Autores

Cunha, A.B.C. (FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJ) ; Silva, A.L.C. (FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJ) ; Silvestre, C.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE) ; Lima, C.N. (FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJ) ; Rosa, K.S. (FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - UERJ)

Resumo

A caracterização física das praias de Botafogo e Flamengo foi realizada a partir de análise geomorfológica e granulométrica, com o objetivo de compreender o comportamento sazonal e a vulnerabilidade às ondas de tempestades no período de dois anos. Situadas na Baía de Guanabara essas praias estão condicionadas a um ambiente de micro-maré e de ondas de baixa energia. Notam-se variações expressivas nos perfis topográficos da praia do Flamengo, enquanto que a praia de Botafogo possui variações morfológicas discretas. Já a granulometria não apresentou mudanças significativas nas diferentes estações do ano. No ambiente praial de Botafogo os sedimentos são compostos basicamente por areia quartzosa fina e média com variações discretas no pós-praia e uma predominância acentuada de areia fina na frente de praia, ambas moderadamente selecionadas. Enquanto que, na praia do Flamengo predomina a areia média bastante homogênea ao longo de toda sua extensão.

Palavras chaves

Praias; vulnerabilidade; geomorfologia

Introdução

Este estudo tem como objetivo compreender a dinâmica morfológica e sedimentar das praias de Botafogo e Flamengo na Baía de Guanabara (Rio de Janeiro) a partir da aquisição de dados de topografia praial e análise granulométrica dos sedimentos, no decorrer de dois anos. As características geológicas e geomorfológicas da área de estudo, assim como, o processo de evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, são elementos essenciais para que se possa conhecer as características físicas das praias estudadas e o comportamento destas no contexto da Baía de Guanabara. Trata-se de praias localizadas em bairros com alto valor imobiliário, amplamente utilizadas para diversas atividades de lazer e, portanto, de grande importância para moradores, frequentadores e para o turismo. Apesar disso, essas praias apresentam problemas causados por poluição devido ao acúmulo de lixo na faixa de areia e lançamento de esgoto sem tratamento nas águas da baía. Durante a ocorrência de tempestades, a orla da cidade do Rio de Janeiro é eventualmente atingida por grandes ondas, que causam inundações e destruição de estruturas de engenharia localizadas próximo à praia. A terminologia e subdivisão de praia empregada neste estudo foi proposta por Friedman e Sanders (1978), que considera o ambiente praial como sendo um depósito formado por sedimentos não consolidados que variam em tamanho e composição ao longo de uma costa sujeita à ação das ondas. O alcance máximo das ondas de tempestade representa o limite interno (continental) da praia e a área mais externa da zona de arrebentação das ondas na maré baixa o limite externo (marinho). A praia pode ser subdivida em compartimentos fisiográficos e/ou subsistemas, como: (1) o pós-praia ou região de supramaré, corresponde ao trecho emerso da praia com baixo ângulo de inclinação e normalmente se encontra seca, exceto com atuação de ondas de ressaca que alcançam esta área; (2) a frente de praia ou zona de intermaré, que se refere à porção da praia constantemente sujeita a dinâmica das ondas e ao transporte de sedimentos, geralmente se apresenta mais íngreme, dependendo da relação com as características das ondas incidentes e a granulometria dos sedimentos; (3) a face de praia ou região de submaré corresponde a parte submersa da praia, onde está localizada a zona de surf e a arrebentação das ondas (FRIEDMAN & SANDERS, 1978; DAVIS & FITZGERALD, 2004; DAVIDSON-ARNOTT, ROBIN, 2010). Segundo Nordstrom (2005), as ondas provenientes do mar que entram em baías modificam discretamente a morfologia da praia. Desta forma, a energia das ondas é geralmente baixa exceto em marés altas, onde atingem a parte superior da praia. A realização deste estudo acerca da dinâmica morfológica e sedimentar das praias de Botafogo e Flamengo possibilitou analisar a variabilidade da topografia praial, as características dos sedimentos das mesmas e a susceptibilidade destas às ressacas. Procurou-se ainda identificar os principais problemas resultantes de intervenções antrópicas neste trecho da orla da cidade do Rio de Janeiro, densamente ocupada e modificada pela urbanização.

