Autores
Silva, E. (UEL) ; Machado, G. (UEL)
Resumo
A presente pesquisa insere-se nas discussões atuais sobre a ação humana, de modo adverso, sobre o meio ambiente, utilizando como temática os depósitos tecnogênicos, os quais são considerados como o testemunho das ações antrópicas em determinados ambientes. Assim, este trabalho busca identificar e classificar os depósitos tecnogênicos no ribeirão Quati, em Londrina-PR. O material estudado foi coletado em dois pontos da bacia do ribeirão Quati, utilizando canos de PVC para sua extração e, posteriormente, analisado em laboratório. Os resultados apontam elevado grau de influência humana, ligados aos processos de ocupação do espaço urbano na bacia ao longo das últimas décadas.
Palavras chaves
depósitos tecnogênicos; Ribeirão Quati; Londrina-PR
Introdução
A má ocupação do solo pode acarretar impactos negativos tanto de âmbito ambiental, quanto social, ou seja, a drástica modificação do meio natural, principalmente aqueles mais vulneráveis à ocupação humana, pode trazer consequências catastróficas á área urbana ao seu entorno. Os casos mais comuns de impactos ocorrem nas áreas de fundo de vale e nas de morro, onde são comuns as enchentes e alagamentos e os deslizamentos e desmoronamentos, elementos estes, constantemente estudados por profissionais que atuam na área da Geomorfologia. A influência do homem sobre o meio natural e as transformações por ele realizadas ao longo do tempo, concede ao mesmo o status de agente geológico/geomorfológico, ou seja, potencial transformador da natureza. Esta discussão está inserida no conceito de Tecnógeno/ Quinário, que é uma proposta nova em termos de escala de tempo geológica. O termo Quinário ou tecnógeno foi utilizado primeiramente por Ter- Stepanian (1988), segundo o qual, durante o Holoceno, as atividades humanas, até então irrisórias, se difundiram sobre o relevo. A ação humana sobre o relevo ao longo do Quaternário permitiu a gradual descaracterização desse período e simultaneamente a consolidação do Quinário ou Tecnógeno. Desta forma, podemos considerar, como Ter-Stepanian (1988) que o Holoceno foi um período de transição entre o Quaternário e o Quinário /Tecnógeno e o evento histórico que marca este novo período na escala de tempo geológico é a Revolução Neolítica. Neste contexto, os depósitos tecnogênicos podem ser considerados como testemunho material da ocupação humana, devido ao grande volume de materiais de origem antrópica neles presentes. De acordo com Korb (2006, p.58) os depósitos tecnogênicos só podem ser entendidos como tais: "[...] fundamentado na aceitação do Homem como um agente que influencia direta e indiretamente na sua formação (gênese) ou que estabelece a Tecnogênese (tempo) para isto. E na possibilidade da adoção de uma nova temporalidade que venha expressar esta influência na escala geológica- geomorfológica". O estudo dos depósitos tecnogênicos possibilitam o entendimento das mudanças provocadas pela sociedade no processo de ocupação do espaço. Portanto, neste trabalho, buscou-se a inter-relação entre a ocupação humana na microbacia do Ribeirão Quati, localizado no município de Londrina/PR com a formação de depósitos tecnogênicos, sendo feita a identificação e a caracterização dos mesmos.
