Autores

Thomazini, L.S. (UNESP-RIO CLARO) ; Lupinacci, C.M. (UNESP-RIO CLARO)

Resumo

As áreas periurbanas são constantemente modificadas pelas ações humanas, as quais possuem a capacidade de alterações da paisagem, em especial o relevo. Contudo, as leis de preservação e conservação ambiental estão, a cada dia, mais consolidadas e quando devidamente aplicadas, proporcionam qualidade e orientação ao uso do espaço. Deste modo, a geografia, em especial a geomorfologia, tem se destacado nos estudos relacionados as ações antrópicas sobre o meio ambiente. Com base nas concepções da Teoria Geral dos Sistemas, este trabalho tem por objetivo, avaliar a dinâmica geomorfológica da bacia hidrográfica do córrego Pau D’alho, referente a uma área periurbana, localizada no município de Bauru (SP), através da análise comparativa dos mapeamentos geomorfológico dos anos de 1972 e 2010, os quais possibilitaram a análise das influências da urbanização nas rupturas topográficas, nas formações dos processos erosivos e da importância da vegetação na contenção dos mesmos

Palavras chaves

Processos erosivos; Morfodinâmica; Geomorfologia Antropogênica

Introdução

As ações humanas sobre o meio ambiente têm, ao longo do tempo, provocado diversas alterações na paisagem e em muitos casos são caracterizadas como impactos ambientais negativos, ou seja, degradações ambientais. Os impactos antrópicos sobre o meio ambiente, tem despertado o interesse de diversos pesquisadores, tais como Goudie e Viles (1997), Guerra e Marçal (2006) e Zhang; Ma e Wang, (2008) quanto a capacidade do ser humano em mudar os ambientes. Tamanha é a transformação antrópica sobre o meio ambiente, que Peloggia (1997;1998) salienta a caracterização de um tempo geológico referente as transformações condizentes com o tempo humano, período Quinário, referindo-se a um tempo posterior ao Quartenário, o qual é marcado pelos depósitos tecnogênicos e caracterizado como: [...] o período em que a atividade humana passa a ser qualitativamente diferenciada da atividade biológica na modelagem da biosfera, desencadeando processos (tecnogênicos) cujas intensidades superam em muito os processos naturais.(OLIVEIRA, 1990 apud PELOGGIA, 1997, p.263). A geografia, em especial a geomorfologia, tem-se dedicada aos estudos concernentes as transformações da paisagem, em especial as mudanças morfogênicas do relevo, com destaque aos trabalhos de Guerra e Marçal (2006), Guerra (2011) e Nir (1980), sendo este último importante à compreensão das transformações oriundas da urbanização. De acordo com Allen (2003), as regiões periurbanas constituem-se em um complexo mosaico de interações entre regiões (rurais e urbanas), onde as estruturas urbanas não estão totalmente consolidadas, nem as características naturais preservadas, desenvolvendo intensas ações antrópicas sobre o relevo. A fim de amenizar os impactos negativos sobre o meio ambiente, surgiram os leis de conservação e preservação ambiental, destacando o novo código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/12), em seu capítulo II ressalta a delimitação das área de proteção permanente (APP), sendo as faixas marginais de qualquer curso d’água, áreas no entorno dos lagos e lagoas, dos reservatórios d’água artificial, das nascentes, em encostas, restingas, manguezais, tabuleiros e chapadas, topos de morros, em áreas de altas altitudes e veredas, bem como a contenção de erosão dos solos e a mitigação de enchentes e deslizamentos de terra e rochas, salientados no Art. 6º. As discussões sobre o meio ambiente, tanto a nível mundial quando nacional, são recentes se comparadas ao tempo de ação do homem sobre Terra, tendo em 1972, com a conferência de Estocolmo, o marco histórico sobre as questões ambientais, o qual gerou, nos anos seguintes o relatório de Brundtland. Após 20 anos, é realizado na cidade do Rio de Janeiro a segunda conferência sobre o meio ambiente, conhecida como Eco92 ou Rio+20, resultando na Agenda21, que para o Ministério do Meio Ambiente, A Agenda 21 pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. (MMA, 2016) Sob a ótica de planejamento e ordenamento territorial, visando o equilíbrio ambiental, foi promulgado o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), a qual no Capítulo III salienta a obrigatoriedade do Plano Diretor Municipal pelos municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes, sendo este “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” (Estatuto da Cidade, art. 40, 2001). Deste modo, este trabalho tem por objetivo, analisar a dinâmica geomorfológica de área periurbana, localizada no município de Bauru (SP), a qual compreende a bacia hidrográfica do córrego Pau D’alho e que se insere no Planalto Ocidental Paulista sobre as Formações sedimentares Rio do Peixe e Marília, pertencentes ao Grupo Bauru, que integram a bacia do Paraná. De acordo com Cunha e Guerra (1998) o Oeste Paulista caracteriza-se pelo acelerado desgaste dos solos justificando a importância da área para o presente trabalho.

