Autores
Sousa, A.S. (USP) ; Ross, J.L.S. (USP)
Resumo
A partir do presente trabalho elaborou-se uma análise empírica das fragilidades ambientais apresentadas na bacia hidrográfica do Rio Caulim localizado ao sul do município de São Paulo-SP. Para isso partiu-se de uma análise geossistêmica tendo como base o conceito de Unidades Ecodinâmicas propostas por Tricart (1977) e adaptadas por Ross (1990, 1994) na metodologia de análise da Fragilidade Ambiental. O estudo tem como base a compartimentação do relevo no 5º nível taxonomico (Ross, 1992) na escala de 1:10.000 e a sua associação ao uso da terra da área elaborado em 1:.10.000. A partir destas informações se tornou possível estabelecer um quadro das fragilidades potenciais e emergentes para a área estudada.
Palavras chaves
Análise Geossistêmica; Fragilidade Ambiental; Compartimentação Geomorfológica
Introdução
Este trabalho é resultado de esforços visando o desenvolvimento de um produto que sirva como ferramenta à gestão e o planejamento ambiental. Trata-se de um mapeamento na escala de 1:10.000 das fragilidades potenciais e emergentes de uma bacia hidrográfica cuja a jusante se encontra o reservatório Guarapiranga, importante manancial de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Para o desenvolvimento do trabalho, utilizou-se a base conceitual de geossistema que encontra seus pressupostos na análise sistêmica. Dessa maneira, buscou-se desenvolver no decorrer do trabalho a concepção de unidades de paisagem, ou seja, fenômenos que guardam certo grau de homogeneidade interna e de diferenciação externa (SOTCHAVA, 1978). Para este tipo de estudo a Geomorfologia apresenta grande importância. A Geomorfologia está inserida na Geografia Física como sendo o estudo das formas de relevo resultantes da dinâmica natural, que envolve a interação de forças endógenas e exógenas. Sendo assim o relevo é a resultante de uma série de interações e fenômenos. Para o desenvolvimento do trabalho partiu-se da proposta de Ab’Sáber que sistematizou a análise do relevo em três níveis. O primeiro nível trata da análise da compartimentação do relevo; o segundo nível da obtenção de informações sistemáticas sobre a estrutura superficial da paisagem; e o terceiro nível se baseia em estudos de processos morfoclimáticos e pedogênicos atuais, onde se procura entender a fisiologia da paisagem através da dinâmica climática. Partindo desta concepção e utilizando-se a proposição de Ross (1992) que estabelece uma ordem taxonômica para o relevo terrestre é possível contemplar o primeiro e o segundo nível de análise. O terceiro nível de análise pode ser fundamentado através do proposto por Tricart (1977) em sua obra Ecodinâmica, onde procurou definir o conceito de Unidades Ecodinâmicas para analisar os diferentes padrões fisionômicos. Ross (1990 e 1994) se pautou neste conceito para o desenvolvimento da metodologia de Fragilidade Natural dos Ambientes, assim no presente trabalho procurou-se elaborar uma representação de Unidades Ecodinâmicas representativas da paisagem por meio da metodologia para estabelecimento das fragilidades naturais do ambiente propostas por Ross (1990 e 1994), tendo como objeto de estudos a bacia hidrográfica do Rio Caulim.
