Autores
Paula, E.V. (UFPR) ; Jarentchuk Junior, O. (UFPR) ; Nocko, H.R. (ENVEX ENGENHARIA E CONSULTORIA S/S LTDA EPP)
Resumo
As inter-relações de elementos da paisagem possuem significativa importância nos estudos ambientais e permitem a construção de cenários e diagnósticos geográficos como ferramenta para o planejamento ambiental do território. Este trabalho é resultado de um estudo que visou determinar áreas potenciais para o fornecimento de sedimentos à montante de um empreendimento de aproveitamento hidrelétrico, entre os estados de SC e RS. Para tanto, foi aplicada a abordagem geopedológica a partir da inter-relação da suscetibilidade à erosão com a cobertura vegetal e uso do solo. Dentre os resultados destaca-se que a produção de sedimentos somou 286.434,6 ton/ano, que corresponde ao valor de 130,40 t.km-2.a-1. A instalação de um empreendimento hidrelétrico na área estudada além de regularizar a vazão do rio Pelotas, também se constituirá em uma importante armadilha de sedimentos, diante do significativo volume de material sedimentar aportado.
Palavras chaves
Geopedologia; Planejamento Ambiental; Sistemas de Informações Geográficas
Introdução
Os processos responsáveis pelo assoreamento são muito complexos, abrangendo principalmente erosão e movimentos de massa, transporte dos sedimentos nos cursos d’água e sua deposição na calha dos rios, lagos, estuários e reservatórios. De acordo com CARVALHO (2008) existem duas formas principais de erosão dos solos: a geológica e a acelerada. A erosão geológica, ou mais amplamente, geopedológica, é aquela processada normalmente, envolvendo o arranque das partículas ou materiais (solos, formações superficiais e fragmentos de rocha) e o seu transporte, ou deslocamento, sem intervenção humana. A erosão acelerada pode ser provocada por eventos extremos, como terremotos, erupções vulcânicas, tempestades, etc., ou então pela ação humana, a qual evidencia atuação crescente em razão do aumento das populações e da ocupação territorial. Essa erosão se manifesta diretamente pelas escavações, movimentos de terra na construção civil, agropecuária e em todas as intervenções antrópicas na superfície do solo. Em estudos ambientais desenvolvidos no âmbito da Geografia Física é comum a hierarquização de fragilidades, suscetibilidades e potencialidades ambientais a partir da ponderação e inter-relação de temas ambientais ou elementos da paisagem, tais como a geologia, geomorfologia, solos, cobertura vegetal e uso da terra, e o clima. A essa inter-relação é cunhado o termo geopedologia, o qual tem em sua definição, segundo CURCIO et al. (2006), a combinação entre aspectos físicos da paisagem (geologia, geomorfologia e pedologia) com o intuito de compreender as potencialidades e fragilidades da dinâmica do ambiente. Ainda, a compartimentação geopedológica de determinado ambiente a partir da manipulação de dados temáticos relacionados, em ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), permite diagnosticar o potencial à deflagração de processos erosivos e de movimentos de massa de determinada área de estudo, contribuindo sobremaneira à análise de suscetibilidade à produção de sedimentos em uma área de drenagem, o que reflete ao objetivo do presente trabalho. Nesse sentido, este trabalho tem como finalidade a determinação de áreas potenciais para a disponibilização de sedimentos na área de drenagem de um empreendimento de aproveitamento hidrelétrico, a partir da abordagem geopedológica. Por fim, é apresentada a estimativa de produção de sedimentos para a área de drenagem do empreendimento proposto. Salienta-se, entretanto, que o volume estimado não representa efetivamente o montante a depositar na área do reservatório, mas sim um volume potencial de produção de sedimentos de acordo com o grau de fragilidade dos parâmetros físicos considerados. A área de estudo abrange corpos hídricos localizados sobre parte dos territórios dos municípios de São Joaquim/SC, Bom Jardim da Serra/SC, São José dos Ausentes/RS e Bom Jesus/RS. O recorte espacial considerado para o estudo hidrossedimentológico com estimativa de produção de sedimentos trata- se da área de drenagem direta do empreendimento, com exutório em sua barragem. Esse recorte ocupa 2.196,64 km² e contempla os corpos hídricos que alimentam o trecho do rio Pelotas, definido para a implantação do aproveitamento hidrelétrico, como bem ilustra a Figura 1.
