Autores

Avelar, A. (IGEO \ UFRJ) ; Vinagre, R. (IGEO \ UFRJ) ; Borges, G. (IGEO \ UFRJ) ; Ana Camila, S. (IGEO \ UFRJ) ; Gabriela, P. (IGEO \ UFRJ)

Resumo

Os movimentos de massa ocorridos nos dias 11 e 12 de janeiro de 2011 na região serrana do Estado do Rio de Janeiro foram os mais críticos já registrados no Brasil, causando a morte de cerca de 1500 pessoas e destruindo estradas, pontes, redes de energia, tubulações de água e mais de mil edificações residenciais e comerciais. A maioria das ocorrências concentraram-se nos municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, sendo que neste último, as encostas da bacia do Córrego Dantas (~80 km2) teve o maior numero de prejuízos materiais e humanos. Durante tais movimentos de massa desta bacia, foram registrados acumulados de precipitação entre 200 e 240 mm das 22 h do dia 11 até às 06 h do dia 12 (~8 horas de duração). O presente trabalho traz os resultados do mapeamento geológico de detalhe na referida bacia (escala 1:10.000), assim como levantamentos geomorfológicos e geotécnicos associados com o mapeamento das cicatrizes de deslizamentos.

Palavras chaves

deslizamentos; fraturas de rochas; cisalhamento de solo

Introdução

Durante os dias 11 e 12 de janeiro de 2011 ocorreram mais de 4,000 deslizamentos na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, que causaram mais de 1,500 mortes e geraram graves prejuízos para a infra-estrturada urbana e rural dos municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e Bom Jardim (Avelar et al, 2001; Coelho Netto et al., 2011). Apesar de serem considerados como os deslizamentos mais destrutivos já registrados no Brazil, eventos com características semelhantes já haviam ocorrido no RJ em 1966, 1967, 1988, 1996 e 2010 (Avelar & Lacerda, 2006). Em 2011 houve deslizamentos do tipo translacional raso, havendo também muitas ocorrências de debris flows, poucos rotacionais e queda de rocha. Os debris flows mais extensos se deslocaram nos fundos de vale mais importantes da região e produziram um rastro de destruição de casas, fazendas, fábricas, estradas, pontes, redes de água potável, eletricidade e telefonia, tendo sido incrementados pela junção de diversos deslizamentos translacionais rasos ocorridos nas encostas adjacentes aos rios e provenientes das cabeceiras de drenagem em zonas montanhosas. Os registro de chuva nas estações inseridas dentro da faixa de destruição mostraram valores de 250 mmm em 48 horas e maiores detalhes sobre as características das chuvas podem ser encontradas em Coelho Netto et al., 2011). A geologia do Estado do Rio de Janeiro está associada a uma ampla faixa de dobramentos de idade Proterozóica, composta predominantemente por rochas de alto grau metamórfico (gnaisses), com foliação bem definida na direção SW-NE e fraturas em diversas orientações. Também ocorrem associações de rochas ígneas sin-tectônicas (granitóides), geradas por anatexia e que se orientam da mesma forma que as rochas metamórficas. A geomorfologia do estado apresenta o predomínio de colinas e de planícies costeiras com macios rochosos isolados, porém a região serrana do Rio de Janeiro contrasta nitidamente com esse conjunto. Buscando entender o porquê dessa concentração na região de Friburgo, começou-se a estudar em detalhe a geologia local, uma vez que os estudos existentes na literatura foram realizados em uma larga escala, não contribuindo, portanto, com informações o suficiente para a solução dessa enigmática. No segmento centro-norte da Faixa Ribeira, particularmente na região serrana do estado do Rio de Janeiro, ocorrem rochas gnáissicas e ígneas de composição predominantemente granitoide, geradas nos vários estágios de desenvolvimento de um orógeno, do período pré ao pós-colisional (Tupinambá et al., 2012). Esse magmatismo está expresso por significativa área de ocorrência de granito, cuja natureza é, sobretudo, sin-colisional, uma vez que corpos graníticos tardi a pós-orogênicos tem menor expressão areal quando comparados aos sin-orogênicos (Barbosa & Grossi Sad, 1985, Penha et al., 1979, Mendes et al., 2002 e 2007). O estudo e compreensão da natureza das rochas e estruturas geradas durante um ciclo orogenético, nesse caso, também pode ser aplicado à determinação de fatores que favorecem a ocorrência de desastres naturais relacionados a chuvas intensas, como as acontecidas em Janeiro de 2011 na Região Serra do Rio de Janeiro. Essa grandiosa precipitação quando associada a ambientes topograficamente acidentados, seja pela jovialidade da orogênese que ainda imprime na região um contraste topográfico ainda bem definido e acidentado, ou, no caso da área de estudo que compreende um orógeno antigo e bem erodido, no entanto com um gradiente topográfico elevado dado por eventos tectônicos e estruturas posteriores, é a receita ideal para catástrofes naturais de magnitudes grandiosas.