Material e métodos
A partir da metodologia proposta por Ross (1990 e 1994) de Fragilidade dos Ambientes Naturais, o presente trabalho desenvolveu uma análise da bacia hidrográfica do rio Caulim à escala de 1:10.000. Como forma de melhor estruturar a pesquisa optou-se por utilizar as etapas de desenvolvimento do trabalho propostas por Libault (1971), que aborda quatro níveis de pesquisa em Geografia, que podem ser descritos em quatro tópicos, sendo eles o Nível Compilatório, Nível Correlatório, Nível Semântico-interpretativo e o Nível Normativo. Assim partiu-se para a coleta de dados necessários para o desenvolvimento da pesquisa (pesquisa bibliográfica e levantamento de bases disponíveis); posteriormente foi feito um tratamento e seleção dos dados obtidos para otimizar e permitir seu uso para o desenvolvimento da pesquisa; com a base de dados consolidada foi possível efetuar a correlação dos insumos e a geração de produtos secundários; por fim, gerados todos os produtos foi efetuada uma análise acerca dos resultados obtidos. As etapas para a geração dos mapas e os dados coletados para o desenvolvimento do trabalho serão tratados a seguir. Para o desenvolvimento do trabalho foram geradas a partir da Base Topográfica disponibilizada pela EMPLASA a carta Clinográfica, Hipsométrica, Geomorfológica, de Uso da Terra e de Fragilidade Ambiental Potencial e Emergente. As cartas Hipsométrica e Clinográfica foram geradas a partir da base topográfica obtida. A Carta Geomorfolófica a partir da interpretação das cartas Hipsométrica, Clinográfica, Topográfica, Modelo Digital do Terreno (MDT) e dados de campo. O MDT foi gerado a partir da base topográfica disponibilizada pela Emplasa na escala de 1:10.000 e com curvas de nível com equidistância de 5m. Esta produto serviu como base para interpretação e mapeamento das principais formas de relevo e feições geomorfológicas lineares. A Carta de Uso da Terra foi elaborada a partir da interpretação visual da imagem IKONOS 2002. A carta de Fragilidade Ambiental foi elaborada a partir da combinação da Carta Geomorfológica e a Carta de Uso da Terra, sendo o produto síntese final deste trabalho. Para a elaboração destas cartas utilizou-se um Sistemas de Informações Geográficas (SIG). Os SIGs são sistemas informatizados capazes de gerenciar informações visuais vinculadas a tabelas de informações. Através dos SIGs pode-se capturar, armazenar, gerenciar, analisar e exibir dados com um componente espacial, de localização e atributos que os descrevam (ROSA & ROSS, 1999). O software escolhido para o desenvolvimento deste trabalho foi o ArcGis 9.3. O arquivo digital topográfico e as imagens de satélite IKONOS da área foram obtidas através do projeto de elaboração dos planos de manejo dos parques criados como compensação às obras do Rodoanel, projeto desenvolvido pelo Departamento de Geografia da USP em convênio com a DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S.A.). A pesquisa bibliográfica da área de estudos foi efetuada no Laboratório de Geomorfologia da Universidade de São Paulo, bem como os trabalhos referentes a aplicação da metodologia de Fragilidade Ambiental. Os textos de fundamentação teórica foram levantados nas bibliotecas particulares dos laboratórios da Geografia, bem como na biblioteca principal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Todos os mapas foram elaborados na 1:10.000, tendo seus polígonos vetoriais delimitados em escala de 1:2.000 a 1:5.000.
Resultado e discussão
A seguir será detalhado o procedimento de geração de cada carta.
Carta Topográfica
Como carta base utilizou-se o mapeamento elaborado pela EMPLASA (Empresa
Paulista de Planejamento Metropolitano) em escala de 1:10.000. A carta é
composta por curvas de nível com equidistância de 5m e rede hidrográfica.
O sistema de projeção é UTM (Universal Transversa de Mercator) e o datum o
SAD69 (South American Datum 1969). A base digital foi obtida por meio do
projeto em que a DERSA e a Geografia-USP firmaram para elaboração dos Planos
de Manejo dos Parques criados como compensação das obras do Rodoanel, dentre
os quais o Parque do Itaim que encontra-se inserido na área de estudo.
O arquivo digital referente a delimitação da Bacia Hidrográfica em questão
foi cedido pela equipe de Geomorfologia Fluvial do projeto DERSA, entretanto
a delimitação desta já havia sido elaborada pelo autor em trabalho pretérito
sobre análise das características mordinâmicas e moformétricas desta mesma
bacia.
Carta Hipsométrica
A área possui uma variação de 720 a 900m de altitude e foram definidas seis
classes hipsométricas representativas desta variação.
A Carta Hipsométrica foi elaborada por meio da função “Topo to Raster” do
ArcGis 9.3, que permite a conversão de arquivos que compõem uma base
topográfica para um arquivo no formato raster. Assim utilizou-se os
shapefiles referentes as curvas de nível, hidrografia e limite da bacia
hidrográfica estudada para gerar um arquivo raster onde foi possível a
representação das classes hipsométricas. Por não estarem disponíveis, não
foram utilizados pontos de cotas de altitude, o que diminui um pouco a
qualidade do produto final.