Material e métodos
Pode-se dizer que essa pesquisa se embasou em trabalhos de gabinete e de campo. Os primeiros contaram inicialmente com a revisão literária, abordando conceitos referentes a presente pesquisa, a saber: tecnógeno, tecnogênico, depósitos de leito e de canal, processos erosivos, dentre outros. Por meio de atividades de campo, foi possível a observação dos aspectos naturais e sociais que envolvem a microbacia do Ribeirão Quati e a localização dos depósitos tecnogênicos. Uma vez identificados os depósitos tecnogênicos, foram escolhidos dois pontos para a coleta de materiais, um localizado nas proximidades da foz do Córrego Bom Retiro, que é afluente do ribeirão Quati, e o outro no próprio Quati, à uns 200 metros de distância do primeiro (Figura 01). Essa coleta foi realizada no dia 23 de novembro de 2015 utilizando-se de canos de PVC de 100 mm de diâmetro por 40cm de comprimento. Os quais foram penetrados a força no depósito por meio do uso de marreta. Quanto à análise laboratorial, esta foi realizada no Laboratório de Pedologia do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina e se pautou na caracterização do material tecnogênico coletado em campo. O material coletado foi pesado ainda úmido. Após este procedimento o mesmo foi deixado em estufa à uma temperatura média de 65º C para promover a sua secagem. Uma vez seco, o mesmo foi pesado novamente. Somente após essas etapas que as amostras puderam ser peneiradas para a separação granulométrica dos materiais componentes das mesmas. Nessa etapa foi utilizada uma mesa agitadora de partículas para a qual foram selecionadas sete (7) peneiras, para a amostra 1, e seis (6) peneiras, para a amostra 2, com aberturas granulométricas decrescentes variando entre 19,1 e < 0,5, conforme será mostrado no Quadro 1 em sequencia. As amostras foram separadas de acordo com sua granulometria e analisadas, procurando identificar os materiais de origem antrópicas nelas presentes. Feito isso, as frações foram classificadas de acordo com a proposta elaborada por Peloggia (1999).
Resultado e discussão
O Ribeirão Quati compõe a bacia hidrográfica do Lindóia, que é uma das
seis bacias hidrográficas da área urbana de Londrina que está localizada
entre as coordenadas 23° 14’ e 23° 23’ de latitude sul e a 51° 05’ e 51°
14’ de longitude oeste (Figura 01).
O curso do Ribeirão Quati estende-se no sentido oeste-leste (Figura 01),
conjuntamente com o principal rio de sua bacia, o Lindóia, o qual assim como
os demais mananciais do município, desemboca no rio Tibagi, sendo esse, um
dos principais rios da bacia hidrográfica do rio Paranapanema (BARROS et
al., 2008).
No que se refere às características físicos-geográficas da área estudada,
o município de Londrina situa-se no Terceiro Planalto Paranaense,
apresentando altitudes entre 370 metros e 880 metros. Está localizado sobre
a formação Serra Geral, caracterizada por derrames basálticos ocorridos na
Era Mesozóica, no período Jurássico/Cretácio. (FRANÇA, 1997). Quanto a
altimetria da bacia em questão, apresenta uma variação de cerca de 145
metros entre o ponto mais alto (645m) e o mais baixo (500m).
De acordo com Cunha (1996), Londrina foi fundada em 1929, porém, elevada
a categoria de município somente em 1934. Seu processo limiar de colonização
está ligado a Companhia de Terras do Norte do Paraná- CTNP- a qual visava a
atração de colonos, principalmente cafeicultores, para trabalhar nas terras
férteis presentes nesta região. (ARCHELA et al, 2008).
A ocupação da microbacia hidrográfica do ribeirão Quati se iniciou desde
os primórdios de apropriação do espaço urbano de Londrina, ou seja, década
de 1930, particularmente com cultivos de café, cítricos e outros. Nas
décadas que se sucederam, particularmente na de 1960,houve um grande avanço
urbano para essa área, influenciado pela criação de conjuntos habitacionais
na bacia do Lindóia e, principalmente, na bacia do Ribeirão Jacutinga,
localizados na zona norte (CUNHA, 1996).
Pereira (2011) ao analisar o histórico cronológico de ocupação urbana da
microbacia, entre os períodos de 1930 a 2008, coloca que a década de 1930
foi marcada pela expansão de três parcelamentos, na planta inicial da
cidade. Na década de 1940 houve mais sete parcelamentos, sendo que dois
destes já ultrapassavam a Avenida Brasília (BR369) em direção à zona norte.