Material e métodos

Considerando os recorrentes problemas geotécnicos na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, que compreende parte de um importante orógeno do sudeste do Brasil (Faixa Móvel Ribeira Central), se torna relevante o estudo desse orógeno em escala de detalhe sobre o ponto de vista geotécnico, seja pelas rochas, pelas estruturas e pelo contraste topográfico com relevo extremamente acidentado característico desse tipo de entidade geológica. Para isso foram cartografadas as rochas da região, em escala de detalhe, e realizando-se um aprimorado levantamento das estruturas ocorrentes nas rochas, como foliação tectônica, juntas, falhas e demais estruturas quando existentes, contemplando assim um mapa geológico estrutural que servirá de base para estudos de diversas naturezas que visam entender a série de eventos catastróficos ocorridos nessa região em 2011. Além desses, trabalhos laboratoriais envolvendo petrografia, darão suporte para estudos petrogenéticos e de microestruturas que poderão trazer luz sobre as condições geotécnicas das rochas em escala microscópica.

Resultado e discussão

Após o mapeamento geológico observou-se 7 unidades litológicas, cartografadas em escala 1:10.000 (Figuras 1 e 2). São elas, em ordem estratigráfica da mais velha para a mais nova: 1) Granada Biotita Paragnaisse Bandado; 2) Ortognaisse Granítico/Granodiorítico; 3) Granito Porfirítico Grosso; 4) Granito Porfirítico Médio; 5) Diorito Equigranular Médio; 6) Granito Equigranular Fino/Médio; e 7) Gabro/Microgabro. As rochas deformadas possuem foliação tectônica/metamórfica (xistosidade), que dependendo da litologia pode ser do tipo espaçada (mais comum) ou contínua. Normalmente, essas foliações, mergulham entre 30 e 60º para NW, sugerindo que foram produzidas a partir de uma compressão NW-SE com transporte tectônico de topo para SE. Em alguns afloramentos essa foliação ocorre mergulhando para SW, SE e NE. Tal xistosidade é interpretada como produto do auge metamórfico e deformacional que as rochas dessa região sofreram. Tal foliação é produto de um dobramento regional que dobra o contato entre duas unidades mapeadas, o Granada Biotita Paragnaisse Bandado e o Ortognaisse Granítico/Granodiorítico (Fig. 2). Trata-se de uma dobra apertada, do tipo revirada e com plano axial mergulhando aproximadamente 40º para NW. Uma vez que o Granada Biotita Paragnaisse é interpretado como sendo mais velho que o Ortognaisse Granítico/Granodiorítico, isto é, estratigraficamente o paragnaisse ocorre por baixo do Ortognaisse, tal dobra é provavelmente um antiformal/anticlinal com eixo mergulhando para NE.Além dessas estruturas, ocorrem na região, afetando praticamente todas as unidades mapeadas, com exceção dos diques de gabro/microgabro, uma série de fraturas que a princípio podem ser classificadas como relacionas a descompressão dos corpos por desconfinamento, isto é, fraturas de alívio (235 medidas), e outro conjunto relacionado a tectonismo (128 medidas), somando um total de 363 fraturas medidas em campo. Os dados levantados durante o mapeamento mostram que a maior parte das fraturas de alívio mergulhão com baixo ângulo (05-20º) para NW (Fig. 5), quando a rocha não tem xistosidade. No entanto, as fraturas de alívio, nos afloramentos relacionados a rochas foliadas, tendem a ocorrerem segundo tais foliações, neste caso mergulhando também para NW, porém com ângulos mais altos, entre 30 e 60º. Após o intenso intemperismo químico nas rochas estudadas, observa-se solos saproliticos que são visualmente muito similares na região e também solos coluvionares correlatos provenientes de antigos movimentos de massa. Decidiu-se estudar quatro destes tipos de solos, que foram encontrados nos deslizamentos de 2011 e que se mostraram com características e comportamentos geotécnicos diferenciados (figura 3), havendo apenas similaridades na densidade real dos grãos. O índice de vazios diferencia com nitidez os saprolitos dos colúvios. Os saprolitos apresentam índices de vazios similares entre si, variando entre 0.77 a 1.03, que contrastam significativamente com os colúvios, onde a faixa de variação vai de 0.97 a 1.61. O saprolito de coloração cinza possui elevada presença de biotita, que indica ser um solo pouco intemperizado e, portanto, próximo ao limite com a rocha sã (granito). Dentre os solos estudados apresentou-se muito arenoso (69%) e se mostrou como o mais resistente ao cisalhamento, comportando-se como um material granular de ângulo de atrito de 36,7 degrees e coesão de 25 kPa. O saprolito de coloração rosa mostrou-se semelhante ao saprolito cinza, em especial, quanto ao ângulo de atrito de 38.6 degrees. Este comportamento aponta que o saprolito rosa é um material que sofreu mais intemperismo químico, denotado pela transformação das biotitas para geração de argilominerais e óxidos/hidróxidos de ferro, que influencia sua coloração e se relaciona também com a redução do conteúdo de areia para 46% e do aumento da fração argila para 16%. Esta ação do intemperismo químico reduz também o intercepto de coesão, que atinge 25 kPa. O colúvio de coloração vermelha apresenta menor teor de areia que os demais solos, com apenas 25 %, além disso, não apresenta elevação do teor de argila, que atinge somente 17%. Tais características interferem significativamente no comportamento de resistência ao cisalhamento deste solo, que apesar de apresentar ângulo de atrito de 38,3 degrees, próximo dos valores dos saprolitos, mostra intercepto de coesão nulo. O colúvio de fundo de vale mostra nítida diferença em relação aos solos anteriores, em especial devido a suas características granulométricas e resistência ao cisalhamento. É um solo que possui elevados teores de areia (52%) e argila (27%), que lhe confere um ângulo de atrito maior que os demais, com 42,0 degrees e pequeno valor do intercepto de coesão, com apenas 6 kPa.