Material e métodos

Com o intuito de alcançar o objetivo proposto, foi realizado o mapeamento geomorfológico em dois cenários históricos, um do ano de 1972 e outro do ano de 2010, os quais foram analisados por meio das concepções teórico- metodológicas da Teoria Geral dos Sistemas, a qual compreende a bacia hidrográfica como um ambiente aberto, o qual “define-se como um sistema em troca de matéria com seu ambiente, apresentando importação e exportação, construção e demolição dos materiais que o compõem” (BERTALANFFY, 2010, p. 186). As cartas geomorfológicas constituem-se em documentos complexos, pois devem abarcar não somente as formas do relevo como também sua estrutura geológica, cronológica, morfográfica e até as características morfométricas da área (TRICART, 1965). Assim, na carta geomorfológica “procura-se em um único documento, registrar as características do relevo relacionadas ao sistema morfológico e processo-resposta.” (CUNHA, 2001, p.62). Dessa forma, buscando abarcar os aspectos que constituem uma carta geomorfológica, foi utilizada a base cartográfica vetorizada, em escala de 1:10.000, a qual forneceu as informações morfométricas tal como a elevação do terreno. Ainda, para a obtenção das informações sobre a morfografia, utilizaram-se fotografias aéreas, datadas de 2010/2011, concedidas pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitana S/A (EMPLASA), e de 1972 adquiridas junto a BASE Aerofotogrametria e Projetos S/A, ambas na escala de 1:25.000, mas com resolução de 1m, o que permitiu uma visualização de detalhe, quando inseridas no software ArcGis e georreferenciadas na escala de trabalho (1:10.000) Os trabalhos de interpretação, por meio da técnica de estereoscopia, e mapeamento das características morfológicas foram realizados na plataforma de edição do referido software. Para isso, utilizou-se o software Stereo Photo Maker, de licença gratuita, para realizar a composição dos pares esterescópicos, de acordo com as orientações de Souza e Oliveira (2012) e em seguida, a partir do método anáglifo e com o auxílio dos óculos especiais de lentes coloridas, realizou-se a interpretação das feições geomorfológicas, de forma digital no ArcGis. Os símbolos utilizados para a identificação das feições geomorfológicas foram baseados nas orientações de Tricart (1965), Verstappen e Zuidam (1975), Rodrigues (2005) e Zanatta (2014), com as necessárias adaptações a fim de melhor representar as características da área estudada. A construção da simbologia seguiu as orientações de Paschoal; Conceição e Cunha (2010), cujo trabalho sistematiza o processo de elaboração dos símbolos na própria plataforma Gis, facilitando inseri-los na área de edição, na qual se encontra a base cartográfica e os pares estereoscópios das fotografias aéreas. Assim, como os símbolos das rupturas são os mesmos tanto para as estruturais como para os degraus antrópicos, foi preciso diferenciá-los por meio da cor, sendo que as rupturas de cor vermelha representam os efeitos antrópicos no relevo e as pretas, as estruturais, padronizando assim, as feições antrópicas com a cor vermelha, também utilizada nas bacias de contenção. Deste modo, a carta geomorfológica tem se mostrado de suma importância para a análise das características físicas da área, bem como para a avaliação da influência antrópica sobre a mesma, sendo significativa para a realização dos objetivos propostos e, com as técnicas adotadas, adequando-se a confecção do mapeamento geomorfológico aos avanços tecnológicos. Para este trabalho, são apresentados os mapeamentos de dois recortes da área de estudo, que melhor representam as características geomorfológicas discutidas no tópico a seguir.