Material e métodos
A elaboração deste estudo tem como estrutura de trabalho três etapas. A etapa inicial refere-se à organização de dados necessários para o desenvolvimento do estudo, envolvendo a definição do recorte espacial a ser considerado, assim como a aquisição de dados secundários acerca da caracterização física da área de estudo. Para a manipulação dos dados espaciais em ambiente SIG foram utilizadas ferramentas disponíveis em softwares como AutoCAD Map 2010™ e ArcGIS 9.3™. A etapa seguinte diz respeito à caracterização geopedológica da área de estudo, com o intuito de elaborar um mapeamento das áreas suscetíveis à erosão e, consequentemente, à produção de sedimentos, enfatizando os aspectos físicos, tais como a geologia, pedologia e geomorfologia. Para a definição dos elementos geopedológicos considerados na confecção da carta de suscetibilidade à produção de sedimentos, bem como na hierarquização e ponderação das classes respectivas, foram considerados os trabalhos de Tricart (1977), Ross (1994), Rodrigues (1998), Crepani et al. (2001), Kouakou e Xavier (2004), Campagnoli (2005; 2006), Cunico (2007), Santos et al. (2007), Paula e Cunico (2008), Borges et al. (2009), Paula et al. (2010) e, sobretudo as particularidades da área de drenagem em estudo. Assim que hierarquizadas as unidades geológicas (CPRM, 2006 – 1:750.000), pedológicas (IBGE, 2003 – 1:750.000) e geomorfológicas (INPE, 2011 – 1:50.000), quanto ao potencial de suscetibilidade à disponibilização de sedimentos, atribuíram-se valores a cada classe existente, que variam de 1 (suscetibilidade muito baixa) a 3 (suscetibilidade muito alta). Em seguida, realizou-se a média aritmética dos elementos geopedológicos selecionados, sendo que a geomorfologia foi constituída pela média da declividade e forma das vertentes. Por meio de álgebra de mapas foi implementada a Equação a seguir: SG = ([Geo] + [Ped] + (([Dec] + [Fve]) / 2)) / 3. Onde SG é a suscetibilidade geopedológica à produção de sedimentos, Geo a unidade geológica, Ped a classe de solo, Dec a declividade, e Fve a forma de vertente. A etapa final da corrente pesquisa refere-se aos procedimentos de análise de produção de sedimentos na área de estudo, estimando a quantificação da produção a partir do mapeamento de áreas potenciais, as quais foram definidas em função da associação entre a suscetibilidade à erosão e o uso da terra e cobertura vegetal atuais, de acordo com o método empregado por PAULA et al. (2014). Para a caracterização da cobertura vegetal e uso da terra fez-se uso do mapeamento correspondente ao ano de 2014. Ainda que a precipitação pluviométrica represente um dos principais aspectos de caracterização climática e trata-se do fator atmosférico de maior influência sobre o processo de produção e transporte de sedimentos, o arcabouço de estações pluviométricas na região da área de estudo e seu entorno não apresentam dados suficientes para uma caracterização considerando uma média histórica ampla e representativa. Assim, a caracterização pluviométrica para a área de interesse é centrada na descrição do regime de precipitação local, tendo em vista os dados da estação pluviométrica mais próxima ao sítio de interesse para a implantação do empreendimento. Nesse sentido, os dados de precipitação foram adotados para reconhecer a distribuição das chuvas na região estudada, de maneira a identificar que não há na realidade uma sazonalidade definida em relação a períodos de cheia ou seca. Entendendo que há uma situação de distribuição de chuvas com eventos extremos de concentração de precipitação ao longo do ano, optou-se por não incluir esta variável climática na metodologia de estimativa da produção de sedimentos, conforme sugere Campagnoli (2005, 2006).
Resultado e discussão
O mapeamento da suscetibilidade à erosão na área de estudo evidenciou o
predomínio das classes de suscetibilidade moderada a baixa e a Figura 2
ilustra o cruzamento dos elementos geopedológicos e a espacialização de suas
respectivas suscetibilidades.
No que tange aos aspectos geológicos e com o intuito de classificar cada
unidade litológica incidente na área de estudo, em relação à sua
vulnerabilidade potencial à denudação (intemperismo + erosão), as litologias
frequentemente encontradas foram reunidas em estudo desenvolvido por Crepani
et al. (2001) em função da natureza das rochas (ígneas, metamórficas e
sedimentares) e seus graus de coesão. Sendo assim, quanto à ponderação do
grau de coesão das rochas presentes na área de estudo, aproximadamente
76,57% denotam grau de coesão muito alto e 1,78% de alta coesão, enquanto
21,65% apresentam grau mediano. Em função da natureza das rochas que
constituem os terrenos da área de estudo, não foram identificadas unidades
geológicas com graus de coesão baixo e muito baixo.
