Autores

Macedo, H.S. (UFS) ; Araújo, H.M. (UFS) ; Lima, L.P. (UFS) ; Santos, A. (UFS) ; Campos, I.M. (UFS) ; Cruz, R. (UFS)

Resumo

O presente artigo tem como objetivo geral, apresentar uma proposta de compartimentação integrada da paisagem na bacia costeira Caueira/Abaís, utilizando, para isso, o modelo geossistêmico, de acordo com a proposta de Bertrand. Para tal compartimentação, optou-se em utilizar o relevo como critério, por se tratar de um elemento de fácil identificação na paisagem. Assim, a relação estabelecida entre os condicionantes físico-ambientais da área, associada às ações de uso e ocupação da terra permitiu, estabelecer uma classificação hierárquica com adaptações e ajustes à escala local, sendo entretanto identificados dois geossistemas: o Geossistema Planície Costeira e o Geossistema Tabuleiro Costeiro, além das geofáceis correspondentes, ocupando dimensões espaciais menores.

Palavras chaves

Geossistemas; Geomorfologia Costeira; Bacia Costeira

Introdução

A sociedade, no decorrer do seu processo de evolução desenvolve uma relação com o relevo pautada no uso e na intervenção deste, e de maneira a extrair recursos ou serviços que tais formas poderiam oferecer (SOUZA, 2013). Esta forma de relação, segundo Schutzer (2012), tem variado de acordo com o nível técnico que cada sociedade conseguiu atingir e também de seus sistemas produtivos no decorrer do tempo. Na incidência do sistema capitalista, essa relação acelerou-se devido à essência que é inerente ao sistema do capital, ou seja, pautada na geração de uma acumulação progressiva e permanente, lastreada pela relação contraditória e dialética que se estabeleceu entre capital e trabalho. Assim, têm-se os tempos e os espaços acelerados, voltados ao atendimento de demandas surgidas ou sugeridas pela lógica do capital. Em todo este contexto de apropriação das bases naturais, as formas do relevo se inserem como um importante recurso que sofrem de maneira mais direta com as determinações que a sociedade capitalista confere. De longe, o relevo é utilizado para abrigo, moradia, locomoção em uma dinâmica de uso de objetos e recursos naturais que provocam ao final, alterações nos processos que são responsáveis pela elaboração e reprodução desses objetos. Na concepção de Ross (2006) as formas de relevo podem ser facilitadoras ou dificultadoras da ocupação humana em uma determinada porção de território e de seus respectivos arranjos espaciais. Do mesmo modo, o traçado de rodovias e ferrovias; o estabelecimento de empreendimentos imobiliários ou industriais e, até mesmo a definição de atividades agrícolas passam diretamente pelo uso e a consequente intervenção nos modelados do relevo para atender a um determinado fim e até na elaboração de propostas conservacionistas para bens de interesse ambiental. Neste sentido, considerando a compreensão do exposto, para a definição das unidades Geossistêmicas da bacia costeira Caueira/ Abais, optou-se em utilizar o critério geomorfológico, já que o relevo permite sua fácil identificação na paisagem e, como objeto de estudo, a descrição das formas e dos processos associados à sua evolução possibilita a elaboração de metodologias específicas para análise ambiental. Portanto, neste artigo, será apresentada a proposta de compartimentação geossistêmica da paisagem, considerando o relacionamento entre os condicionantes físico-ambientais e as ações de uso e ocupação da terra. Para isso, estabeleceu-se aqui a classificação hierárquica apresentada por Bertrand (1972) com adaptações e ajustes à escala local, sendo, entretanto, identificados os geossistemas Planície Costeira e Tabuleiro Costeiro e as geofáceis associadas, a saber: Planície Fluviomarinha, Terraço Fluviolagunar, Terraços Marinhos, Dunas Litorâneas e Continentais e os Cordões Litorâneos (Figura 01).