Com base neste mesmo arquivo foi gerado um Modelo Digital do Terreno (MDT),
que possibilitou uma visualização tridimensional da superfície que permitiu
o trabalho de delimitação das feições geomorfológicas. Na representação da
hipsometria através de um arquivo raster “cada célula possui um valor da
cota do terreno, seguindo as variações altimétricas do relevo de forma
contínua” (ROSA & ROSS, 1999).
Carta Clinográfica
A Carta Clinográfica é representa a inclinação do terreno (declividades e
aclives). A partir da Carta Hipsométrica e sua estrutura no formato raster
foi possível elaborar a Carta Clinográfica. O procedimento é efetuado por
meio da ferramenta “Slope” presente na guia “3D Analyst” e “Surface
Analysis” do software ArcGis 9.3®. As classes foram divididas em cinco e
representadas em porcentagem.
A Carta Clinográfica é essencial para elaboração da Carta Geomorfológica,
como por exemplo para a delimitação das planícies fluviais e para distinguir
as vertentes côncavas e convexas em maior e menor inclinação.
A Carta Hipsométrica e a Clinográfica são facilmente obtidas com a
disponibilidade de uma base topográfica adequada.
Carta Geomorfológica
Neste trabalho foram reconhecidos, estudados e mapeados os seguintes grupos
de formas: Planícies Fluviais representadas pelas letras Pf; Anfiteatros e
Vertentes Côncavas pelas letras Avc1 e Avc2; Vertentes Convexas e Retilíneas
pelas letras Vcr1 e Vcr2; e por fim os Topos de Morro Convexos representados
por Tc.
A carta Geomorfológica foi elaborada em duas etapas.
Na primeira etapa foram delimitados os polígonos representativos do 5º táxon
do relevo, ou seja, das feições geomorfológicas da área estudada na escala
de 1:10.000. Na segunda etapa as feições mapeadas foram correlacionadas com
os tipos de solo.
Para sua elaboração, utilizou-se a Carta Hipsométrica, a Carta Clinográfica,
MDT que evidencia as formas de relevo e a visualização das imagens de
satélite. Como apoio também se fez uso do software Google Earth®.
Os polígonos foram traçados em uma escala de aproximadamente 1:4.000 em um
arquivo shapefile. Após a delimitação dos polígonos, criou-se um arquivo
vetor em formato KML, próprio para utilização no software Google Earth®,
onde foi possível se obter uma visualização do terreno em perspectiva
tridimensional e se efetuar uma primeira validação do produto gerado. Por
essa ferramenta é possível também colocar um exagero vertical acentuado de
forma a facilitar a visualização dos compartimentos do relevo, tornando
assim uma ferramenta importante na classificação das feições. A seguir por
meio de trabalhos de campo foi verificado a pedologia predominante e se
associou as tipologias pedológicas às feições de relevo.
Carta de Uso da Terra
A carta de Uso da Terra foi elaborada a partir da interpretação visual e
delimitação de polígonos tendo como base imagem IKONOS (2002) de alta
resolução espacial.
Os polígonos referente aos usos foram delimitados por meio do software
ArcGIS 9.3® em arquivo shapefile a uma escala de apresentação 1:10.000,
tendo sido delimitados a uma escala de aproximadamente 1:4.000.
Foram criadas duas classes para área urbana devido a diferente densidade de
urbanização. Há também uma classe para Chácaras e outra para Equipamentos
Urbanos, sendo entendido como tal áreas que ocupam áreas mais extensas e na
maioria dos casos possuem área verde em seu entorno. Considerou-se Campo
Antrópico as formações de campo encontradas, com a presença de gramíneas,
por entender que esse tipo de formação é provavelmente resultante
desmatamento pretérito e está em estado inicial de regeneração. Delimitou-se
também as áreas de Solo Exposto, áreas com Cultivos diversos e Silvicultura.