Material e métodos

A metodologia desta pesquisa contou com um total de 6 trabalhos de campo realizados sazonalmente nos anos de 2014 e 2015. Foram adquiridos 24 perfis topográficos e coletadas 24 amostras de sedimentos, sendo 12 do pós- praia e 12 na frente de praia. Os perfis topográficos de praia foram distribuídos em 4 pontos de monitoramento, sendo um no meio do arco praial de Botafogo e três ao longo da praia do Flamengo (meio do arco e extremidades), devido a sua extensão. Esse levantamento topográfico foi realizado entre o verão de 2014 e a primavera de 2015, com o intuito de caracterizar a morfologia e a resposta dessas praias aos processos costeiros atuantes. Para tal, utilizou-se o método das balizas proposto por Emery (1961), que se baseia no alinhamento de três balizas perpendiculares à linha d’água. As balizas possuem 1,5 m de altura e são graduadas em centímetros. A variação topográfica é medida a partir do nivelamento das balizas e a linha do horizonte. Desta forma, tem- se o registro morfológico da praia por ocasião do monitoramento. A sobreposição destes perfis permite a visualização das mudanças na morfologia da praia ao longo do tempo de monitoramento. Os perfis topográficos foram devidamente georreferenciados através da marcação de coordenadas no local de início de cada perfil. Para tal, utilizou-se um GPS da marca Garmin com o sistema de navegação WGS 84. Os dados de perfis topográficos de praia foram processados no programa Microsoft Excel e, posteriormente, no Grapher. A coleta de sedimentos foi realizada nos mesmos locais do levantamento topográfico e nas estações do verão, outono e inverno de 2014. Os sedimentos passaram por análise granulométrica para a caracterização sedimentar das praias estudadas, a partir das seguintes etapas: (1) lavagem para a eliminação do sal, três vezes por dia, durante três dias; (2) secagem em uma estufa com temperatura média de 50 ºC; (3) quarteamento da amostra, para fracionar os sedimentos de forma aleatória; (4) pesagem de aproximadamente 100 gramas do material resultante do quarteamento; (5) peneiramento, realizado em um conjunto de peneiras de abertura entre 4.00 e 0.062 milímetros. As peneiras são colocadas no vibrador de peneiras durante 15 minutos para a separação das frações. (6) Pesagem das frações, utilizando-se uma balança de precisão. Os resultados da análise granulométrica permitem a classificação dos sedimentos com base na classificação proposta por Wentworth (1922) apud Pettijohn (1975). Os dados da análise granulométrica foram processados no Microsoft Excel, que possibilitou a confecção dos histogramas utilizados para representar graficamente os dados granulométricos.