Material e métodos

O presente trabalho baseia-se na concepção Geossistêmica da Paisagem, proposta inicialmente por Sotchava (1978), que define Geossistemas como formações naturais que obedecem à dinâmica dos fluxos de matéria e energia, inerentes aos sistemas abertos que, em decorrência da ação antrópica podem sofrer alterações na sua funcionalidade, estrutura e organização. Optou-se por considerar o relevo como o fator determinante na identificação dos geossistemas e geofácies da bacia, seguindo a sugestão de Bertrand (1972). Para subsidiar a proposta de compartimentação da paisagem, utilizando o método geossistêmico, se fez o levantamento de dados secundários, tais como, a compartimentação litoestrutural, a constituição litológica, o direcionamento das lineações estruturais, a classificação dos solos, as condições hídricas e térmicas, baseada na análise dos parâmetros climáticos, a identificação do potencial hídrico de superfície, a classificação da vegetação de acordo com o sistema proposto pelo Manual Técnico da Vegetação Brasileira do IBGE (2012), e a análise do uso e ocupação do solo. No que pese ao levantamento cartográfico, mapas e cartas topográficas foram consultados. A carta base que viabilizou a elaboração dos produtos cartográficos foi extraído do Atlas Digital sobre Recursos Hídricos de Sergipe, publicado em 2012/2013, a qual sofreu algumas atualizações e acréscimos de vários elementos importantes espacializados ao longo da pesquisa. A área de estudo abrange a carta topográfica estância, Folha SC.24-Z-D-I, na escala de 1:100.000, com equidistância das curvas de nível de 40 metros, produzidas pela SUDENE em 1974. Foram necessários a construção de cartas de declividade e de altimetria, obtidos através da manipulação de curvas de nível com cotas de 10 metros. Ainda no que se refere à cartografia, cartas e mapas temáticos da CPRM, IBGE, INPE que trata dos temas Geologia, Geomorfologia, Cobertura vegetal, Recursos Hídricos superficiais e condicionantes climáticos, em várias escalas, foram utilizados para obtenção de informações indispensáveis à análise da realidade local, bem como as imagens de satélites obtidas pelos sensores LANDSAT 6 e 7, SPOT, CBERS 2B, IKONOS, e as fotografias áreas (voo de 2003), na escala de 1: 25.000. Para a organização dos dados, utilizaram-se os softwares TerraView (INPE), Spring (INPE), Excel e Access (Microsoft®). Na construção dos mapas, fez-se o uso do software ArcGis® 9.2 e 10.1 (ESRI).

