Autores
Fernandes, B.J. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Costa, R.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Zaidan, R.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)
Resumo
Nas últimas décadas ocorreu em Juiz de Fora um forte processo de crescimento urbano, que em grande parte, aconteceu de forma caótica. Desta forma, o objetivo central deste estudo foi analisar o crescimento urbano da Bacia Hidrográfica do Córrego Tapera (BHCT) entre os anos de 1968 e 2007 a partir da legislação para o uso e ocupação do solo. Para a execução deste estudo foram utilizados os mapas de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal dos anos de 1968 e de 2007, elaborados a partir dos levantamentos aerofotogramétricos cedidos pela Prefeitura de Juiz de Fora, o Modelo Digital de Elevação com base no modelo LiDAR e a legislação de uso e ocupação do solo. Como resultado foi encontrado a evolução do crescimento urbano da BHCT, entre 1968 e 2007, principalmente em direção as encostas das porções norte e sudeste, que em sua maior parte são áreas que apresentam incongruência de uso devido o conflito entre a declividade e a não conformidade com a legislação vigente.
Palavras chaves
declividade; crescimento urbano; legislação para o uso do solo
Introdução
Historicamente, a relação do homem com as condições do meio ambiente tem sido uma relação de conflito e harmonia. Durante muitos séculos tais condições se mantiveram em limites aceitáveis sem causar impacto ambiental significativo. Sabe-se, entretanto, que décadas de ações nocivas ao meio ambiente mascaradas pelo tão aclamado desenvolvimento e progresso (pós- revolução industrial), nos remete ao atual panorama, que bem pode ser chamado de catastrófico (GUERRA E CUNHA, 1998). Neste contexto, o quadro de exclusão territorial e degradação ambiental de nossas cidades, além de submeter à maioria da população a uma inserção precária e vulnerável, geram graves situações de risco de morte por ocasião dos períodos chuvosos mais intensos, atingindo principalmente os habitantes das favelas e loteamentos inadequados instalados nas encostas de morros urbanos e em baixadas junto às margens de cursos d’água (IPT, 2006). Desta forma, o uso indiscriminado do solo urbano, que não leva em conta os limites e riscos impostos pela natureza, tem sido responsável pelo surgimento de vários processos de movimentos de massa que, além de causarem prejuízos econômicos, têm comprometido a qualidade da vida da população e levado à perda de vidas humanas em várias partes do mundo (FERNANDES et al, 2001). No município de Juiz de Fora, localizado na Zona da Mata Mineira, inserido no contexto dos “mares de morros”, estas problemáticas estão presentes sendo responsável pela significativa frequência de ocorrência com enormes danos associados, tanto em termos econômicos quanto em perda de vidas. Porém, são áreas com possibilidade de entendimento a partir da análise da legislação de uso e ocupação do solo interrelacionado com o crescimento urbano da mesma. A área escolhida para este estudo refere-se à Bacia Hidrográfica do Córrego Tapera (BHCT), por se tratar de uma área com importância considerável nos processos de vertente (Erosão e Movimentos de Massa) dentro do município. A BHCT está situada na região nordeste da área urbana do município de Juiz de Fora, na bacia do médio Paraibuna, que, por sua vez, pertence à bacia do rio Paraíba do Sul. Está localizada entre as coordenadas 21° 49’ 43’’ S e 21º 52’ 39’’ S, 43º 29’ 41’’ W e 43°34’ 40’’ W e possui uma área de 5 km², comportando uma população aproximada de 25 mil habitantes. Situada na região da Mantiqueira Setentrional, em específico na área das Serranias da Zona da Mata Mineira, a BHCT faz parte do mosaico que compõe o domínio de “mares de morros” (PJF, 2004). Com relação ao histórico de ocupação, os bairros Eldorado e Santa Terezinha (áreas de planície do córrego do Tapera) apresentam uma ocupação mais antiga, ao passo que na vertente do Bairro Vale dos Bandeirantes, o processo é mais recente e ocorre expandindo-se em direção as encostas mais próximas, onde as declividades são mais acentuadas (PJF, 2004). Desta forma, o objetivo central deste estudo foi analisar o crescimento urbano da Bacia Hidrográfica do Córrego Tapera (BHCT) entre os anos de 1968 e 2007 a partir da legislação para o uso e ocupação do solo.