Resultado e discussão

A análise das fotografias aéreas dos anos de 2010 e 1972, comprovaram uma intensa expansão urbana nas áreas próximas a nascente do córrego Pau D’alho, concomitante com a duplicação da rodovia Mal. Rondon (SP-300), caracterizando-a como um importante vetor da expansão urbana e esta, um importante agente transformador da paisagem, provocando mudanças das feições geomorfológicas, tais como cortes e aterros topográficos (Figura 1), bem como evidenciando as rupturas topográficas, deixando-as mais nítidas na fotointerpretação, identificadas por meio da esterescopia. A exemplo, das alterações topográficas, destaca-se a ruptura observada no cenário de 2010 nos bairros Pousada a Esperança I e Vila São Paulo, acompanhando o traçado urbano, mas que não é nítida no cenário de 1972; bem como as alterações topográficas antrópicas, próximas ao núcleo residencial Gasparini, marcantes no cenário de 2010, mas praticamente inexistentes em 1972. Com a implantação das estruturas urbanas, tais como ruas e calçadas, as quais impermeabilizam o solo, notou-se uma diminuição das feições erosivas, como os sulcos, do período de 1972 para 2010, nas vertentes agora urbanizadas. Contudo, observou-se maior ação erosiva nas nascentes do córrego Pau D’alho, com a formação de voçorocas, devido ao aumento do volume hídrico despejado nestas áreas, oriundas do escoamento superficial pluvial, o qual é intensificado pela impermeabilização do solo (Figura 1). Deste modo, a urbanização provoca significativas mudanças na paisagem, alterando a dinâmica morfogênica, principalmente nas áreas ao seu entorno, onde as estruturas urbanas não se encontram totalmente implantadas, visto que, onde a urbanização encontra-se consolidada, os processos geomorfológicos tendem a serem minimizados. Nas vertentes não urbanizadas, localizadas próximas ao médio e baixo curso do córrego, houve uma diminuição dos processos erosivos, tais como sulcos e ravinas, nas fotos de 2010 em relação a 1972, acompanhado de um aumento significativo da vegetação nas margens do córrego e nas nascentes. Deste modo, a falta da mata ciliar e do manejo adequado do solo, como as curvas de nível, observado nas fotos de 1972, contribuíram para o desenvolvimento dos processos erosivos, pois, nas fotos de 2010 observa-se um aumento da presença da mata ciliar e, concomitantemente, uma diminuição dos sulcos e ravinas, indicando relação entre a conservação da vegetação definida por lei (APP’s) com a prevenção aos processos erosivos lineares. Nas fotografias de 1972, é notória a falta da mata ciliar ao longo do córrego Pau D’alho e de seus afluentes; já em 2010, observa-se um aumento significativo de tal vegetação. Mesmo que em 2010 a mata ciliar ainda seja deficiente, com margens e nascentes sem vegetação ou, até mesmo, com extensão menor daquela exigida pela Lei (30m de faixa marginal do curso d’água), observa-se uma diminuição dos sulcos erosivos nas vertentes, bem como a estabilização e, inclusive, a diminuição de voçorocas, em relação ao cenário de 1972 (Figura 2). A exposição do relevo, sem a proteção da vegetação, aos agentes intempéricos, principalmente a chuva, intensificam o poder erosivo destes, aumentando a quantidade de sedimentos arrastados e, consequentemente, depositados no leito do córrego. Como observado, as imagens de 1972 apresentam um canal fluvial com maior deposição de sedimentos em médio curso, em relação a 2010, constituindo assim, maiores áreas de planície (Figura 2). Contudo, com o aumento do volume hídrico, oriundo da urbanização, por meio do escoamento pluvial superficial, e do despejo do esgoto tratado por uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) localizados na bacia, juntamente com a diminuição de sedimentos transportados pelo rio, houve um aprofundamento da calha do rio, bem como alterações no seu curso, entre os períodos de 1972 a 2010, influenciando também nos processos denudativos, pois, o rio constitui-se em um importante agente modelador do relevo.

Figura 1

Recorte da carta geomorfológica da bacia do Pau D'alho em área de expansão urbana

Figura 2

Recorte da carta geomorfológica da bacia do Pau D'alho de área não urbanizada

Considerações Finais

A interpretação esteroscópica das fotografias aéreas de dois períodos históricos, 1972 e 2010, permitiram uma análise da evolução geomorfológica, evidenciando o papel da urbanização e da vegetação na morfodinâmica. A urbanização possui uma importante influência nas rupturas topográficas, tanto acentuando como atenuando as naturais, bem como criando cortes e aterros topográficos de origem antrópica. Mas a maior influência notória da urbanização ocorre nas áreas ao entorno, principalmente onde as estruturas urbanas não estão totalmente consolidadas, deixando tais áreas mais propícias ao surgimento de processos erosivos, principalmente pelo aumento da concentração do escoamento superficial. Nas áreas não urbanizadas e de menor influência destas, o fator de destaque foi a vegetação. Assim, o período de 1972, com menor quantidade de vegetação no entorno do córrego e seus afluentes, apresenta mais sulcos, ravinas e voçorocas mais extensas, do que em relação ao ano de 2010, onde há maior quantidade de mata ciliar e a diminuição de processos erosivos, até mesmo a extinção de ravinas e diminuição de voçorocas. Assim, este trabalho alcançou seu objetivo, à medida que identificou a importância das leis ambientais, para a conservação da mata ciliar e da necessidade dos estudos geomorfológicos na compressão da morfodinâmica, capazes de auxiliarem a expansão urbana.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento deste trabalho, sob o processo número 14/07017-9

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