Resultado e discussão

Geossistema Planície Costeira É a unidade geossistêmica com maior representatividade espacial, abrangendo uma área 147 km2, equivalente a 93,3% do total da área geográfica da bacia costeira. Esse geossistema situa-se a leste do Geossistema Tabuleiros Costeiros, e apresenta patamares altimétricos variáveis entre 0 a 20 metros e declividades inferiores a 10%. Assenta-se sobre a Província Costeira e Margem Continental, constituída por Depósitos Marinhos pleistocênicos e holocênicos, Depósitos fluviolagunares, Dunas continentais e litorâneas e os Leques aluviais, esse último, ao longo da borda dos tabuleiros costeiros (Figuras 02). Esses depósitos apresentam sedimentos inconsolidados, tais como, a areia, a argila e sedimentos eólicos, do Período Quaternário associados ao Pleistoceno e Holoceno. Apesar das limitações ambientais desse geossistema, o seu subsolo conta com aquífero granular do sistema Aquífero Tacaratu, de elevada porosidade, bastante utilizado para o abastecimento humano, e para manutenção dos corpos d’água da bacia. O Geossistema Planície Costeira é drenado por diversos cursos d’água, entre eles o rio Água Doce, os riachos Duas Meninas, Minha Linda, Boa vista, Mata da Domingas, riacho das Almas e o riacho Paruí. Além desses cursos fluviais, um complexo lagunar também marca a paisagem o qual é constituído pela Lagoa Grande, Lagoa Seca e a Lagoa escura, resultantes da evolução geomorfológica pretérita da área. Essa presença significativa de corpos d’água deve-se, entre outros fatores, às condições do clima e seu regime de precipitação que garante temperaturas elevadas ao longo do ano, com médias térmicas entre 23º a 25º. Esse fato, sem dúvida, contribui para o processo constante de evaporação dos corpos d’água da bacia. O litoral sul do Estado apresenta um elevado índice de precipitação ao longo do ano, variando entre 1500 a 2000 mm. Esses valores permitem o abastecimento contínuo das correntes fluviais superficiais e das águas subterrâneas, sendo responsáveis ainda, pelo abastecimento dos corpos d’água durante os períodos de estiagem através do lençol freático. Essa condição favorável do volume de precipitação ao longo do ano exerce influência na cobertura vegetal em geral, e de modo específico, nos campos de várzeas e áreas embrejadas, que ocupam maior expressão areal na bacia costeira, sem contar que tais espécies dependem do recurso água para manutenção do seu equilíbrio dinâmico. Por ser uma área geologicamente recente, o referido geossistema acha-se recoberto pelos solos: Espodossolos Humilúvicos Hidromórficos (EKg), Neossolos Quartzarênicos Hidromórficos (RQg) e os Planossolos Háplicos Eutróficos (SXe). Em termos gerais, são arenosos, poucos profundos e constantemente drenados, apresentando fatores restritivos à sua utilização agrícola. Esses fatores interferem no desenvolvimento das atividades agrícolas restringindo essa prática ao cultivo de espécies típicas de áreas litorâneas, como a cocoicultura que acaba apresentando resultados consideráveis para seus produtores graças ao uso de adubação. Além do cultivo do coco, encontram-se também, a produção da mangaba ao longo dos terraços fluviais, e em pequenas propriedades, cultivos temporários como a mandioca e a batata-doce. A ação antrópica na bacia costeira, também é marcada pela retirada de parte da cobertura vegetal visando implementar as áreas de pastoreio com fins agropecuários, além da construção de tanques para o desenvolvimento da aquicultura, que em alguns casos, a criação ocorre na própria lagoa, como se constata com a criação de tambaquis (Colossoma macropomum) na Lagoa Grande no município de Estância. Um dos usos importantes na economia da área refere-se as práticas do turismo, cujo desenvolvimento no setor reflete a implementação de uma infraestrutura que atende ao visitante, ou mesmo, aqueles que decidem manter residência de segunda moradia nas proximidades do ambiente praial. Interessante é observar que algumas dessas instalações apresentam condições precárias de instalação ou em muitos casos, estabelecimentos abandonados que se tornam locais de abrigo para transeuntes, viciados em drogas, ainda servindo como área para descarte de resíduos sólidos. Outra consequência direta do crescimento econômico na área são as construções de condomínios horizontais fechados e residências de médio/grande porte sobre áreas de fragilidade ambiental, como áreas embrejadas, terraços marinhos, ou mesmo, sobre campos de dunas. Assim, por constituir ambiente de grande vulnerabilidade ambiental, o Geossistema Planície Costeira abriga ecossistemas ecologicamente imaturos e complexos. Essas circunstâncias lhe conferem características de vulnerabilidade e fragilidade que, aliadas a um consumo de recursos sempre crescente, tendem a uma situação de desequilíbrio. Geossistema Tabuleiros Costeiros Os Tabuleiros Costeiros segundo Santos et al. (1998) são baixos planaltos sedimentares de rochas muito uniformes, elaborados do litoral para o interior sobre sedimentos do Grupo Barreiras (Terciário/Quaternário), do Grupo Sergipe (Cretáceo) e do Grupo Igreja Nova (Jurássico), em condições de extrema semiaridez que ocorreram durante o Pleistoceno. No recorte da pesquisa, essa unidade de paisagem, abrange os sedimentos do Grupo Barreiras. Esse geossistema, localizado a retaguarda do Geossistema Planície Costeira e a noroeste da bacia costeira, apresenta uma área total de 34,75 km2, o que correspondendo 21,2% do total da bacia. No tocante a altitude, essa feição geomorfológica apresenta patamares que variam entre 20 a 120 metros (Figura 2). São nos Tabuleiros Costeiros onde se encontra a nascente do rio Água Doce e dos principias riachos que compõem a bacia Caueira/Abais. As condições de precipitações, variam entre 1.600 a 1.900 mm/ano. Esse fato garante a manutenção desses mananciais, além das reservas subterrâneas, fornecedoras de água para o abastecimento humano. Estando associado ao Grupo Barreiras, esse geossistema, apresenta rochas sedimentares, do tipo clástica, composta litologicamente por arenito conglomerático e argilito arenoso. Essa condição litológica possibilita a formação dos Argissolos Vermelho-Amarelos Distróficos (PVAd) - predominantes nesse recorte - que são solos na sua maioria de fertilidade natural baixa ou por vezes média, com textura que varia de média a argilosa (DUARTE et al.; 2004). Essa característica natural dos Argissolos Vermelho-Amarelos Distróficos (PVAd), apresentando baixa/média fertilidade para as práticas agrícolas, acabam tornando esse solo, propício ao estabelecimento de atividades ligadas a mineração, já que a abundância de material possibilita tal prática, muito embora a exploração da argila acarrete profundas mudanças na paisagem desse geossistema. Entretanto, mesmo sendo constatado que as empresas mineradoras possuem licença ambiental para essa exploração, a falta de uma supervisão técnica permanente, e a ausência de estudos de Impactos ambientais, na maioria dos casos tem contribuído para o processo intensivo de degradação ambiental nessa porção da bacia costeira (Figura 4). Fruto da remoção excessiva de mata secundária ao longo de todo tabuleiro costeiro nos limites da bacia Caueira/Abaís, os impactos são dos mais diversos. No decorrer dos trabalhos de campo presenciou-se, desde o aumento dos processos erosivos marcados pelo aparecimento de ravinas e voçorocas de dimensões variáveis, até os impactos diretamente nas áreas das nascentes do rio e riachos que compõem a drenagem da bacia.