Resultado e discussão

As praias de Botafogo e Flamengo estão localizadas na porção oeste da entrada da Baía de Guanabara, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro (Figura 1A). Essas praias apresentam diferentes níveis de exposição á dinâmica de ondas e correntes. A praia de Botafogo está entre as praias mais antropizadas da cidade do Rio de Janeiro, seguida ao norte pela praia do Flamengo, no Aterro do Flamengo (Figura 1, B e D). É importante destacar que essas praias já existiam antes dos aterros realizados em diferentes momentos, mas eram praias menores em comprimento e largura (GERSON, s/d apud CAMINHA, 2013). Após sucessivos aterros e construções no decorrer do século XX, associados ao projeto de expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro, essas praias foram ampliadas e alcançaram a configuração atual (ANDREATTA, 2009). Silva et al. (1999), por meio de um estudo sobre a dinâmica das praias de Niterói, identificou que na entrada leste da Baía de Guanabara, esses ambientes possuem uma dinâmica relativamente baixa, em resposta a incidência de ondas variando entre 0,30 metros sob condições de tempo bom e 1,50 metros em momentos de ressacas. Este estudo possibilitou analisar a dinâmica das praias na entrada oeste da Baía de Guanabara na qual as praias de Botafogo e Flamengo possuem dinâmicas parecidas com as praias a leste da baía. A praia de Botafogo (Figura 1, A e B) possui aproximadamente 800 metros de extensão e orientação no sentido norte-sul, sendo limitada nos seus extremos pela Avenida das Nações Unidas. Caracteriza-se por ser uma praia urbana, com extensa faixa de areia, o que favorece a prática de esportes como futebol e vôlei e de outros esportes aquáticos, como a vela. Esta praia apresenta mar normalmente calmo com pequenas ondulações que incidem predominantemente de nordeste. Devido à baixa dinâmica, não foram feitas medições das condições de mar por ocasião dos monitoramentos. A baixa dinâmica da praia é determinada pela sua localização geográfica, pois a mesma encontra-se protegida na Enseada de Botafogo pelos morros Cara de Cão e Pão de Açúcar. A largura do perfil praial bastante antropizado apresentou variação discreta de 31,5 metros, sendo o mínimo de 91,5 metros na primavera de 2015 e o máximo de 123 metros no verão de 2014 (Figura 1C). Os dados de topografia mostram que a morfologia desta praia não apresentou variações significativas ao longo dos dois anos de monitoramento, corroborando com as observações visuais das condições de mar. A morfologia da praia de Botafogo pode ser caracterizada como estável, com pós-praia plano e frente de praia ligeiramente inclinada (8°). Os sedimentos da praia de Botafogo são compostos basicamente de areia quartzosa fina a média, moderadamente selecionada, com aumento da fração 0,125 milímetros na frente de praia, que varia entre 67-71% (Figura 2). Pequenas dunas com altura em torno de 1 metro marcam a porção norte desta praia, evidenciando a eficiência dos ventos em acumular sedimentos mais finos nessas áreas. Devido à poluição da Baía de Guanabara e em função do tráfego intenso de embarcações ancoradas na Enseada de Botafogo, esta praia geralmente apresenta-se imprópria para banho. A praia do Flamengo (Figura 1A e D) possui 1.660 metros de extensão, sendo a maior praia da borda oeste da Baía de Guanabara. Limita-se com a Avenida Infante Dom Henrique ao sul e em direção ao norte é limitada pela Marina da Glória. Esta praia foi parcialmente construída por meio de aterros sobre o mar na década de 1960, o que contribuiu com a diminuição do espelho d’água da Baía de Guanabara e o desaparecimento de diversos ecossistemas marinhos (SERRA & SERRA, 2012). A praia do Flamengo conta com uma boa infraestrutura de lazer: áreas para caminhada, deck, pista de skate, quiosques, postos de salvamento, jardins, restaurantes, etc. Apesar disso, essa praia, como a maioria das praias da Baía de Guanabara, apresenta problemas devido à presença de esgoto, acúmulo de lixo e falta de segurança. O monitoramento da praia do Flamengo aponta para um comportamento distinto ao longo do arco praial, com variações na morfologia e na largura em resposta a dinâmica de ondas na entrada da Baía de Guanabara. Essa praia (Figura 1A, D) apresenta uma morfologia típica, com presença de berma no pós-praia (próximo da horizontalidade) e uma frente de praia com inclinação acentuada (13-20°) delimitada por uma crista de berma (Figura 1E, F e G). O perfil praial apresentou-se mais largo no extremo sul (P-1), entre 60 e 66 metros, e diminuiu para norte (P-3), onde oscilou entre 36 e 57 metros. As maiores diferenças na largura e na morfologia foram registradas no meio do arco praial, que se mostrou mais dinâmico e vulnerável às ressacas em relação às demais áreas (Figura 1E, F e G). Os dados de perfis topográficos relacionado a estudos realizados por Silva (1999) evidenciaram a susceptibilidade das praias localizadas na entrada leste da Baía de Guanabara a eventos de ressacas. Os perfis 2 e 3, da praia do Flamengo mostraram mudanças na morfologia com estreitamento expressivo da praia devido a uma ressaca que entrou na baía no verão de 2014, reduzindo a largura da praia quase à metade, de 79 metros para 38 metros no meio do arco praial, enquanto que o setor sul (Figura 1, E) se manteve estável e permaneceu praticamente com a mesma largura. A praia do Flamengo é a mais dinâmica entre as praias abrigadas na borda oeste da Baía de Guanabara e apresenta um histórico de problemas relacionados às ressacas. Uma das mais antigas documentadas ocorreu em 24 de abril de 1906 e ficou conhecida como a Grande Ressaca, tendo sido responsável pela destruição de boa parte da orla da cidade do Rio de Janeiro, afetando com maior intensidade a praia do Flamengo (Exposição O Mar de Malta). Inúmeros eventos marcados pela ocorrência de fortes ressacas se sucederam nas décadas seguintes (1921, 1974, 1980, 1982, 1988, 1997, 1999), causando inúmeros problemas na orla da praia do Flamengo, e de outras praias da Baía de Guanabara, como em Niterói, conforme levantamento do histórico de ressacas no litoral fluminense realizado por Santos et al. (2004). Os sedimentos da praia do Flamengo são compostos basicamente por areia quartzosa média (51-71%), seguida de areia fina (11-45%), moderadamente selecionada (Figura 3).