Em relação aos aspectos pedológicos, verifica-se a existência de quatro
diferentes classes de solos na área de drenagem do empreendimento, segundo
IBGE (2003) e identificadas conforme o Sistema Brasileiro de Classificação
dos Solos (SBCS) da EMBRAPA (2013), quais sejam: Cambissolos Háplicos;
Cambissolos Húmicos; Nitossolos Brunos; Neossolos Litólicos.
Os Cambissolos Háplicos que ocorrem na área estudo apresentam moderado grau
de evolução e estão associados a relevos ondulados a montanhosos, enquanto
que os Cambissolos Húmicos concentram-se nos topos de morro onde as
declividades não ultrapassam a 5%. Os Nitossolos Brunos concentram-se no
vale do rio Pelotas à sua margem esquerda, em relevo com declividades entre
12 e 47%, possuindo moderada suscetibilidade à deflagração de processos
erosivos e de movimentos de massa. Por sua vez, os Neossolos Litólicos
apresentam altíssima suscetibilidade erosiva, tendo em vista o mínimo
desenvolvimento e encontrarem-se diretamente sobre a rocha. Estas
características facilitam o escoamento superficial devido à rápida saturação
hídrica entre as camadas de solo e rocha, acarretando em deslizamentos,
principalmente quando a cobertura vegetal é ausente. Concentram-se sobre as
superfícies com alta declividade, nos quais a velocidade da erosão é igual
ou maior que a velocidade de transformação da rocha em solo.
A geomorfologia constitui um conhecimento específico, cujo objetivo refere-
se à análise das formas do relevo. Na área de estudo predominam as vertentes
com inclinação entre 6,8° e 16,7°, as quais apresentam suscetibilidade
geopedológica moderada e correspondem a 45,91% do total da área de estudo.
As porções planas, onde a declividade é inferior a 2,9° e denotam
suscetibilidade muito baixa à produção de sedimentos somam apenas 13,48% da
área total, enquanto as vertentes entre 2,9° e 6,8° de inclinação somam
23,07% da área de drenagem. Por sua vez, as vertentes que apresentam
declividades entre 16,7° e 25,2° somam 14,50% e apenas 3,04% das vertentes
referem-se aquelas cujas inclinações estão acima de 25,2°.
No que diz respeito à suscetibilidade ao escoamento superficial da área de
estudo, foram identificadas as principais formas de vertentes e sua
predominância na área de estudo. Os segmentos convexo-divergentes, como
topos de morro e divisores de drenagem, são expostos e drenam para outras
áreas. Os movimentos da água ocorrem de forma difusa, de modo que não há
concentração dos fluxos de água e os riscos à ocorrência de processos
erosivos tornam-se menores. Este padrão de forma de vertente refere-se a
33,16% do recorte espacial em análise e apresenta menor peso quanto à
produção de sedimentos.
De maneira oposta, os segmentos côncavo-convergentes, como fundos de vale,
geralmente são mais abrigados e recebem o escoamento de outras áreas e
ocorrem em 40,26% da área de estudo. Nos segmentos retilíneo-planares o
padrão reto da sua forma faz com que a água flua de forma laminar não
concentrada, o que justifica o valor de suscetibilidade moderada atribuída a
essa classe. Essas formas somam 28,30% da área em análise. A área de estudo
não apresenta extensas planícies de inundação, motivo pelo qual esta classe
não foi mapeada.
Como resultado do cruzamento entre os elementos geopedológicos, observa-se
que a classe baixa ocupa 380,48 km² (17,32%), ocorrendo em áreas com
declividades abaixo de 5% (muito baixa suscetibilidade), ainda que sob
cobertura de Cambissolos, os quais denotam alta suscetibilidade à produção
de sedimentos. A classe moderada, a qual ocupa 69,04% da área total em
estudo de forma bem distribuída, está condicionada principalmente pela
constituição do terreno que se dá sobre rochas com grau de coesão mediano,
recobertas por Cambissolos Háplicos e Nitossolos Brunos, sobre vertentes com
declividades entre 12 e 30%.