Figura 01

Bacia Costeira Caueira/Abaís. Compartimentação Geossistêmica. 2014

Figura 02

Geossistema Planície Costeira, verificando-se ao fundo a Praia do Abais em Estância

Figura 03

Relevo colimado no Geossistema Tabuleiros Costeiros no município de Itaporanga D’ Ajuda.

Figura 04

Licença para exploração mineral no Geossistemas Tabuleiros Costeiros em Itaporanga D’Ajuda.

Considerações Finais

A partir das unidades Geossistêmicas, foi possível correlacionar os fatores físico/ambientais e a relação de uso e ocupação, permitindo diagnosticar situações de conflitos que exigem uma maior especialização na escala de abordagem desses problemas. Para o Geossistema Planície Costeira, percebe-se, que a ação antrópica ocorre nas diversas formas, desde as tradicionais atividades agropastoris ao forte desenvolvimento da prática do turismo. A ocupação de praias e dunas que vem ocorrendo nos principais trechos das praias do Saco, Abaís e Caueira ocupando a linha de costa da bacia em ritmo acelerado, em virtude das melhorias de acessibilidade, obtidas, a partir, de projetos governamentais que incentivam a prática do turismo nessa área. O Geossistema Tabuleiros Costeiros, por terem sua gênese no Pleistoceno, possui ambientes mais consolidados e adaptados as variações climáticas, no entanto transformações induzidas pelas derivações antropogênicas de caráter intenso e predatório, expõem essa unidade a ação dos processos morfogenéticos que reflete em prejuízos para a própria população residente, a exemplo do deslizamento de encostas, a extinção de mananciais, erosão e esterilização dos solos devido à lixiviação pelas águas pluviais, entre outros problemas.

Agradecimentos

Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelos recursos disponibilizados através da bolsa de pesquisa para o mestrado acadêmico, ao Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Geomorfologia – DAGEO – pelo espaço e equipamentos para o desenvolvimento da pesquisa e ao Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Referências

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SANTOS, et al. Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Geologia e Recursos Minerais do Estado de Sergipe. CODISE/CPRM. Brasília, 1998.
SCHUTZER, José Guilherme. Cidade e meio ambiente: a apropriação do relevo no desenho ambiental urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
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