Autores

Effgen, J.F. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO) ; Marchioro, E. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO)

Resumo

O presente trabalho se propõe a analisar e identificar áreas com suscetibilidade a movimentos de massa no Morro da Boa Vista, em Vila Velha, no Espírito Santo. Esse local foi escolhido para estudo em função do evento de queda e corrida de blocos, ocorrido em 01/01/2016. O método utilizado no mapeamento foi o Análise de Processos Hierarquizados (AHP), considerando os fatores declividade, curvaturas horizontais e geologia (cobertura superficial). A classe de declividades acima de 30% ocupa 2km² (17% da área estudada), a qual de acordo com a Lei Federal n° 6.766/79 não deveriam ser ocupadas pela população. As áreas de maior suscetibilidade a movimentos de massa são as que combinam curvaturas convergentes, cobertura superficial da Formação Maciço Vitória (granítica) e declividades entre 20-30% e acima de 30%, enquanto as de baixa suscetibilidade são planas, de curvatura retilínea e com cobertura superficial de depósitos aluvionares.

Palavras chaves

movimentos de massa; SIG; suscetibilidade

Introdução

Os movimentos de massa têm sido recorrentes em áreas urbanas, uma vez que, associados às condições naturais deflagradoras, tem sido verificada forte interferência da ação antrópica, que os potencializa (FERNANDES; AMARAL, 2011; GONÇALVES; GUERRA,2001). Devido a esse conjunto de fatores naturais e antrópicos, em geral, nas cidades, os movimentos de massa assumem proporções catastróficas, ocasionando perdas socioambientais irreparáveis. No caso brasileiro, as regiões mais afetadas por grandes movimentos de massa são Sul, Sudeste e Nordeste (TOMINAGA, 2009). Dentre os fatores antrópicos que potencializam os movimentos de massa em áreas urbanas, podem-se destacar: a remoção de vegetação, lançamento de esgoto/águas servidas, cortes de taludes de forma inadequada, descarte de lixo em área imprópria (IPT, 2007). Tominaga, Santoro e Amaral (2009, p. 15) afirmam que “as populações em risco têm apresentado um crescimento anual em torno de setenta a oitenta milhões de pessoas, sendo que, mais de noventa por cento dessa população encontra-se nos países em desenvolvimento”, tal como o Brasil. Em função deste quadro, a década de 1990 foi declarada pelas Nações Unidas, como a Década Internacional para Redução de Desastres Naturais, tal como os movimentos de massa (FERNANDES; AMARAL, 2011; TOMINAGA; SANTORO; AMARAL, 2009). Considerando o risco em que a população tem sido submetida, devido a forma inadequada de uso e ocupação das encostas urbanas, são cada vez mais recorrentes estudos que apontem para as áreas de susceptibilidade a movimentos de massa, visando a minimização dos problemas socioambientais (BISPO et al., 2011; CARDOZO; HERRMANN, 2011; FARIA; AUGUSTO FILHO, 2013; FARIA; OLIVEIRA; ZAIDAN, 2011; GUIMARÃES, et al., 2003; RAMOS et al., 2002; SILVA et al., 2013). Em função disto, este trabalho visa analisar e identificar as áreas suscetíveis a movimentos de massa na região do Morro da Boa Vista, entre os distritos de São Torquato e Argolas no município de Vila Velha (ES). A escolha desta área deve-se ao fato de que no dia 01/01/2016, um grande bloco de rocha se desprendeu do topo do Morro da Boa Vista, ocasionando pânico entre os moradores afetados. A área estudada possui uma elevação máxima de 237,5m de altitude, situada nas coordenadas do cume: 20°20’10,35” S; 40°20’43,50” W. O clima de Vila Velha é tropical úmido, com médias térmicas anuais de 23°C, pluviosidade média anual em torno a 1.400mm, concentrada no verão (ESPÍRITO SANTO, 2016). Geologicamente a área está inserida na Formação Maciço Vitória, com granitos de granulação fina a média e, Depósitos Aluvionares, com “sedimentos fluviais recentes, depósitos de areia, argila e cascalho da planície aluvionar [...]” (BRASIL, 2015). Geomorfologicamente, a região do Morro da Boa Vista é classificada como parte do domínio das Faixas de Dobramentos Remobilizados, onde o controle estrutural é forte sobre a morfologia atual, com linhas de falhas, blocos deslocados, escarpas e relevos alinhados coincidentes com dobramentos originais e falhamentos recentes. A unidade geomorfológica, mais especificamente, é a das Colinas e Maciços Costeiros, com dissecação fluvial de caraterística fina (BRASIL, 1983). Os solos da área de interesse são compostos por Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico (com textura variando de média-argilosa a muito argilosa) e Latossolo Vermelho-Amarelo álico (com textura variando de argilosa a muito argilosa) (SEMA, 2008). A vegetação do município de Vila Velha, de forma geral, é formada por remanescentes da Mata Atlântica e trechos de restinga, no litoral (VILA VELHA, 2013).

