verdes, cursos de água, resíduos sólidos e atualização de mapas. A análise teve como base a proposta apresentada, provável intencionalidade e o conhecimento das funções dos recursos naturais mencionados na proposta.

Resultado e discussão

1. URBANIZAÇÃO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL Segundo Amorim (1994) o processo de ocupação e expansão do meio urbano é um sério problema da humanidade, principalmente quando ocorre de forma desordenada utilizando os recursos naturais sem planejamento. Deslizamentos, enchentes, desmatamento e poluição hídrica são alguns exemplos das consequências dessa ocupação sem a execução adequada de um planejamento territorial e ambiental. Araújo (2001, p. 347) ressalta que “A degradação da qualidade ambiental urbana [...] nas cidades brasileiras [...]” reflete o “conflito entre os interesses da proteção ambiental e do desenvolvimento socioeconômico”, gerando danos ambientais urbanos. Dessa forma, o planejamento municipal deve contemplar ações restritivas que minimizem os danos ambientais e não potencializem os riscos geomorfológicos. 2. PERCEPÇÃO DA PAISAGEM As experiências e a interação com o meio podem refletir a percepção do ambiente. Assim, a mesma paisagem pode ser percebida de formas diferentes por um grupo de pessoas. Entende-se Paisagem como uma: “[...] determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente, uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução” (BERTRAND, G; BERTRAND, C. 2007, p. 7-8). Destaca-se que a percepção da paisagem vai além da visão, com os demais sentidos contribuindo nesse processo de identificar, reconhecer, perceber e lembrar os fatos ocorridos. Searle (2000) mostra a relação entre consciência, intencionalidade e causalidade. Um ato resulta do estado consciente intencional para fazer algo, porém nem sempre os estados conscientes são intencionais e nem todos os estados intencionais são conscientes. Nisso, ele destaca a percepção e a intenção, pois a consciência para a realidade está diretamente relacionada com a intencionalidade. O autor comenta que a partir da intencionalidade os estados subjetivos vão se relacionar com o mundo. Os estados subjetivos compreendem crenças, desejos, intenções, percepções e sentimentos. A relação com o meio, o reconhecimento e aceitação do coletivo expressam a manutenção da realidade institucional. 3. REFLEXÕES SOBRE A REVISÃO DO PLANO DIRETOR DE CHAPECÓ: PROPOSTAS SOBRE O MEIO AMBIENTE Chapecó é um município que foi fundado em 1917 e pertence à Mesorregião Oeste Catarinense. A cidade possuía 183.561 habitantes em 2010 e a estimativa em 2015 é de 205.795 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015). Chapecó é considerada cidade média sendo referência principalmente na área da saúde, no ensino superior e técnico, no lazer e no comércio. A expansão urbana está associada com o crescimento econômico, principalmente com o setor agroindustrial, aspecto esse atrelado desde o momento em que a cidade foi fundada (TESTA et al., 1996, BOCALON; OTSUCHI, 2015). Essa expansão contribui com o desencadeamento de danos tanto ambientais quanto para a qualidade de vida da população. Problemas como a infraestrutura, saneamento básico, habitação, ocupação irregular, canalização de cursos d´água e retirada da mata ciliar, expressam parte da realidade na paisagem urbana de Chapecó. Para minimizar os danos ambientais e os riscos geomorfológicos com o crescimento populacional e a expansão urbana, é importante o planejamento territorial e ambiental que considere as características fisiográficas e a fisiologia da paisagem. Também é interessante o envolvimento da população no processo de revisão do plano diretor, assim como na execução do mesmo. 3.1 Percepção e Intencionalidade nas Propostas sobre Questões Ambientais As propostas analisadas foram agrupadas em áreas verdes, cursos de água, resíduos sólidos e atualização de mapas. 3.1.1 Áreas Verdes Algumas propostas ressaltam a importância da manutenção e ampliação de áreas verdes na área urbana em espaços públicos e particulares, mostrando a relação da vegetação com o conforto ambiental, as ilhas de calor, as enchentes e a qualidade de vida. Evidenciando a necessidade das áreas verdes, alguns proponentes mencionam pesquisas científicas e exemplos de outras cidades para subsidiar suas sugestões. De forma mais específica alguns proponentes sugerem parques florestais urbanos com estrutura para lazer, alguns evidenciando a estética ambiental, outros a biodiversidade e a interação entre moradores. Também houve a sugestão de recuperar as áreas de lazer, melhorando a infraestrutura e a segurança. O Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial de Chapecó de 2004 considera algumas áreas que devem ser protegidas para manter a biodiversidade. Algumas propostas sugerem o aumento da taxa de ocupação nessas áreas, denominadas como Áreas de Interesse Ambiental na cidade, respeitando as leis ambientais, como a Lei nº 11.428 de 2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica. Uma das propostas ressalta a possibilidade de construções verticais nessas áreas verdes para melhorar a infraestrutura e reduzir custos com os serviços públicos, sendo importante especificar os usos e restrições para cada unidade ambiental. Outro proponente sugere que o Plano Diretor possibilite o aumento da área construída em Áreas Especiais de Interesse Ambiental e nas Unidades de Conservação Ambiental, pois considera que essas áreas verdes impedem o desenvolvimento urbano, por ser uma região valorizada pela presença de universidades e agroindústrias, sendo necessário espaço para construção de moradias. 3.1.2 Cursos de Água A relação entre cobertura vegetal e recursos hídricos foi ressaltada por um proponente com várias sugestões que visam à proteção da vegetação nativa, da fauna e dos corpos hídricos. Sugere a recuperação das áreas degradadas e a necessidade de planejamento ambiental. Outro proponente enfatiza a importância de ações que protejam o ambiente e a saúde da população. Chapecó é drenada por vários cursos d´água e partes dos mananciais foram canalizadas, principalmente na porção central da cidade. Algumas propostas referem-se à canalização dos rios, aos controles de enchentes,à poluição hídrica e à restituição da mata ciliar. Em relação à ocupação nas margens dos rios, sete proponentes enfatizam que 30 metros de mata ciliar é um impedimento para o desenvolvimento urbano, alguns mencionam leis ambientais para embasar a sugestão, principalmente nas áreas consolidadas da cidade. Para dois proponentes não faz sentido respeitar a distância citada anteriormente onde os rios já são canalizados. Uma questão abordada por um proponente refere-se sobre a possibilidade de moradores de áreas consolidadas pedirem indenização por ter que respeitar o Plano Diretor. Defende que o prejuízo financeiro será da sociedade/município, sendo melhor adequar o documento municipal. 3.1.3 Resíduos Sólidos Urbanos A deposição, o recolhimento e o destino adequado dos resíduos sólidos urbanos foram mencionados principalmente por dois proponentes, tendo a preocupação com os diferentes tipos de resíduos.Um proponente sugere implantação de programas públicos visando à redução de resíduos, investimento em tecnologias e a reciclagem dos resíduos.A deposição inadequada de resíduos sólidos urbanos nas ruas e nas margens dos cursos d´água contribui com a poluição hídrica, com os problemas de drenagem das águas pluviais eas enchentes em algumas partes da cidade. 3.1.4 Atualização dos mapas No Plano Diretor de 2004 consta o uso de imagem do satélite Quickbird de setembro de 2002 para comprovar as Áreas Especiais de Interesse Ambiental. Isso remete a contribuição do Sensoriamento Remoto no planejamento e execução de um plano diretor. Porém, cinco proponentes sugeriram revisão dos mapas temáticos para o Plano Diretor. Comentaram que em alguns mapas apareciam cursos de água ou tipo de área verde que não condiziam com a localização in loco. Na década de 1980 Tricart (1981) já comentava sobre as contribuições do Sensoriamento Remoto nos estudos da paisagem; porém o mesmo não substitui o trabalho de campo.

