MAPEAMENTO DOS AMBIENTES COSTEIROS DA APA DE MARICÁ (RJ) COMO SUBSÍDIO AO ENTENDIMENTO DOS PROCESSOS GEOMORFOLÓGICOS

Autores

Lima, C.N. (UERJ-FFP) ; Silva, A.L.C. (UERJ-FFP) ; Siqueira Neto, D. (UERJ-FFP) ; Silvestre, C.P. (UFF)

Resumo

Este trabalho objetiva caracterizar a ocorrência e distribuição dos ambientes costeiros da APA de Maricá no estado do Rio de Janeiro, através de representação cartográfica, como subsídio ao conhecimento da geomorfologia e dos processos costeiros atuantes na dinâmica e evolução deste litoral. Estudos dessa natureza são possíveis graças à preservação dos ecossistemas desta Unidade de Conservação. Foram identificados e mapeados na área de estudo os seguintes ambientes costeiros (do mar para o continente): uma barreira arenosa formada no Holoceno (com 1,4095km2 de área), planície lagunar entre as barreiras (0,5545km2), barreira pleistocênica (2,7244km2) e a margem lagunar próxima a Lagoa de Maricá, que apresenta áreas de brejo (0,9976 km2) e de cristas lagunares (0, 9261 km2). Nessa área, a presença de brejos intercalados por acumulações de areias contornando a atual Lagoa de Maricá sugerem flutuações do nível desta no Quaternário.

Palavras chaves

Geomorfologia costeira; APA de Maricá; Mapeamento

Introdução

Este estudo tem como objetivo propor a caracterização dos ambientes costeiros presentes na Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá (RJ), apresentando a ocorrência e distribuição destes através de representações cartográficas, voltada para o entendimento dos processos geomorfológicos responsáveis pela evolução deste litoral. A área de estudo está localizada na parte central da planície costeira do município de Maricá no estado do Rio de Janeiro. Localizada a cerca de 20 km a Leste da entrada da Baía de Guanabara e com uma extensão de aproximadamente 8 km, a área de estudo é limitada ao norte pela Lagoa de Maricá e pelo canal de São Bento; à oeste pelo Pontal de Itaipuaçu; à leste pelas Lagoas da Barra, do Padre e de Guarapina; e ao Sul pelo oceano Atlântico. Apesar do rápido crescimento urbano nas últimas décadas e dos inúmeros problemas existentes (lixo, queimadas, extração de areias, caça, tráfego de veículos sobre as dunas e vegetação de restinga, etc.), a APA de Maricá ainda permanece preservada, tornando possível a realização de diversos estudos científicos (SILVA et al., 2014b). Esta área foi transformada em uma Unidade de Conservação pelo Decreto Estadual nº 7.230, de 23 de abril de 1984, com 970 hectares, abrangendo o sistema lagunar do município de Maricá, parte da Restinga de Maricá e a totalidade da Ilha do Cardoso. Sendo o seu Plano de Manejo decretado somente em 2007. Essa APA possui uma biodiversidade com cerca de 408 espécies de flora e fauna, algumas endêmicas e ameaçadas de extinção e sítios arqueológicos (LOUREIRO et al., 2010). O litoral de Maricá apresenta uma dinâmica intensa devido à exposição direta à alta energia das ondas, que podem ultrapassar 3 metros de altura na arrebentação durante as tempestades (SILVA et al., 2008a). As ondas incidem principalmente do quadrante SE associada às condições de tempo bom e de S e SW, durante a ocorrência de tempestades causadas pela passagem ocasional de frentes frias (MUEHE, 1979; SILVA et al., 2008a). As variações diárias no nível do mar em resposta às oscilações de maré não ultrapassam 1,5 metro (DHN, 1979). Os sedimentos que chegam a este litoral são provenientes principalmente da plataforma continental interna (OLIVEIRA & MUEHE, 2013). A contribuição fluvial na área em questão é discreta e localizada. Na planície costeira de Maricá os sedimentos são constituídos, predominantemente, por areia quartzosa grossa e média (MUEHE, 1979; SILVA et al., 2014b). Este mesmo trecho de litoral vem apresentando problemas, como a destruição de casas, postes, muros e a avenida litorânea. Tais problemas são o resultado do comportamento retrogradante deste litoral na ordem de 13 a 15 metros em três décadas (LINS-DE-BARROS, 2005; SILVA et al., 2008b). A praia atualmente se encontra posicionada em locais anteriormente ocupados pela vegetação de restinga. A planície costeira de Maricá possui uma geomorfologia caracterizada pela presença de duas barreiras arenosas separadas por pequenas lagunas colmatadas e pelas Lagoas de Maricá, Barra, Padre e Guarapina. A barreira arenosa interna (Figura 1A) e, consequentemente, mais antiga, foi formada no Pleistoceno (SILVA et al., 2014a). Esta barreira está localizada a cerca de 300 metros da primeira e possui 7 a 9 metros de altura em relação ao nível médio do mar (SILVA et al., 2014b). A barreira arenosa externa localizada mais próxima do mar (Figura 1A) possui uma altura de cerca de 7 metros em relação ao nível médio do mar (SILVA et al., 2014b). Essa barreira formou-se durante a última transgressão marinha ocorrida no Holoceno, possibilitando a formação de pequenas lagoas à sua retaguarda (IRELAND, 1987; PEREIRA et al., 2003; SILVA et al., 2014a).