Material e métodos
Nesta etapa do trabalho estão descritos, em conjunto, os materiais e os métodos utilizados para a obtenção dos resultados, ou seja, cada item a seguir visa: Discutir as teorias (legislação e de parcelamento e uso do solo); apresentar os materiais (Cartas de Uso e Ocupação da Terra e Declividade) e as técnicas utilizadas (aplicação do Geoprocessamento para o tratamento dos dados). A Legislação para uso e ocupação do solo: Para que fosse compreendido se o uso e ocupação do solo na Bacia Hidrográfica do Córrego Tapera cumpria ou não às exigências da legislação federal e municipal, recorreu-se à Lei federal nº 6766 (BRASIL, 1979), e em âmbito local a lei municipal nº 6908 (JUIZ DE FORA, 1986). Em geral, possuem vários pontos semelhantes, isso porque a Lei municipal foi baseada na lei federal, porém o município possui algumas especificidades. Portanto, a Lei nº 6766 (BRASIL, op cit., Cap I, art. 3º, parágrafo único) coloca os seguintes itens de restrição ao parcelamento: “Não será permitido o parcelamento do solo: I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados; III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção”. A Lei municipal nº 6908 (JUIZ DE FORA, op. cit., Cap. II, Sec I, art. 6º) acrescenta ainda os seguintes itens: “Nenhuma modalidade de parcelamento do solo será permitida em: VI - áreas contendo matas ou florestas, sem prévia manifestação favorável das autoridades competentes; VII - áreas com reservas naturais que o Poder Público tenha interesse em sua defesa e proteção; VIII - área de beleza natural paisagística de interesse público”. Elaboração das Cartas de Uso e Ocupação da Terra: Para a elaboração das cartas de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal foram feitas classificações manuais do mosaico de imagens aerofotogramétricas referentes ao retângulo envolvente da BHCT a partir dos levantamentos aerofogramétricos dos anos de 1968 e 2007 cedidos pela prefeitura de Juiz de Fora. O mosaico das imagens encontra-se entre as coordenadas 668992/670603E e 7595805/7597441N, georreferenciado em SIRGAS 2000/23S. O processo de vetorização das classes foi feito manualmente – através da ferramenta “edição de polígonos” do software de geoprocessamento ArcGIS, tal procedimento foi utilizado devido a possível ocorrência de erros e problemas na geração das classes do mapa, caso fosse feito de forma automatizada. Diante da utilização do mosaico de imagens, foram definidas as seguintes classes de uso e ocupação da terra: áreas edificadas; área de cultivo; gramíneas; vegetação mista (capoeira); floresta estacional semidecidual (vegetação Arbórea), além de solo exposto e cursos d’água. Elaboração da Carta de Declividade: A carta de declividade foi gerada a partir da ferramenta do ArcGIS “Spatial Analyst/Superfície/Declividade”, utilizando-se o modelo topográfico de perfilhamento à Laser - o Light Detection and Ranging (LiDAR) no intervalo de coordenadas 668992/670603E e 7595805/7597441N sistema UTM (Universal Transverso de Mercator), referenciado no Sistema SIRGAS 2000 e interpolado com resolução espacial de 1m x 1m – cedido pela defesa civil/ PJF e gerado pela empresa ESTEIO no ano de 2007. As classes foram definidas em intervalos manuais após a criação do modelo de declividade, foram utilizados os seguintes intervalos:< 6%; 6 –15%; 15 - 30%; 30 - 45%; 45 – 100%.