Considerações Finais

Com a análise das propostas verificou-se a percepção e as intenções que os proponentes têm sobre a paisagem e as questões ambientais. Tricart (1981) considera paisagem como a realidade que reflete profundas relações e que muitas vezes não são visíveis entre os elementos que a compõe. Em algumas propostas verificou-se o desconhecimento das funções ambientais, assim como da dinâmica fluvial e dos processos de encostas. Em relação às proposições que desejam aumentar a área construída em Áreas Especiais de Interesse Ambiental e nas Unidades de Conservação Ambiental, percebe-se uma visão de conhecimento elaborada a partir do século XVI em que “[...] a terra representa um repositório inesgotável de recursos para realização do progresso ilimitado” (BOFF, 2013, p. 68), ou seja, uma visão fragmentada, carente de totalidade em benefício das partes. Esta visão induz a uma concepção de desenvolvimento de sociedade ancorada na ideia de progresso e de desenvolvimento econômico simplesmente. Os ecossistemas, as nascentes, os rios são vistos como empecilhos a este desenvolvimento. Tais proposições mostram que o processo de construção de um Plano Diretor participativo é um espaço permeado de interesses e de poder. Desta forma, os gestores que estão conduzindo o processo devem ter clareza sobre o que é fundamental para um município, planejar para além de ações imediatistas e pensar em um instrumento que possibilite gerir o município como um todo e a longo prazo sem comprometer futuras gerações.

Agradecimentos

Referências

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TRICART, Jean. Paisagem e ecologia. São Paulo: USP, 1981 (texto provisório da tradução feita por Carlos Augusto Figueiredo Monteiro).