Material e métodos

A metodologia empregada na realização deste estudo consistiu de três etapas: (1) pesquisa bibliográfica sobre a geomorfologia e dinâmica da planície costeira de Maricá; (2) representação cartográfica dos ambientes costeiros que compõem a APA de Maricá por meio de mapeamento digital; e (3) realização de diversos trabalhos de campo para complementar o trabalho de gabinete. O mapeamento dos ambientes presentes na porção central da planície costeira de Maricá foi realizado com base na classificação geomorfológica apresentada por Coe Neto et al. (1986) e Silva et al. (2014b). Para o mapeamento, foi empregada uma imagem do satélite IKONOS do ano de 2008. Essa imagem foi inicialmente georreferenciada pelo método de correlação de pontos com ortofotos de Maricá, disponibilizadas pelo IBGE, através do qual foram localizados nas imagens um total de 4 pontos semelhantes e associados as coordenadas da ortofoto para a imagem do IKONOS. Em seguida, iniciou-se o processo de vetorização manual a partir do software ArcGIS, que consiste em um sistema de informações geográficas (SIG), usado para a representação dos diversos elementos e fenômenos presentes numa determinada área. Esta ferramenta permite reunir um extenso conteúdo de dados convencionais de expressão espacial de forma integrada, tornando-os ferramentas essenciais para a manipulação das informações geográficas. Por meio da vetorização, foram criados shapefiles para cada um dos ambientes costeiros presentes na área de estudo, com base na caracterização geomorfológica e sedimentar proposta por Silva et al. (2014b), para posterior interpretação e análise dos dados. Para a criação dos shapesfiles foram utilizadas as ferramentas para vetorização de polígonos de forma manual, ou seja, criou-se uma sequência de pontos de acordo com a identificação dos ambientes e, por fim, ligou-se o último ponto ao primeiro, gerando os polígonos. Posteriormente, realizou-se o cálculo das áreas (km²) de cada ambiente identificado. Foi confeccionado um mapa temático contendo os ambientes costeiros da APA de Maricá e uma tabela com as áreas correspondentes a cada um.

