Autores
Dias, H.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP) ; Dias, V.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP) ; Gomes, M.C.V. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP) ; Martins, T.D. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR) ; Gramani, M.F. (INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS - IPT) ; Vieira, B.C. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP)
Resumo
O objetivo deste artigo é compreender a influência dos parâmetros morfológicos e geológicos na ocorrência de escorregamentos no município de Caraguatatuba, para isso foram selecionadas duas bacias hidrográficas representativas do processo com base no Evento de 1967. Para a confecção dos mapas morfológicos e geológicos, foram utilizados respectivamente, um Modelo Digital de Elevação (MDE) obtido através do sistema LiDAR, e o mapa geológico digitalizado em escala 1:50.000 da CPRM. A partir disso, foi realizada uma análise integrada dos parâmetros em conjunto com as cicatrizes de escorregamentos, mapeadas a partir de fotografias aéreas e ortofotos de 1973. Os resultados mostraram que os parâmetros indicaram suscetibilidade a escorregamentos em algumas classes, sendo possível inferir uma conexão entre as cicatrizes de escorregamentos e encostas côncavas com inclinação > 30°.
Palavras chaves
escorregamentos; bacia hidrográfica; morfologia
Introdução
A Serra do Mar é uma escarpa de falha localizada no litoral das regiões sul e sudeste do Brasil. Em sua porção localizada no litoral do Estado de São Paulo, no município de Caraguatatuba ela é caracterizada por ser uma típica borda de Planalto, que possui topo nivelado em altitudes entre 800 e 1200 m. Sua origem é atribuída a processos tectônicos proeminentes do Cenozóico, possuindo uma grande diversidade de embasamentos litológicos, tais como associações migmatíticas e metamórficas, além de diversos complexos ígneos. (Almeida & Carneiro, 1998). Há ainda muitas falhas tectônicas e fraturas, com orientação geral NE-SW, que revelam um alto controle estrutural (Cruz, 1974). São comuns a ocorrência de movimentos de massa do tipo escorregamentos rasos na Serra do Mar, devido tanto às suas características geológico- geomorfológicas, uma vez que se trata de uma área com predomínio de extensos maciços rochosos e grandes altitudes e declividades, quanto às condições climáticas extremas, caracterizados por eventos pluviométricos de grande intensidade. Em 1967 o município de Caraguatatuba foi atingido por movimentos de massa generalizados que atingiram as porções mais baixas e densamente ocupadas do relevo, causando grande número de mortos e desabrigados, além de danos às infraestruturas locais, como rodovias. O evento caracterizou-se por chuva muito acima da média, em um curto período de tempo, desencadeando escorregamentos generalizados que culminaram em corridas de detritos, causando severos dados em toda a cidade. O município registrou 584,8 mm em 48h, com um total mensal de 945,6 mm (Cruz, 1974). Devido a esta ocorrência, o município foi escolhido para avaliação dos processos ocorridos em 1967. Os fatores condicionantes dos movimentos de massa podem ser identificados pela análise da morfologia do relevo, algumas características das encostas como orientação, elevação, declividade e formato são formas de controle topográfico nesses processos (Gao, 1993). Tais formas de controle podem ser adquiridas atualmente pelos SIG’s por meio do Modelo Digital de Elevação (MDE), tornando possível a determinação de áreas com maior suscetibilidade a deflagração de movimentos de massa. Desta maneira, o estudo das características morfológicas e geológicas de cada bacia torna-se necessário, visto que auxilia na previsão de possíveis fenômenos relacionados às dinâmicas das encostas, resultando na definição de áreas mais susceptíveis a ocorrência de movimentos de massa (Selby, 1993; Guimarães et al.,1998). Parâmetros morfológicos, como declividade, influenciam diretamente a estabilidade da encosta, visto que conforme o ângulo aumenta, a tensão sob o solo ou material inconsolidado aumenta da mesma maneira, desta forma, a frequência de ocorrência de escorregamentos é alta em encostas com ângulo acima de >30º. A curvatura é outro parâmetro importante, pois se relaciona com o local preferencial de acúmulo da água da chuva, relacionando a ocorrência de escorregamentos com a morfologia côncava da encosta, uma vez que encostas com tal característica saturam mais rápido desencadeando o escoamento superficial (Selby, 1993). Além disso, parâmetros geológicos, como a litologia, definem os tipos de rochas com maior ocorrência desse processo, assim como a presença de falhas e fraturas ajudam a definir o grau de instabilidade das encostas (Guidicini e Nieble 1983; Pachauri & Pant, 1992; Lan et al. 2004; Henriques et al. 2015). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi compreender a influência dos parâmetros morfológicos e geológicos na ocorrência de escorregamentos rasos no município de Caraguatatuba / SP.