Material e métodos

Para o presente estudo, foi considerada uma área de interesse de cerca de 11km² ao redor do Morro da Boa Vista, que se situa entre dois distritos do município de Vila Velha, com os seguintes bairros em seu entorno (IJSN, 2015; VILA VELHA, 2013): • No distrito de Argolas, à leste: Chácara do Conde, Sagrada Família, Paul e Vila Garrido. • No distrito de São Torquato, à oeste: São Torquato, Alvorada, Alecrim e Cobi de Cima. Os mapeamentos foram executados com software ArcMap 10.3™ e com apoio de matrizes de ponderação geradas no Excel (ESRI, 2015). Os planos de informação cartográficos utilizados foram os seguintes: Geologia de Vitória-ES (articulação SF.24-V-B-I) da Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), obtido via Geobank (BRASIL, 2015); Trechos de Drenagem, obtido no site Geobases (INCAPER, 2014); Bairros, Geomorfologia e Massas de Água, obtidos no Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN, 2015); Curvas de Nível, Pontos Cotados e Ortofotomosaico de 2012 da área de interesse, obtidos através do Laboratório de Monitoramento e Modelagem de Sistemas Ambientais (LAMOSA). O plano de informação que delimita a área afetada pelo evento de 01/01/2016 é de nossa autoria. Para gerar o mapeamento de suscetibilidade, foi realizada a ponderação dos fatores avaliados (geologia, declividades e curvaturas horizontais) com o auxílio do método AHP, conforme detalhamento apresentado por Effgen (2015). A definição de suscetibilidade foi baseada no IPT (2007, p. 26). O fator declividade recebeu peso 0,633; as curvaturas horizontais receberam peso de 0,260; e geologia recebeu peso de 0,106. Esses valores foram retirados de Effgen (2015) e alcançaram índice de consistência de 0,033 – quando o índice de consistência fica abaixo de 0,1, é sinal de que a avaliação foi consistente. Dentre cada fator avaliado, foram ponderadas suas classes, com a finalidade de se estabelecer a importância de cada uma para a ocorrência de movimentos de massa. As curvaturas horizontais, com formas convergentes, divergentes e retilíneas receberam pesos 0,525, 0,142 e 0,334, respectivamente. As formas convergentes, por acumularem fluxos de matéria na vertente ficaram com o maior peso, enquanto as formas divergentes, por dispersarem os fluxos, receberam o menor peso. As formas retilíneas receberam importância intermediária, ficando com peso intermediário. A geologia foi avaliada de acordo com a cobertura superficial da área de estudo. De acordo com Effgen (2015, p. 43), “os tipos de cobertura superficiais de uma área vão influenciar a permeabilidade, padrões texturais e de drenagem [...] e resistência ao intemperismo”. Entre a Formação Maciço Vitória e Depósitos Aluvionares, a primeira recebe importância maior, pois possui menor estabilidade e, os depósitos aluvionares, tendem a não serem afetados por movimentos de massa com frequência. Os pesos ficaram estabelecidos em 0,750 e 0,250, respectivamente. As declividades foram classificadas com base na Lei Federal de número 6.766/79 (BRASIL, 1979), que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e, no trabalho do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, sobre mapeamento de riscos em encostas (IPT, 2007). No 3º artigo da lei citada, em parágrafo único, são definidos os locais onde não são permitidos parcelamento do solo – a alínea III explicita “[...] terrenos com declividade igual ou superior a 30% [...]”, enquanto a IV indica “[...] terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação”. O IPT (2007, p. 31) traz uma tabela que indica a conversão aproximada entre valores de declividade e inclinação. Baseado na tabela do IPT (2007) foram consideradas para avaliação de suscetibilidade, os intervalos de: 0-20% (equivalente a 0-11° de inclinação); 20-30% (11-17° de inclinação) e acima de 30% (inclinação superior a 17°). Os pesos atribuídos a cada um dos intervalos foram, respectivamente, 0,159; 0,252; e 0,589.