Resultado e discussão
Os resultados obtidos a partir da análise do crescimento urbano mostraram
que no período entre 1968 e 2007, a área edificada da BHCT aumentou de 878,5
m² (17,57%) da área total da bacia hidrográfica para aproximadamente 2367 m²
(47,34%), isso significa um aumento percentual de aproximadamente 270% em
relação ao período anterior. Cabe destacar que a área edificada em 1968 é
caracterizada por uma ocupação bastante concentrada na sua porção centro-
sul, principalmente nas áreas de planície que correspondem ao bairro de
Santa Terezinha, já no ano de 2007 observa-se um crescimento expressivo em
direção à porção centro-norte da bacia, seguindo as margens do córrego
Tapera e nas encostas da referida bacia, com destaque para os bairros do
Vale dos Bandeirantes, Vivendas da Serra, Bom Clima e Quintas da Avenida
(figuras 1 e 2).
Figura 1 - Mapa de uso e ocupação da Terra da Bacia Hidrográfica do Córrego
Tapera (1968).
Figura 2 – Mapa de uso e ocupação da Terra da Bacia Hidrográfica do Córrego
(2007).
Segundo Geertsema e Pojar (2014), o uso e ocupação da terra foi utilizado
recentemente como fator predisponente em estudos de avaliação da
susceptibilidade e é considerado um fator importante de instabilidade em
áreas propensas aos escorregamentos, principalmente em áreas que evidenciam
a presença de atividade humana, como os cortes nas encostas e supressão da
vegetação arbórea em detrimento da vegetação rasteira. Este panorama vem
ocorrendo na bacia hidrográfica do córrego Tapera como podemos verificar nas
figuras a seguir.
Outro ponto de destaque foi à diminuição expressiva das áreas de solo
exposto, gramíneas e áreas de cultivo que deram lugar as áreas edificadas.
No caso do solo exposto que em 1968 correspondia a 9,10% e estava associado
a exaustão do solo devido a prática do cultivo de café na área, já em 2007
verificou-se apenas 0,12% que já estão relacionados a especulação
imobiliária, assim como as áreas de gramíneas que em 1968 correspondiam a
51,75% e em 2007 diminuíram para 33,18%.
Por outro lado, os percentuais de Floresta Estacional Semidecidual e
Floresta Mista (Capoeira) aumentaram entre os anos de 1968 e 2007, a
explicação para tal panorama reside no fato da proximidade e extravasamento
da Área de Preservação Permanente da Mata do Krambeck, atualmente vinculada
a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Correlacionando o crescimento urbano da BCHT e a legislação e uso e ocupação
do solo percebe-se que na área onde está situada a BHCT, apenas o item IV –
que se refere ao parcelamento do solo em áreas com declividade acima de 30%,
está em discordância da lei vigente (BRASIL, 1979; JUIZ DE FORA, 1986).
Portanto, em virtude desses aspectos, foram feitos os mapeamentos de uso e
ocupação do solo, a fim de identificar a evolução da ocupação da área urbana
em áreas com declividade acima de 30%.
Os resultados obtidos encontram-se nas figuras 3 e 4 a seguir; os mapas de
uso e ocupação da terra foram combinados com os dados de declividade nas
áreas urbanizadas, isso foi feito com o objetivo de se visualizar melhor a
expansão das áreas urbanas e identificar as áreas que estão respeitando (ou
não) as legislações apresentadas anteriormente.
Figura 3 - Imagem com as classificações de uso e ocupação da terra para o
ano de 1968. Para melhor visualização foram sobrepostas, ao mapa, as classes
de declividade de uso e ocupação permitidas pela legislação (cinza claro) e
aquelas proibidas pela mesma (preto).
Figura 4 - Imagem com as classificações de uso e ocupação da terra para o
ano de 2007. Para melhor visualização foram sobrepostas, ao mapa, as classes
de declividade de uso e ocupação permitidas pela legislação (cinza claro) e
aquelas proibidas pela mesma (preto).
Portanto, os mapeamentos feitos mostram que no período de 1968 a 2007, a
área edificada (urbanizada) da BHCT aumentou de 0,8 km² para aproximadamente
2,36 km², isso significa um aumento percentual de 270% em relação ao período
anterior.
No que rege as classes abarcadas pela legislação (BRASIL, op. cit.; JUIZ DE
FORA, op. cit.), o intervalo que abrange as áreas com declividade de 0 – 30%
(passíveis de ocupação) houve um aumento de área edificada de quase 33% (de
0,65 km² em 1968, para 1,90 km² em 2007), mesmo panorama ocorreu quando foi
comparada às classes com declividade superior à 30% (não passíveis de
ocupação), o crescimento chegou a aproximadamente 33% de aumento de áreas
construídas (0,15 km² em 1968, para 0,46km² em 2007) de aumento nas áreas
ocupadas.