Material e métodos
Foram feitos mapas morfológicos de Curvatura, Hipsometria, Ângulo de encostas e Aspecto, utilizando o Modelo Digital de Elevação (resolução de 5m, gerado por sistema LidAR) da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A - EMPLASA (Contrato de Licença de uso CLU Nº 049/14), enquanto o mapa geológico de escala 1:50.000 foi digitalizado a partir da carta da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Para a avaliação da influência dos parâmetros morfológicos e geológicos na distribuição e magnitude dos escorregamentos foram utilizados mapas de cicatrizes de escorregamentos de 1967 feitos a partir de ortofotos (resolução de 1m) do Instituto Florestal de 2000, do trabalho de Fúlfaro et al. (1976) e de fotografias aéreas de 1973 de escala 1:20.000. Foi realizada uma análise qualitativa dos mapas com o intuito de inferir padrões de ocorrência de escorregamentos nas diferentes classes. Tais classes foram selecionadas levando-se em consideração o relevo escarpado da área de estudo e os trabalhos já feitos que utilizaram esses parâmetros na literatura. Como áreas de análise, foram escolhidas duas bacias hidrográficas, a bacia do rio Santo Antônio (~40 km²), densamente afetada pelo evento de 1967, caracterizada por ter os vales ao longo da escarpa, com uma drenagem bastante densa e uma área de recepção muito bem desenvolvida (Cruz, 1974). A segunda bacia, Massaguaçu (~20 km²), trata-se de uma bacia menor, pouco afetada pelo evento de 1967, com densidade de drenagem mediana e vales largos, pouco rugosa e com baixo índice de dissecação, possui uma ruptura de declive suave, indicando que o controle estrutural na bacia (do rio principal) não é tão significativo (Dias, 2014).
Resultado e discussão
A partir do mapeamento das cicatrizes (Figura 1) foi possível analisar os
parâmetros morfológicos e geológicos e identificar as classes em que foram
mais recorrentes a ocorrência de escorregamentos no evento de 1967.
A bacia do rio Santo Antônio mostrou grande controle estrutural com uma
expressiva presença de falhas e fraturas que podem influenciar diretamente a
ocorrência de escorregamentos, atuando como caminhos preferenciais de
alteração, afetando a dinâmica hidrológica dos fluxos subterrâneos
(Fernandes e Amaral, 1996; Hart, 2007).
Com base em uma análise qualitativa do mapa geológico (Figura 2) observou-se
uma grande quantidade de cicatrizes de escorregamentos (cerca de 80%) em
Granitóides Caraguatatuba, com rochas do tipo Biotita-granito gnáissico
caracterizadas pela presença do mineral micáceo biotita que se cliva com
mais facilidade. Assim, tal fator, combinado com o fraturamento do granito
podem gerar locais preferenciais para a ocorrência de escorregamentos. Na
bacia do Massaguaçu 100% das cicatrizes ocorreram em Granitóides
Caraguatatuba.Tal diferença pode ser fruto da redução de falhas e fraturas
nesta bacia, demonstrando que a bacia do Santo Antônio possui mais fatores
que interferem na ocorrência de escorregamento que a Massaguaçu.
Em relação aos parâmetros morfológicos verificou-se variações entre as duas
bacias com relação a Curvatura, Hipsometria, Ângulo e Aspecto.
Primeiramente, em ambas as bacias os escorregamentos se concentraram em
encostas com ângulo >30° (Figura 3), com a diferença de que na bacia
Massaguaçu tais ângulos concentraram-se apenas na porção norte da bacia,
diferentemente da bacia do rio Santo Antônio, em que tais ângulos estão mais
distribuídos com uma leve concentração na parte central.
Em relação à Hipsometria, na bacia do Massaguaçu houveum predomínio de
altitudes máximas de 200 m, enquanto que na bacia do rio Santo Antônio tais
valores são muito heterogêneos com ocorrência de altitudes máximas de 200 m
apenas na porção centro-sul em direção a foz do rio, sendo seu restante
caracterizada por altitudes acima de 350 m com valor máximo de 935 m na
porção norte.
O mapa de curvatura revelou que em ambas as bacias os escorregamentos estão
concentrados em encostas côncavas, porém na bacia do Massaguaçu há uma
grande extensão da bacia em encostas retilíneas, enquanto que na bacia do
Santo Antônio essas ocorrências são bem reduzidas, ocorrendo apenas na
porção sul na bacia.
A orientação das encostas com cicatrizes nas duas bacias também se mostrou
semelhante, sendo possível encontrar sinal de escorregamentos nas
orientações sul, sudeste e leste. Tal resultado pode estar associado à
característica dessas encostas que recebem menos incidência solar e,
portanto, maior retenção da umidade.
As bacias possuem, no geral, características semelhantes quanto aos locais
preferenciais de ocorrência dos escorregamentos, porém com diferentes
magnitudes, devido, provavelmente a essas diferenças morfológicas e
geológicas. Desta maneira, características como ocorrência de grandes áreas
com falhas, fraturas, encostas com ângulos >30°, altitudes acima de 350 m e
poucas áreas planas na bacia do rio Santo Antônio, podem indicar uma maior
suscetibilidade a escorregamentos.
Localização das bacia do Santo Antônio e Massaguaçu e mapa de cicatrizes de escorregamentos.
Mapa geológico das bacias do Santo Antônio e Massaguaçu.
Mapa de ângulo de encosta das bacias do Santo Antônio e Massaguaçu.
Considerações Finais
Pode-se assim que concluir que a bacia do rio Santo Antônio possuiu uma maior magnitude nos escorregamentos devido as suas características morfológicas e geológicas mais favoráveis (>30) na relação entre morfologia, e fatores geológicos. Este trabalho visou mostrar que o estudo das características morfológicas e geológicas de bacias hidrográficas é de extrema importância para se entender a natureza dos escorregamentos; como os fatores deflagradores e a ocorrência de diferentes graus de magnitude em áreas próximas como as bacias em questão. Futuras análises são ainda necessárias acerca das classes morfológicas e geológicas mais suscetíveis a ocorrência de escorregamentos rasos na Serra do Mar.
Agradecimentos
A realização do trabalho que conduziu a este artigo apenas foi possível devido à colaboração da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e de um conjunto de pessoas participantes do Grupo de Pesquisas de Processos Morfodinâmicos e Ambientais (GPmorfo), às quais aqui dirigimos nossos sinceros agradecimentos.
Referências
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