Na década seguinte outros dez parcelamentos foram criados, destes, os
jardins Shangri-lá A e B e o jardim do Sol passaram a ocupar a vertente
direita da microbacia ao longo do médio curso. Os outros sete lançamentos
imobiliários desta década se expandiram preenchendo os vazios entre o centro
de Londrina e a Avenida Brasília, já um pouco mais em direção ao baixo
curso.
A ocupação urbana da margem direita do Ribeirão Quati praticamente se
efetivou na década de 1960, e, na década subsequente, nota-se a apropriação
do espaço urbano, também, na margem esquerda do córrego. No total, a década
de 1970 foi marcada pela efetivação de quatorze parcelamentos, dos quais
nove ocorreram na margem esquerda e cinco na margem direita do Quati.
Os parcelamentos realizados na década de 1980 procuraram preencher os
vazios existentes entre os parcelamentos anteriores, sendo contabilizados
dois na vertente direita e oito na vertente esquerda da microbacia. Entre os
anos de 1990 e 1995 outros oito parcelamentos foram criados, dos quais sete
estão na margem esquerda e apenas um na margem direita do Ribeirão Quati.
De acordo com dados do IPPUL (2011) de Londrina, entre os anos de 1995 e
2008 a vertente direita do Quati recebeu sete parcelamentos e a vertente
esquerda seis, em um total de treze parcelamentos do solo na área da
microbacia, os quais, em sua maioria, são loteamentos particulares. A
situação descrita, em relação à ocupação ao longo das ultimas 5 décadas
proporcionou uma ocupação quase total da bacia, excetuando-se algumas áreas
localizadas entre a Av. Dez de Dezembro e Conjunto Mister Thomas, onde se
localiza a foz (Figura 02).
A ausência de planejamento no processo de ocupação da área em questão
trouxeram consequências adversas, por meio de processos degradacionais
visíveis em campo, tais como: supressão da vegetação original nas margens do
ribeirão, processos erosivos como sulcos, ravinas e voçorocas, além do
depósito de lixo a céu aberto em diversos pontos da vertente. Neste sentido,
Pereira (2011, p.56) ao analisar o processo de uso e ocupação do solo na
microbacia do Ribeirão Quati destaca que:
"A construção de bairros sem infraestrutura adequada, os aterros
irregulares, o desmatamento de APPs e até, mesmo a abertura das4 rodovias,
como o caso da Avenida Dez de Dezembro que não possui escoamento superficial
lateral eficiente, potencializam a degradação ambiental".
A situação acima referenciada proporcionou ao longo do tempo, um processo
de assoreamento de alguns pontos do córrego e particularmente da colmatação
das áreas de inundação, culminando na geração dos famigerados depósitos de
origem tecnogênica.
No que concerne ao Ribeirão Quati, os resultados das análises, corroboram
com as hipóteses de que a ação antrópica, no que se refere a apropriação do
espaço urbano na microbacia, teve efetiva contribuição para a formação dos
depósitos tecnogênicos da área estudada.
O quadro 1 mostra, respectivamente, as análises de classificação física
das amostras 1 e 2. A identificação foi realizada por meio do fracionamento
das amostras em peneiras, como descrito nos procedimentos metodológicos.
Para a classificação dos depósitos tecnogênicos, de acordo com suas
características, foi utilizada a classificação integrada proposta por
Peloggia (1999). Nesta classificação o autor aborda conceitos considerados
chaves para esse tipo de atividade, tendo por base propostas de outros
autores como OLIVEIRA (1990), NOLASCO (1998); FANNING & FANNING (1989) e
OSOVETSKIY (1996) e outros, conforme demonstrado no quadro 2.
Com base na tabela proposta por Pellogia (1999), pode-se verificar que os
dois depósitos analisados possuem a mesma classificação. Quanto à gênese dos
depósitos tecnogênicos, os mesmos foram classificadas como depósitos
induzidos, ou seja, representados pelo processo de assoreamento e pela
formação de aluviões modernos.