Adotou-se a categoria Campo Sujo/Capoeira para as áreas onde há formações de
campo com a vegetação em estado avançado de regeneração. Delimitou-se também
as áreas de Mata, Represamentos (pequenos represamentos e trecho do
reservatório Guarapiranga) e as Cavas de Mineração.
Carta de Fragilidade Ambiental
O presente trabalho gerou duas cartas de Fragilidade Ambiental dos Ambientes
Naturais, a Potencial e a Emergente. A Potencial foi gerada a partir do mapa
geomorfológico, sendo que as feições geomorfológicas representam a
fragilidade potencial da área em estudo. A Emergente foi obtida através da
interpretação e correlação dos dados obtidos na Carta Geomorfológica e Carta
de Uso da Terra. Para a geração das cartas seguiu-se o proposto por Ross
(1994):
“(...) Um modo de tratar a relação das variáveis solos, relevo, clima, uso
da terra (...) e cobertura vegetal é estabelecer uma classificação da
fragilidade potencial e emergente a partir de uma associação de dígitos
arábicos onde cada um dos números do conjunto numérico representa um
determinado peso que (...) nas tabelas de classificação variam de 1 a 5, ou
seja, do mais fraco ao mais forte”
As classes (Figura 1) na cor vermelha são de Fragilidade Muito Alta, as
laranjas Fragilidade Alta, as amarelas Fragilidade Média, as verdes claras
Fragilidade Baixa e a verde escura Fragilidade Muito Baixa. Neste modelo
adotado prevalece a fragilidade de maior valor, independentemente de
pertencer ao Uso da Terra ou ao mapeamento de Feição Geomorfológica.
A cada feição geomorfológica foi atribuída uma classe de fragilidade
correspondente que possibilitou assim estabelecer a Carta de Fragilidade
Potencial (Figura 2).
A cada categoria de uso da terra também foi atribuída uma classe de
fragilidade. A combinação das fragilidades das feições geomorfológicas e do
uso da terra por meio da ferramenta intersect do software ArcGis® gerou como
produto a classificação da fragilidade ambiental emergente, e a Carta de
Fragilidade Emergente (Figura 3).
Matriz de Correlação das Feições Geomorfológicas e as Classes de Uso da Terra
Carta de Fragilidade Potencial
Carta de Fragilidade Emergente
Considerações Finais
A bacia hidrográfica analisada apresentou uma Fragilidade Ambiental Potencial predominantemente de Média a Muito Alta. Com a consolidação do uso e ocupação da área, pode-se observar pela Fragilidade Ambiental Emergente que aumentou-se consideravelmente os percentuais de Fragilidade Alta a Muito Alta, sendo uma área que necessita de muita atenção para um manejo adequado, visto que além de apresentar uma fragilidade acentuada, tanto potencial quanto emergente, é também uma área que se configura como bacia de alimentação de um manancial. Com o presente trabalho pode-se se constatar que a análise da fragilidade ambiental é um importante instrumento de subsídio ao diagnóstico e ao planejamento ambiental. Para seu desenvolvimento é essencial a elaboração de um mapa geomorfológico adequado, onde é possível definir a fragilidade do meio físico da área em questão, visto que a compartimentação do relevo contribui para uma leitura da paisagem. Aos compartimentos e feições geomorfológicas é possível se inserir informações referente as dinâmicas hidrográficas e climáticas, bem como se inferir a tipologia de solos predominante. Assim as fragilidades potenciais e emergentes mapeadas neste trabalho juntamente com informações especializadas da legislação vigente funcionam como elemento norteador do planejamento urbano e ambiental das áreas.
Agradecimentos
Referências
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GAYOSO, R. C., 2010 - Análise Ambiental Integrada em Manancial.Urbanizado: Bacia dos Xamborés, São Paulo – SP. Trabalho de graduação individual. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo.
LIBAUT, A. (1971) - “Os quatro níveis da pesquisa geográfica” in: Métodos em questão nº 1. Instituto de Geografia – USP, São Paulo.
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SOTCHAVA, V.B., (1978) - O estudo de geossistemas. Métodos em questão – 16. São Paulo: Instituto de Geografia – USP.
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