Autores

Luz, L.M.C. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Mangueira, C.G. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Santos, L.J.C.S. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)

Resumo

Os processos erosivos hídricos lineares causam um grande impacto ambiental. A sua gênese está ligada a processos naturais sendo potencializadas pela ação antrópica. Podem ocorrer tanto no meio rural quanto do meio urbano, sendo nesse último caso de grande significância, pois podem colocar em risco a vida da população. Nessas circunstâncias, a compreensão das causas e a interação com a área urbana auxiliará o controle e futuros planejamentos urbanos no combate as erosões. A problemática referente a erosão no noroeste do Estado do Paraná foi publicada em diferentes eventos e estudada por diversos autores. Atualmente, um convênio firmado entre o Laborátorio de Biogeografia e Solos (LABS) da Universidade Federal do Paraná e Serviço Geológico do Paraná - MINEROPAR, permitiu o mapeamento e o cadastramento de feições erosivas a fim de ofertar subsídios para um plano de gerenciamento de riscos, sendo esse artigo um produto desta análise.

Palavras chaves

erosão; risco geomorfológico; planejamento ambiental

Introdução

A região noroeste do Estado do Paraná possui particularidades no seu processo de urbanização. Seus núcleos urbanos se instalaram e se desenvolveram nos pontos mais altos das colinas e dos espigões da região. Quando não pavimentadas, as cidades instaladas nessas posições do relevo têm o processo erosivo iniciado nas próprias ruas, que são na verdade um prolongamento das vertentes. Na grande maioria dos casos, as feições erosivas começam pela formação de sulcos que evoluem para ravinas devido a concentração de fluxos superficiais das águas de escoamento. Se o processo não for interrompido, a ravina aprofunda-se e progride longitudinalmente para montante. Ao atingir o lençol freático, torna-se voçoroca. A partir desse momento o lençol freático passa a funcionar como o seu novo nível de base. Quando em áreas urbanas, o alargamento e a evolução remontante dessas feições podem destruir casas e obras públicas. A urbanização, segundo Carvalho et al (2006), insere na paisagem estruturas pouco permeáveis, fazendo com que a infiltração diminua, aumentando o escoamento superficial. Iwasa e Fendrich (1998) enfatizam que dentre as principais causas do desencadeamento e da evolução dos processos erosivos nas áreas urbanas, destaca-se o traçado inadequado do sistema viário, muitas vezes agravado pela falta de pavimentação e, juntamente com isso, a deficiência do sistema de drenagem de águas pluviais e servidas, tanto nas formas de captação, como na dissipação. Juntamente com o incremento do escoamento superficial, também ocorre o transporte de material em subsuperfície, por meio da formação de dutos (pipes), com diâmetros que podem variar de poucos centímetros a vários metros. Os horizontes situados acima desses dutos podem sofrer colapso, dando origem ou aumentando as feições. A problemática referente a erosão dessa porção do estado paranaense foi apresentada e publicada em diferentes eventos, como no III e V Simpósio Nacional de Controle de Erosão (1985 e 1995, respectivamente) e estudada por diversos autores (GALERANI,1995; NAKASHIMA, 1999; CUNHA, 2001; SANTOS et al 2007). O município de Cidade Gaúcha, no noroeste do estado, está inserido nesse contexto. Localizado ao sul do Rio Ivaí (figura 1), seu núcleo urbano está situado no divisor de águas. Destaca-se por possuir duas grandes feições erosivas dentro do perímetro da cidade, citadas no Plano Diretor de Zoneamento do Município de Cidade Gaúcha (2007). A unidade geológica da área analisada é o Grupo Caiuá. A origem dos arenitos deste grupo está relacionada ao surgimento de uma depressão criada por subsidência termo-mecânica que originou a Bacia Bauru e propiciou processos de sedimentação nesta bacia (FERNANDES E COIMBRA, 1994). Em relação a geomorfologia, a unidade morfoestrutural em que o município se insere corresponde a Bacia Sedimentar do Paraná. A representação da unidade morfoescultural e sua subdivisão, diz respeito ao Terceiro Planalto Paranaense e ao Planalto de Umuarama, respectivamente. O relevo tem como característica uma dissecação média, colinas com topos alongados e aplainados, as vertentes são convexas com declividade igual ou inferior a 6%, (SANTOS et al, 2006). Segundo o levantamento de vulnerabilidade geoambiental realizado por Santos et al (2007), o Planalto de Umuarama apresenta no terço médio e inferior das vertentes predomínio dos Argissolos com textura arenosa média, com alta suscetibilidade a processos laminares e lineares, enquanto que no terço superior prevalecem os Latossolos com textura média, com média suscetibilidade a processos erosivos. O objetivo geral desse trabalho foi analisar a evolução das feições erosivas situadas nas sub-bacias do córrego Ipiranga, município do Cidade Gaúcha, e abordar a relação entre a ação antrópica e a extensão das feições.