Como pode-se verificar nos mapas mostrados anteriormente, o crescimento da
área edificada se direcionou, em grande parte, para as áreas de relevos mais
acentuados (morros e morrotes), o que põe em risco a vida das pessoas que
moram nessas áreas, pois a ocorrência de escorregamentos é concentrada
nesses locais, podendo provocar perdas econômicas e de vidas.
As áreas com declividade inferior à 30% se deram em maior parte na planície
aluvial do canal principal da BHCT e em algumas encostas menos declivosas,
ou seja, uma parte das ocupações dessa área são muito próximas ao leito do
canal do córrego.
Observando essas áreas a partir das concepções de Erhart (1966) e Tricart
(1977), é possível identificar que grande parte da população (mais de dois
terços da área urbanizada) está situada nos meios “estáveis”, ou seja, onde
o processo de pedogênese é maior do que o de morfogênese. E, por sua vez, os
meios “instáveis” e os “intergrades”, são referentes à aquelas áreas onde a
morfogênese suplanta a pedogênese.
O declive de 30% (aproximadamente 17º) é muito próximo daqueles em que
ocorrem os escorregamentos. Segundo IBGE (2009), estes processos ocorrem em
locais de litologia friável e/ou camadas superpostas ou justapostas de
diferentes graus de coesão, com espesso manto de intemperismo e situados em
relevo com declividades acima de 20°. Portanto, o ponto de inflexão da
encosta pode ser considerado o limite entre a morfogênese e pedogênese (meio
intergrades) no sistema bacia hidrográfica, que nesse caso pode ser
considerado o ângulo de atrito para a ocorrência de escorregamentos.
Nesse sentido, é possível compreender porque a legislação coloca o patamar
de 30% como o limite para ocupação e parcelamento do solo urbano. Isso
porque visa prevenir os desastres associados aos processos de encosta.
Porém, é notório como que no caso da BHCT, o processo de ocupação aumentou
mais em direção às áreas que não são favoráveis ao uso urbano.
Portanto, foi possível visualizar como que o processo acelerado da
urbanização se direcionou, em uma parcela significativa, as áreas não
favoráveis a ocupação na BHCT. As legislações (nacional e municipal) colocam
pontos importantes no que tangem a essa ocupação (limita o declive de
ocupação, dentre outros fatores destacados ao longo do texto), e é evidente
que os órgãos municipais tentam controlar e impedir que tais locais sejam
habitados, porém a ocupação se dá de uma maneira muito mais veloz, ou seja,
a produção do espaço urbano muda a dinâmica e o equilíbrio das planícies e
vertentes, potencializando e acelerando processos naturais que pode causar
prejuízos e danos às pessoas que ali estão inseridas.
Considerações Finais
Comparando-se os mapas de uso e ocupação da terra e cobertura vegetal de 1968 e 2007, o mapa de declividade e a legislação vigente observa-se que houve um aumento significativo da área urbanizada em direção as porções norte e sudeste da BHCT, áreas estas que coincidem, em grande parte, com declividades superiores a 30%, ou seja, não passíveis de ocupação segundo a legislação, o que pode colocar em risco a vida das pessoas que ocupam essas áreas, pois a ocorrência de eventos como os movimentos de massa são significativas nesses locais, podendo provocar perdas materiais e de vidas. Por fim, é notória a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a dinâmica e produção do espaço urbano, pois é evidente a atuação dos gestores municipais na tentativa de controlar e/ou impedir a expansão urbana para locais inadequados, porém a ocupação se dá de maneira muito mais acelerada, potencializando e acelerando processos naturais, porém negativos para a população. Cabe, desta forma, medidas eficazes a fim de que se possa orientar a ocupação de novas áreas que não representem ou minimizem o risco a população e uma possível readequação das áreas já ocupadas.
Agradecimentos
Referências
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