Quanto à sua composição as amostras foram classificadas como tecnógeno-
aluvial: sedimentos aluviais que são constituídos de materiais tecnogênicos
como vidro, detritos industriais, etc.
No que se refere a sua estrutura, os depósitos foram categorizados do
tipo maciço, ou seja, não há estruturação interna definida. Já no que
concerne a forma de ocorrência as amostras podem ser classificadas como
aluviforme, isto é, coberturas tecnogênicas remobilizadas. No último
parâmetro analisado, o ambiente, os depósitos estão localizados na área
urbana.
Considerações Finais
Com base nos resultados obtidos por meio desta pesquisa foi possível verificar que a bacia hidrográfica do Ribeirão Quati foi ocupada por atividades ligadas à agricultura e pecuária até aproximadamente os anos 1960 e que a partir de então, a mesma passou a ser urbanizada, particularmente em sua vertente (margem) direita. A vertente esquerda foi mais intensamente ocupada com atividades urbanas a partir dos anos 1970, quando teve inicio nessa área a abertura de uma série de loteamentos de iniciativa privada. Esses diversos usos ao longo do tempo proporcionaram o aparecimento de processos erosivos superficiais do tipo sulco, ravina, voçoroca, além das famosas erosões em lençol. Tais processos erosivos, originados, particularmente devido à circulação da água em superfície proporcionaram o carreamento de materiais de origem natural e antrópicas para o leito do Ribeirão e suas áreas de extravasamento. Os materiais de origem antrópica contribuíram para a formação de depósitos tecnogênicos localizados ao longo do Ribeirão, particularmente em seu médio curso. Essa pesquisa analisou dois desses depósitos tecnogênicos, um localizado no Córrego Bom Retiro (afluente) e outro no próprio Ribeirão Quati. Por último, os resultados obtidos permitiram comprovar a grande influência antrópica em todos os fragmentos das amostras, o que demonstra a necessidade de investir em planejamento, fiscalização e recuperação da vegetação de fundo de vale.
Agradecimentos
Referências
ARCHELA, R. S. et al. Implantação de Londrina. In: Atlas ambiental da Cidade de Londrina. Londrina, 2008. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/atlasambiental/EXPANSAO/INPLANTACAO.htm> Acesso em 08 de out. de 2012.
BARROS, et al. Curso e (per)curso das águas. 2008. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/atlasambiental/NATURAL/CURSODASAGUAS.htm.>Acesso em: 15 de jan. de 2016.
CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geomorfologia Fluvial: o canal fluvial. Editora Edgard Blucher LTDA. Vol 1. São Paulo, 1981.
CUNHA, F. Crescimento urbano e poluição hídrica na Zona Norte de Londrina – PR. Presidente Prudente, 1996. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de São Paulo. Presidente Prudente, 1996.
ITCG, Instituto de Terras Cartografia e Geociências. Cartas Geomorfológicas, SF22-Y-D (4.6 Folha–Londrina nota explicativa). 2016. Disponível em<
http://www.itcg.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=55> Acesso em: 05 de jan. de 2016.
KORB, C.C. Identificação de depósitos tecnogênicos na barragem Santa Barbara, Pelotas- RS. 2006. 164 f. Dissertação (Mestrado em Geografia)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
MENDONÇA, Luciana Baza, BARROS, Miriam Vizintim Fernandes. Mapeamento da vegetação de fundo de vale da cidade de Londrina – PR, a partir de imagens ETM Landsat 7. Geografia, Londrina,v. 11 nº 1. 2002. p. 63-76. Disponível em: < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/view/7644>. Acesso em 19 jan. 2016.
PELOGGIA, Alex. O homem e o ambiente geológico: geologia, sociedade e ocupação urbana no Município de São Paulo: Xamã, 1988. 271 p.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE LONDRINA. IPPUL. Mapas temáticos: zoneamento de Londrina, 2011. Disponível em: www.londrina.pr.gov.br.