Ocupando 274,53 km² (12,50%) a classe de suscetibilidade alta se mostra
muito influenciada por terrenos onde predominam vertentes com inclinações
acima de 30% e que possuem formas côncavo-convergentes. Por sua vez,
ocupando apenas 1,14% da área total em estudo, a classe de suscetibilidade
muito alta se estende ao longo da margem direita do rio Pelotas,
principalmente, onde predominam os solos rasos sobre vertentes com
inclinações entre 12 e 30%.
Conforme descrito no roteiro metodológico, o mapeamento de cobertura vegetal
e uso do solo foi utilizado para estimar a produção de sedimentos em relação
à suscetibilidade erosiva da área de estudo. A inter-relação das
suscetibilidades da cobertura vegetal e geopedológica é representada pela
Figura 3, enquanto a distribuição das áreas potenciais para a produção de
sedimentos na área de estudo é apresentada Figura 4.
Foram identificadas para a área de estudo os locais potenciais para a
produção de sedimentos em razão da cobertura vegetal e seu uso atual em
graus de muito baixo a muito alto. Em geral, predomina a cobertura do solo
por campos e Floresta Ombrófila Mista, com 44,74% e 37,45% da área total,
respectivamente.
Os locais onde predominam as formações de Floresta Ombrófila Mista
apresentam grau muito alto de proteção ao solo e ocupam principalmente
aquelas áreas em que há maior suscetibilidade geopedológica. Quando inter-
relacionadas, são identificadas como sendo áreas de muito baixo a baixo
potencial à produção de sedimentos na área de estudo, classes que somam até
30,04% da área de estudo. Essas áreas também agrupam as classes de campo,
pastagem e reflorestamento. No entanto, o grau de proteção aos solos nos
pastos pode variar de baixo a moderado, estando associado à adoção ou não de
práticas conservacionistas, por isso essas áreas variam em relação ao
potencial de produção de sedimentos de moderado a alto.
As áreas ocupadas por atividades voltadas à agricultura recobrem 205,73 km²
da área de estudo (9,37%), e apresentam suscetibilidade moderada em função
da proteção ao solo mediana, ocupando porções de terreno caracterizadas por
apresentarem moderada a muito alta suscetibilidade geopedológica. Parte
destas áreas quando inter-relacionadas são identificadas como os locais onde
há potencial alto a muito alto para a produção de sedimentos, somando até
14,91% da área total. Isto se deve, principalmente, por que nas culturas
temporárias o solo permanece exposto em determinadas fases do ciclo de
produção. Quando práticas conservacionistas não são empregadas, estas áreas
disponibilizam significativos volumes de sedimentos.
Com base na caracterização geopedológica e mapeamento do potencial à
produção de sedimentos, em função da relação entre a suscetibilidade à
erosão e a cobertura vegetal, identificou-se para a área de estudo a
estimativa de produção total de sedimentos de 286.434,6 t.a-1, o que
corresponde a 130,40 t.km-2.a-1. De acordo com a literatura (SHEN e JULIEN,
1992; BORGES et al., 2009; PAULA et al., 2014) estes valores demonstram-se
elevados.
Suscetibilidades geológica, pedológica e geomorfológicas (declividade e formas de vertentes)
Suscetibilidade da cobertura vegetal e uso do solo e suscetibilidade geopedológica à produção de sedimentos
Mapa de distribuição da estimativa do potencial de produção de sedimentos na área de estudo
Mapa de localização da área de estudo
Considerações Finais
A elevada produção de sedimentos estimada para a área de estudo pode ser explicada pela combinação da predominância de unidades pedológicas suscetíveis à erosão, relevo predominantemente de ondulado a montanhoso e ao fato de menos de um terço da área ser recoberta por florestas. Entretanto, é cabível destacar que o valor estimado a partir desse método é referente ao potencial de produção de sedimentos na área de drenagem do empreendimento. Nesse sentido, não representa efetivamente o montante de sedimentos a se acumular no reservatório projetado, pois o método não prevê o comportamento de deslocamento dos sedimentos dentro da área de drenagem. A construção de uma barragem, bem como a constituição de um reservatório são responsáveis pela alteração não só da paisagem mas também do regime de descargas líquida e sólida. Assim, a instalação de um empreendimento hidrelétrico na área estudada além de regularizar a vazão do rio Pelotas, também se constituirá em uma importante armadilha de sedimentos, e diante do significativo volume de material sedimentar aportado faz-se necessário o desenvolvimento de ações mitigatórias aos processos erosivos e de movimento de massa que ocorrem à montante.
Agradecimentos
Referências
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