Resultado e discussão

As declividades predominantes na área de estudo são as de 0-20%, ocupando 8,82km² (ou 74,62% da área total de estudo), seguida das declividades acima de 30%, com 2,05km² (ou 16,96% do total) e, do intervalo, entre 20-30%, com menos de 1km² (representando 8,42% do total). O mapa de declividades mostra que parte do Morro da Boa Vista está acima dos 30%, o que, de acordo com a Lei nº 6.766/79, torna a ocupação inapropriada para ocupação. Ainda assim, dentro da área afetada pelo evento de queda e corrida de rochas é possível verificar que existe ocupação desordenada das encostas, com a presença de diversos blocos de rocha. Tal fato, também é verificado em trechos de Cobi de Cima, Vila Garrido, Paul, Sagrada Família, Alvorada, Alecrim e Argolas, que colaboram com a potencialização desses movimentos de massa. A forma de curvatura retilínea é predominante na área de estudo, ocupando as áreas planas (são 9,45km², representando cerca de 80% da área total de estudo). É notável que a área onde ocorreu o evento de queda e corrida de rochas, ocupa um trecho de curvatura convergente, ou seja, o material mobilizado seguiu à jusante do ponto inicial num canal de drenagem côncava. As curvaturas convergentes ocupam cerca de 0,6km² (que resultam em 5,04% da área) e as divergentes ocupam 1,77km² (cerca de 15% da área total). O mapa de direção de fluxos indica os sentidos preferenciais dos fluxos de matéria na região de estudo. Os topos de morro funcionam como divisores, “subdividindo” os fluxos para cada face. A direção de fluxo predominante na área afetada pela queda e corrida de rochas é noroeste/norte, o que concorda com o mapa de curvaturas horizontais, pois essa direção é a mesma do canal de drenagem (curvatura convergente) presente na encosta atingida. O mapeamento de suscetibilidade realizado mostra que as áreas mais passíveis de sofrerem movimentos de massa são as que combinam declividades elevada, curvaturas convergentes e cobertura superficial da Formação Maciço Vitória, como nas áreas de coloração vermelha dos bairros de São Torquato, Sagrada Família, Alvorada, Paul e Vila Garrido. As áreas de baixa suscetibilidade ocupam 4,48km² (40,10% da área total); as de média-baixa somam 3,64km² (32,67% do total); as de média suscetibilidade são 0,40km² (3,60% do total); as de média-alta são 0,73km² (6,52%); e as de alta suscetibilidade ocupam 1,91km² (resultando em 17,11% da área total). A soma das áreas é igual à do plano de informação de Geologia. A área onde ocorreu a queda e consequente corrida de rochas é considerada de suscetibilidade de alta e média-alta a ocorrência de movimentos de massa. A porção noroeste do Morro da Boa Vista, no bairro de São Torquato, apresenta ocupação intensa nos terços médio e inferior das suas encostas. A região é descrita como tendo “[...] ocorrência de muitos blocos de rochas soltos ou parcialmente encaixados que podem atingir as residências [...]”, com possibilidade de formação de corridas de massas, em função da pouca profundidade do solo (INCAPER, 2014). No caso do evento do dia 01/01/2016, não esteve associado à precipitação pluvial acumulada, pois de acordo com o mapa de precipitação acumulada dos últimos dez dias (disponível no site do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET), para o dia 01/01/2016, a região de Vila Velha recebeu entre 20-30mm (BRASIL, 2016), quando a média para o mês de dezembro é de 203,3mm (SOMAR METEOROLOGIA, 2016). A ocupação de áreas suscetíveis a movimentos de massa é adensada no bairro de Sagrada Família (ao norte do Morro da Boa Vista). O mapeamento de áreas de risco realizado pela CPRM em 2012 e disponível no portal Geobases (INCAPER, 2014), aponta que o bairro tem histórico de movimentos de massa (principalmente, queda e corrida de blocos de rochas e escorregamentos planares) e que se encontra numa área de vale entre duas vertentes muito inclinadas com presença de blocos de rochas. Nas áreas planas, de declividade baixa e com cobertura superficial de Depósitos Aluvionares, a suscetibilidade a movimentos de massa é baixa. Apesar disso, é necessária precaução, uma vez que tais áreas podem ser receptoras de fluxos de matéria vindos de áreas a montante delas. Como exemplo, podemos citar as áreas de baixa suscetibilidade de Alecrim, Alvorada e Vila Garrido (ver mapa de direção de fluxos). As áreas de suscetibilidade média aparecem, principalmente, intercaladas com as de média-baixa e média-alta. As declividades são medianas, entre 20-30%, com formas divergentes e retilíneas e cobertura superficial da Formação Maciço Vitória. As porções de suscetibilidade média-alta apresentam declividades nas classes de 20-30% e acima de 30%, com curvaturas convergentes e cobertura superficial da Formação Maciço Vitória. As áreas de suscetibilidade média-baixa são de declividade baixa (entre 0- 20%), com formas retilíneas predominando e cobertura superficial da Formação Maciço Vitória. Em visita realizada ao local do evento de queda de bloco e corrida de rochas no dia 04/01/2016, verificou-se a presença de diversos pontos de vazamento de esgoto nas encostas, lixo descartado de forma inadequada, casas construídas em situação precária (com blocos de rochas nas proximidades ou até mesmo com a casa encaixada na rocha), que colaboram para o agravamento das ocorrências de movimentos de massa. Apesar das mais de 1.200 pessoas desabrigadas ou desalojadas e das diversas casas destruídas ou danificadas, o evento de queda e corrida de rochas do dia 01/01/2016 não provocou nenhum caso de ferimentos graves ou mortes da população atingida. Para exemplificar uma área de risco que sofreu queda de bloco na área estudada, é possível observar na imagem 1 a queda de blocos associados a detritos e árvores entre os terços médio e superior da encosta, concordando com a sua curvatura. A segunda fotografia, aérea, evidencia a área afetada pelas rochas, que segue o fluxo preferencial das encostas, com características côncava, denominada de “Hollow”. As duas fotos da parte inferior da montagem apresentam o “antes e depois” do bloco que sofreu ruptura da porção superior da encosta, possivelmente associado à fratura por alívio de tensão, que associado a ação da termoclástia e do intemperismo químico, foi fragilizada, promovendo o seu desprendimento.