Figura 1

Praias de Botafogo e Flamengo (A, B e D), na entrada da Baía de Guanabara. Perfis topográficos de praia (C, E, F, G). Imagem Google Earth de 2015 (A).

Figura 2

Histogramas contendo os resultados das análises granulométricas da praia de Botafogo.

Figura 3

Histogramas contendo os resultados das análises granulométricas da praia do Flamengo.

Considerações Finais

A localização geográfica das praias na Baía de Guanabara, em especial as praias de Botafogo e Flamengo, é o principal fator responsável pela dinâmica morfológica e sedimentar. As alterações feitas pelo homem, sobretudo a partir do século XX em função do crescimento da cidade do Rio de Janeiro e das diversas atividades a ela relacionadas (industriais, turísticas, etc.), são responsáveis pelas modificações e estado de conservação dessas praias. As praias de Botafogo e Flamengo respondem a dinâmica dos processos costeiros e é afetada pela poluição ambientais da Baía de Guanabara. A praia de Botafogo apresentou uma baixa dinâmica, com variações topográficas discretas, enquanto que a praia do Flamengo demonstrou uma maior dinâmica com a entrada significativa de ondas na baía, responsáveis pelas variações topográficas observadas. Portanto, a praia do Flamengo possui uma dinâmica mais elevada devido a sua maior exposição em relação à praia de Botafogo, que se encontra abrigada a sudeste pelo Morro Pão de Açúcar e Cara de Cão. O sedimento da praia de Botafogo é composto predominantemente por areia quartzosa fina e moderadamente selecionada, devido à baixa dinâmica deste trecho do litoral abrigado na margem oeste da Baía de Guanabara. A praia do Flamengo possui areias quartzosas com granulometria média a fina, apresentam em geral selecionamento moderado e está mais vulnerável a incidência de ondas vindas da entrada da Baía de Guanabara, com destaque para o meio do arco praial.

Agradecimentos

Agradecemos a todos os estudantes e colaboradores que participaram dos levantamentos de campo ao longo desses anos: Victor Fernandes Cunha, Clarissa Coelho da Cunha, Thais Santos da Silva, Raphael Viana Marinho Antonio, Ana Beatriz Pinheiro e Kennedy.

Referências

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www.oglobo.globo.com/rio/as-imagens-da-exposicao-mar-de-malta-16183676, acessado em 20 de maio de 2015.