Figura 1

Mapa Geológico da Bacia do Córrego Dantas, onde as linhas pretas representam o posicionamento de seções geológicas.

Figura 02

Seções geológicas segundo a marcação na figura 1.

FIGURA 03

Diagrama de ensaios de cisalhamento direto.

Considerações Finais

Quatro unidades geológicas apresentam estruturas compostas por uma foliação tectônica que mergulha para NW, dada pelo dobramento em escala regional. As fraturas de alívio mergulham para NW e também para NE, SE e SW. As que mergulham para NW, quando a rocha não apresenta foliação tectônica, mergulham em baixo ângulo, no máximo 20º, já quando a rocha tem foliação, existe a tendência de a fratura acompanhar o mergulho da foliação, variando assim entre 20 e 60º. Vale ressaltar que o eixo longitudinal da Bacia do Córrego Dantas é exatamente paralelo ao strike das fraturas tectônicas que mergulham para SE, sendo esse também, o rumo dos três diques básicos que ocorrem na área. Quando sobrepostos os deslizamentos georeferênciados com o mapa geológico, fica claro que a rocha que mais influenciou os deslizamentos foi o Ortognaisse Granítico/Granodiorítico. Além de ocupar a maior parte da área mapeada, a litologia de composição aproximadamente granítica favorece a produção intempérica de um solo arenoso rico em quartzo com pouca matriz argilosa. Pode ser que essa unidade, por ser afetada por um intenso tectonismo colisional, seja uma das rochas mais deformadas. Nela ocorrem superfícies penetrativas e contínuas, como foliações, fraturas e etc., que colaboram para uma grande percolação de água, acelerando assim os processos intempéricos e erosivos.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos financiamentos de bolsas e suporte à pesquisa provenientes do CNPq, FAPERJ e INCT-REAGEO, assim como aos colegas de trabalho e professores Marcos Mendonça, Leonardo Becker, Karina Menezes, Ana Coelho Netto e Willy Lacerda.

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