Fotografias do Morro da Boa Vista, pós evento do dia 01/01/2016

Montagem com quatro fotografias do Morro da Boa Vista. A de número 1 é de autoria de Julia Effgen; as outras três são de Arpini, 2016.

Mapas de Declividades e Curvaturas Horizontais

Mapas da Região do Morro da Boa Vista, Vila Velha (ES), apresentando as declividades e curvaturas horizontais

Mapas de Geologia e Direções de Fluxos

Mapas da Região do Morro da Boa Vista, Vila Velha (ES), apresentando a geologia e direções de fluxos

Mapa de Suscetibilidades a Movimentos de Massa

Mapas da Região do Morro da Boa Vista, Vila Velha (ES), apresentando as suscetibilidades a movimentos de massa

Considerações Finais

A região do Morro da Boa Vista é, predominantemente, de alta suscetibilidade a ocorrência de movimentos de massa, com destaque para os bairros situados nas imediações do Morro, como Sagrada Família, Paul, Vila Garrido, Alvorada e São Torquato. As áreas de alta suscetibilidade do Morro da Boa Vista e, suas adjacências, estão potencializados pelo uso e ocupação da terra desordenado das encostas, que não deveriam ocorrer de acordo com a lei n° 6.766/79. Quando avaliadas em conjunto, a declividade, as curvaturas horizontais e as direções de fluxos de matéria no terreno, proporcionam uma análise aprofundada em relação às direções e trajetórias preferenciais que possíveis fluxos podem assumir em determinada localidade. O método AHP, utilizado no mapeamento de suscetibilidades a movimentos de massa neste trabalho, apesar de subjetivo (uma vez que a avaliação das importâncias de cada fator analisado depende do pesquisador), é considerado satisfatório. É indicado, porém, que o uso de tal método seja apoiado por extensa pesquisa bibliográfica sobre o tema a ser avaliado (como os movimentos de massa) e o local a ser estudado. Este estudo aponta a necessidade de obras de contenção e a realocação dos moradores do Morro da Boa Vista cuja declividade, eixo de curvatura das encostas e fraturas por alívio de tensão, corroboram para futuros movimentos de massa.

Agradecimentos

Agradecemos à Defesa Civil de Vila Velha, pelo apoio durante a visita realizada no local do evento no dia 04/01/2016, à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) e à Universidade Federal do Espírito Santo.

Referências

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