Material e métodos

O convênio firmado entre o LABS e a MINEROPAR, possibilitou em um primeiro momento, o mapeamento das feições erosivas situadas nas áreas urbanas e periurbanas das cidades do noroeste do Paraná. Estas foram identificadas por meio da interpretação de imagens disponibilizadas pelo banco de dados do Google Earth, disponíveis para a região no período de 2002 a 2015. Nessa primeira etapa, foram mapeados 33 municípios com feições erosivas, num total de 98. Foram priorizadas as cidades segundo o número de sua população, a proximidade das feições com a área urbana e a quantidade encontrada. Dentro da área urbana de Cidade Gaúcha, duas foram categorizadas como prioritárias. Visando cartografar a evolução das feições erosivas, utilizou-se imagens de satélites liberados gratuitamente do software Google Earth Pro, de resolução current (1500x944), para três anos distintos: 2009, 2012 e 2014. Posteriormente foi realizado o georreferenciamento das imagens utilizando-se do software ArcGIS 10, e em seguida produzidos polígonos da feição para cada imagem. Para auxiliar o cadastro e subsidiar as ações da prefeitura, foi elaborado um croqui do uso do solo próximo da feição no próprio software ArcGIS 10, usando as imagens já georreferenciadas. Além disso, foi definido um ponto para cada feição erosiva no Google Earth Pro com o intuito de coletar o par de coordenadas UTM e transferi-las para um GPS de navegação a fim de facilitar sua checagem em campo. Posteriormente, foi feito o cadastramento da feição através da ficha de cadastro, elaborada pelo laboratório, conforme propostas já utilizadas por outros autores e instituições (CETAE e LARA,2010; SOPCHAKI,2012) . Nela são considerados dados quantitativos e qualitativos, sendo esses dados adquiridos tanto na etapa de gabinete, quanto analisados em campo.