Resultado e discussão

A representação cartográfica dos ambientes costeiros na APA de Maricá (Figura 1C) possibilitou o conhecimento da área de ocorrência de cada unidade deposicional e a análise da relação entre essas unidades e os principais processos geomorfológicos envolvidos na formação destas. Posteriormente, foram identificados e mapeados os seguintes ambientes costeiros na área de Restinga na APA de Maricá (Figura 1C), desde o mar (limite sul da área de estudo) até a Lagoa de Maricá (limite norte): (1) uma barreira arenosa de idade holocênica; (2) planície lagunar, na depressão entre as barreiras, (3) barreira pleistocênica; (4) e a margem lagunar próxima a Lagoa de Maricá, que apresenta áreas de brejos e de cristas lagunares. A barreira arenosa holocênica (Figura 1B e C) inclui a praia (na porção frontal) e as dunas (concentradas à retaguarda desta). Este ambiente costeiro possui uma altura média em torno de 5 a 12 metros em relação ao nível do mar na APA de Maricá, onde ocupa uma área de aproximadamente 2,1061 km2, incluindo a área da praia (Figura 1B e C). Exibe uma largura em torno de 220 metros, deste a linha d’água até a área de contato com a planície lagunar holocênica, apresenta um relevo bastante aplainado em função das modificações na morfologia para a construção da estrada de barro, conforme destaca Silva et al. (2014b). Uma escarpa de tempestade marca o limite interno da praia e o alcance máximo das ondas de tempestades formadas durante as ressacas. Silva et al. (2014b) chama atenção ainda para a existência de depósitos de leques de arrombamento que aparecem concentrados na porção leste da área de estudo e evidenciam mecanismos de transposição da barreira por grandes ondas de tempestades (overwash). Esses depósitos são encontrados também no extremo oeste do litoral de Maricá, em Itaipuaçu (SILVA et al., 2008b). As dunas na APA de Maricá apresentam uma geomorfologia bastante variada em altura e extensão, chegando a atingir até 12 metros em relação ao nível médio do mar local, principalmente no setor leste da área de estudo (SILVA et al., 2012). Essas áreas com dunas apresentam problemas devido o tráfego de veículos que modificam sua geomorfologia e degradam os ecossistemas costeiros associados. A mineração ilegal de areia é outro problema antigo na região e que pode ser observado pela presença de depressões na topografia da barreira holocênica (MUEHE, 1984; SILVA et al., 2014b), o que tende a tornar este trecho do litoral mais vulnerável as grandes ondas de tempestades, colocando em risco a estabilidade deste litoral. A praia na APA de Maricá, conforme Silva et al. (2014b), é dinâmica e exibe uma morfologia com bermas no pós-praia e eventuais canais paralelos à linha d’água; frente de praia íngreme, comumente seccionada por canais paralelos à praia, que surgem a partir do rompimento de canais que se formam paralelos ao pós-praia. A planície lagunar (Figura 1B e C) é representada por uma depressão entre as barreiras e constitui-se num conjunto de lagoas colmatadas que juntas ocupam uma área de 0,5545 km² e se estendem paralelamente ao litoral, medindo cerca de 150 metros de largura. Conforme Silva et al. (2014b) nessa área o lençol freático é raso e se encontra a aproximadamente 1 metro de profundidade, aflorando nas áreas mais baixas na forma de pequenos brejos. Essa planície lagunar apresenta um estreitamento em direção a leste, até desaparecer devido ao encontro das duas barreiras, o que pode ser facilmente observado pela diferença da cor entre a areia branca da barreira pleistocênica e a de cor amarelo claro constitui a barreira holocênica. Esse comportamento é apontado por Silva (2011) e Silva et al. (2014a) como sendo indicativo do processo de retrogradação da barreira holocênica em resposta a um evento transgressivo. Essa diferença na largura da planície lagunar e a distância entre as barreiras pode indicar que a migração da barreira mais jovem tenha sido maior na porção leste desse litoral. A barreira arenosa pleistocênica (Figura 1B e C) está localizada cerca de 250-350 metros da linha d’água e ocupa uma área de 2,7244 km2. A altura da barreira, conforme Silva et al. (2014b), está entre 5,4 e 7 metros em relação ao nível médio do mar. Essa barreira é mais estreita no setor leste, onde mede cerca de 200 metros; e mais larga na porção oeste, onde chega a medir 450 metros, praticamente o dobro da largura média observada na barreira externa no setor leste (Figura 1B e C). A barreira Pleistocênica apresenta uma morfologia mais suave quando comparada com a barreira holocênica, em decorrência do maior tempo de exposição e desgaste em relação aos processos de erosão subaérea. Este ambiente está coberto em grande parte pela vegetação de restinga e apresenta diversas comunidades de plantas típicas deste ambiente, como cactos, bromélias, espécies diversas de gramíneas e arbustos de baixo porte (SANTOS et al., 2015a). Entre a barreira pleistocênica e a Lagoa de Maricá, nota-se a presença da margem lagunar (Figura 1B, C, D e E), que corresponde a uma área de 1,9237 km2 e apresenta trechos topograficamente mais baixos com brejos (0,9976 km2); intercalados por áreas topograficamente mais altas e predominantemente arenosas (0,9261km2),aqui interpretadas como cristas lagunares (Figura 1D e E), como proposto anteriormente por Coe Neto et al. (1986). Essas cristas (Figura 1D e E) aparecem preservadas na Restinga de Maricá, contornando a Lagoa de Maricá e podem estar relacionadas a flutuações no nível da lagoa durante o Quaternário, possivelmente em resposta às variações do nível do mar. Possuem uma altura de cerca de 1 metro em relação ao nível médio da planície lagunar. No entanto, a relação destas cristas com as oscilações do nível da lagoa de Maricá e com os processos envolvidos necessita de um maior aprofundamento por meio de novos estudos. Em direção ao interior da planície costeira não é possível encontrar tais estruturas devido ao processo de urbanização que alterou drasticamente a paisagem costeira.

Figura 1: (A, B) Área de estudo. (C, D e E) Ambientes costeiros da APA de Maricá. Foto B: Adriano Melo, s/d (INEA).


Figura 2: (A) Barreira holocênica, planície lagunar (B) e barreira pleistocênica, (C) margem lagunar. Fotos: André Silva (2008, A e B; 2013, C).

Considerações Finais

O mapeamento dos ambientes costeiros na Restinga da APA de Maricá possibilitou a representação cartográfica e o entendimento da relação entre estes e dos processos costeiros relacionados com a dinâmica e evolução destes ao longo do Quaternário. O mapeamento da área de estudo permitiu individualizar quatro compartimentos morfológicos distintos: (1) a barreira arenosa de idade holocênica; (2) planície lagunar estreita, formada também no Holoceno; (3) barreira arenosa pleistocênica; e (4) a margem da Lagoa de Maricá formada por áreas de brejo e crista que evidenciam momentos de flutuação no nível d’água da mesma. Estudos dessa natureza podem auxiliar outros estudos voltados para o entendimento dos processos geomorfológicos e representa um importante instrumento para a proteção deste litoral frente aos problemas existentes. Essa caracterização contribui, portanto, para a melhor compreensão acerca dos diversos agentes modificadores dos ecossistemas litorâneos e, consequentemente, para a implementação de medidas de gerenciamento costeiro que contemplem a preservação e o desenvolvimento responsável deste litoral.

Agradecimentos

Referências

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