Resultado e discussão

Os processos erosivos ocorrem em duas sub-bacias do córrego Ipiranga, dentro da área urbana de Cidade Gaúcha (figura 01), sendo esse córrego o principal afluente do rio Itaoca, importante rio para a economia da região (atividade pesqueira) e que deságua no rio Ivaí. As vertentes onde as erosões estão inseridas são do tipo convexa-convergente e ambas as erosões são conectadas a rede de drenagem. Com relação as erosões, a denominada CG01 está localizada na porção noroeste da área urbana e seu comprimento é de 1.139 metros, com a cabeceira situada no terço médio da vertente, estendendo-se até o terço inferior. Sobre sua evolução durante os anos analisados (figura 2a), note-se que: • 2009: a voçoroca já se encontrava em estado avançado com a presença de pequenas ramificações em direção ao arruamento; • 2012: obras de contenção foram realizadas. A erosão não apresenta vegetação em seu interior, indicando seu caráter ativo. Também percebe-se seu crescimento a jusante, indicando transporte de material ao longo da erosão em direção ao leito do rio; • 2014: há uma obra de implantação de arruamento exatamente na erosão, dividindo-a em duas partes; • 2015: no trabalho de campo, constatou-se que o arruamento que dividiu a erosão duplicou o problema, uma vez que agora são duas cabeceiras de erosão ativa – uma crescendo em direção ao arruamento instalado e outra remontando em direção a cidade (figura 4a). Foi verificado na erosão a presença de vegetação, mas a cabeceira continua ativa, pois sofre influência da declividade e do sentido do arruamento, ocasionando o avanço tanto da cabeceira quanto da margem esquerda. Percebe-se também o afloramento do arenito Caiuá na base dessa erosão. O arruamento, dividindo a erosão CG01 em duas partes, resultou de um lado da rua o represamento da água e do outro o acúmulo de lixo, sendo esse depósito irregular dos resíduos sólidos um dos grandes problemas que permeiam o meio urbano. O seu crescimento a jusante, observado nas imagens de 2012, apresenta outra característica das erosões ativas: o assoreamento dos rios a elas conectados. Nesse caso, o assoreamento do leito do córrego Ipiranga é agravado pela contaminação no material transportado, sendo esse constituído por lixo urbano despejado na cabeceira dessa erosão que se mistura com o solo erodido. Além dos resíduos sólidos, também encontra-se nas áreas urbanas o despejo do esgoto a céu aberto. A erosão denominada de CG02 está localizada na porção oeste da área urbana, no terço médio da vertente e atualmente mede 589 metros de comprimento. A respeito da evolução durante os anos analisados (figura 2b), note-se que: • 2009: A erosão está em estado avançado com a existência de pequenas ramificação na margem direita. • 2012: A erosão continua evoluindo em processo remontante, tanto na cabeceira quanto na sua ramificação da margem direita; • 2014: Obras de urbanização foram executadas, como o loteamento a margem direita da erosão e a construção de um arruamento a montante da cabeceira. A erosão ramifica-se mais intensamente na margem esquerda em direção ao loteamento e sua cabeceira continua evoluindo em direção a montante; • 2015: foi identificado em campo a presença de saída de emissário das águas pluviais provenientes da cidade diretamente na cabeceira da erosão. Notou-se também ramificação inicial em direção as ruas paralelas à erosão. Outros fatores foram observados em campo para determinar o estado das voçorocas cadastradas (figura 3). Identificamos movimentos de massa localizados e solapamento da base de taludes, indicando erosão por quedas d’água nas paredes internas das feições. Identificou-se também os mecanismos erosivos de alcovas de regressão – provavelmente causados por filetes de escoamento e pequenas ravinas escavadas no eixo principal das voçorocas. Vale salientar que tais mecanismos estão associados ao crescimento a montante e/ou alargamento por ramificação das incisões erosivas (OLIVEIRA,1999). A drenagem urbana, em geral, tem o objetivo voltado apenas para o dimensionamento de galerias, bueiros e canais destinados à rápida remoção dos volumes de água pluvial da área central da cidade. As águas superficiais, pluviais ou servidas, provenientes da bacia de contribuição, devem ser captadas e conduzidas pelo interior da voçoroca ou desviadas da cabeceira, até um lugar onde sua energia possa ser dissipada (IWASA E FENDRICH, 1998). Na figura 4 podemos entender a direção de fluxo do escoamento superficial proveniente das áreas impermeabilizadas (ruas e avenidas) que escoam diretamente para a erosão. Constata-se que a própria localização da cidade e forma de arruamento promove o aumento de energia das águas superficiais em direção à erosão. Não apenas o problema do próprio aumento do fluxo de água chegando à voçoroca, mas também os sedimentos carregados pela erosão para os cursos d’água. Quanto ao avanço e estabilização das erosões urbanas, a busca pelo equilíbrio entre área de contribuição e declividade sofre alteração. Em ambiente rural, com pouca ou nenhuma interferência humana, esse ponto de equilíbrio pode ser encontrado determinando a área de contribuição e declividade a montante das erosões (STABILE, 2013). Entretanto, quanto essas erosões estão em ambiente urbano, a relação declividade e área de contribuição não é mais aplicada, tendo em vista descaracterização da paisagem natural e relação as obras de coleta e dispersão das águas advindas da cidade e ao próprio sistema viário implantado. Sendo assim, o limite de avanço da erosão não pode mais ser relacionado apenas com fatores naturais, mas agora com fatores da própria engenharia de drenagem urbana instalada.

Figura 1

Localização da área de estudo e sub-bacias da área urbana de Cidade Gaúcha.

Figura 2

Evoluções das feições erosivas em Cidade Gaúcha. a) feição CG01; b) feição CG02.

Figura 3

Mecanismos erosivos encontrados na feição CG01 que contribuem para o seu caráter ativo.

Figura 4

Área de contribuição das feições erosivas periurbanas do município de Cidade Gaúcha. a) feição CG01; b) feição CG02.

Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo compreender a interação entre as feições erosivas e a área urbana do município de Cidade Gaúcha, dentro do contexto do noroeste do Paraná. Nas duas feições cadastradas foi constatado que a ação antrópica condiciona e potencializa o desenvolvimento remontante dessas feições. No Plano Diretor de Zoneamento do Município de Cidade Gaúcha (2007) os processos erosivos aparecem citados apenas de maneira sucinta. O município sofre com esses processos, mas não aprofunda a discussão das medidas para evitar o seu desenvolvimento. No capítulo sobre planos de ação e investimentos futuros, a recuperação de áreas afetadas por erosões aparece em 22º lugar nas ações previstas. Vale ressaltar que o município de Cidade Gaúcha é apenas um dentre os contemplados no projeto de mapeamento de processos erosivos no noroeste do Paraná, e que a realidade da presença de feições no núcleo urbanos não se restringe apenas a essa cidade. Ao final do projeto, estima-se que as informações coletadas e estudos produzidos possam ser usados em benefício da população dessa região do estado.

Agradecimentos

Referências

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