Autores

Ferreira, J.C.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE) ; Silva, F.M. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE) ; Silva, C.C.L. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE)

Resumo

Estudos envolvendo as áreas costeiras são de grande relevância, servindo como suporte científico na aplicação de metodologia para aquisição de dados ambientais. Nessa perspectiva, este artigo teve por objetivo adaptar e testar a metodologia da topossequência, no intuito de entender a evolução do ambiente deposicional da praia de Cacimbinha, localizada no município de Tibau do Sul, estado do Rio Grande do Norte. Para operacionalizar este estudo foram adotados procedimentos metodológicos e técnicos, subdivididos em etapa pré-campo: onde se utilizou à pesquisa bibliográfica e iconográfica; etapa campo: consistiu na aquisição das amostragens das fácies de sedimentação; e etapa pós-campo: integração, análises e correlação dos dados de campo e laboratório. Assim, evidenciaram sete fácies deposicionais na porção norte da praia de Cacimbinha, com energias diferenciadas nos compartimentos do relevo.

Palavras chaves

Ambiente Costeiro; Praia; Sistema Deposicional

Introdução

A necessidade do conhecimento do meio em que se vive torna-se de fundamental importância para sobrevivência humana no espaço geográfico perante as dinâmicas que permeiam os sistemas ambientais. Sob uma perspectiva geossistêmica, os sistemas ambientais incluem o homem enquanto agente modificador do meio e, ao mesmo tempo, ele se torna um receptor das transformações que podem vir a ocorrer. Corroborando com esta ideia, Tricart (1979) ressalta em sua obra, a necessidade do entendimento das dinâmicas ambientais para fins de utilização dos espaços, protegendo-os contra maiores danos que podem ser ocasionados em virtude do uso inadequado. Todavia, enfocando na análise das zonas costeiras, os problemas relacionados ao uso e ocupação destas áreas no mundo, residem na ausência ou insipiência de trabalhos que envolvam estudos sobre as dinâmicas naturais vigentes. Inseridas neste contexto ambiental, encontram-se as praias oceânicas, que segundo Muehe (2009), podem ser caracterizadas como ambientes de sedimentação quaternária e de transição entre o continente e o mar, capazes de exercer proteção a grande porção emersa da superfície terrestre. Desse modo, considera-se que o desenvolvimento e a aplicação de metodologias voltadas para elucidação da dinâmica praial merecem destaque no âmbito acadêmico, uma vez que, esforços neste sentido servem de incremento para estudos em diferentes áreas, capazes de auxiliar órgãos ambientais na gestão dos territórios públicos e privados. Pautando-se nesta perspectiva, este artigo tem por objetivos adaptar e testar a aplicação de métodos e técnicas de topossequências na caracterização dos depósitos da praia de Cacimbinha, localizada no município de Tibau do Sul, estado do Rio Grande do Norte, região Nordeste do Brasil. A aplicação desta metodologia considerou a compartimentação geomorfológica do ambiente praial (terraço, pós-praia, estirâncio e antepraia), levando em conta a energia e os processos que predominaram em cada fácies praial depositada, sendo estas representadas por meio de seções estratigráficas. Destarte, buscou-se elencar considerações concernentes ao referencial teórico e metodológico da Geografia Física, que envolvem a pedologia, sedimentologia e a geomorfologia, resultando na seguinte estruturação deste trabalho: no primeiro momento buscou-se realizar a descrição da metodologia aplicada na praia arenosa de Cacimbinha, atentando para os procedimentos técnicos utilizados na coleta de amostras de sedimentos, sendo este tópico subdividido em três etapas operacionais: etapa pré-campo: trabalhos de gabinete; etapa campo: aquisição dos dados; e etapa pós-campo: integração, análise e correlação dos dados; em um segundo momento foram apresentados os resultados alcançados por meio das técnicas aplicadas, representados por meio de seções estratigráficas; por fim, em um último momento, foram elaboradas algumas tessituras acerca do conteúdo exposto neste trabalho.

Material e métodos

Para elaboração deste artigo, buscou-se como referencial metodológico os três níveis de tratamento para pesquisas geomorfológicas propostos por Ab’Sáber (1969): a compartimentação morfológica, levantamento da estrutura superficial e o estudo da fisiologia da paisagem. Assim sendo, o segundo nível de tratamento (levantamento da estrutura superficial), considera as “informações minuciosas dos depósitos geológicos recentes, feições geomorfológicas pretéritas, depósitos coluviais de vertente, [...] que levam a uma interpretação genética e cronológica das formas do relevo” (ROSS, 1991, p.37). Diante disso, foram retiradas amostras por meio de tradagem, sendo estas descritas e correlacionadas mediante a construção dos perfis estratigráficos do ambiente praial. Foram realizados levantamentos topográficos, com o auxílio de nível, mira, trena, piquetes e planilha de anotações, além das perfurações fazendo uso de trados (caneco e o holandês), conforme a proposta de amostragem por topossequência de Boulet (1993). Desse modo, as perfurações resultaram na elaboração de perfis e seções estratigráficas do modelado praial (terraço, pós-praia e estirâncio). Como equipamentos de apoio, foram utilizados: lona, trena, marreta, pá para limpeza, papel milimetrado, lápis de cor e a câmera digital. Na etapa pós-campo (integração, análise e correlação dos dados), as amostras sedimentares coletadas com auxílio dos trados foram acondicionadas em sacos plásticos devidamente etiquetados e nomeados, sendo encaminhados ao Laboratório de Geografia Física (LABGEOFIS) do Departamento de Geografia da UFRN, onde passaram por um processo de secagem em estufa a 105°C e quarteamento para os procedimentos de pipetagem, peneiramento, morfometria, morfoscopia, teor de carbonato, teor de matéria orgânica e cor dos sedimentos de acordo com a classificação da tabela de Munsell (2009). Empregou-se o método do peneiramento a seco, com base em Muehe (2011), utilizando-se um jogo de peneiras com séries predispostas em meio em meio Phi (Φ) e um agitador de peneiras (rot-up) por cerca de 15 minutos, sendo a fração de cada peneira pesada e registrada, posteriormente, os resultados foram inseridos e processados no Software Sistema de Análises Granulométricas (SAG). A análise morfométrica e morfoscópica consistiu na homogeneização da amostra sedimentar, quarteamento, peneiramento a úmido (peneira de 0,063 phi) e separação de 100 grãos para análise comparativa com a escala de Powers (1954) e a classificação de Cailleux (1942), com o auxílio de pinça e lupa binocular. Na determinação do teor de matéria orgânica, foi empregado o método da calcinação, utilizando o forno muffla, tendo como base referencial Silva, Torrado e Abreu Júnior (1999); Conceição et. al. (1999); e Paula et. al. (2009), estabelecendo uma temperatura de 500°C durante 5 horas na queima eficiente do material orgânico presente na amostra de 10 g, realizando a diferença entre o peso da amostra com matéria orgânica menos o peso da amostra retirada da muffla sem a presença de matéria orgânica. No que diz respeito a determinação do teor de carbonatos tomou-se como base a metodologia aplicada por Santana e Costa (2008) e Lima (2004) que consiste na separação de 10 g de amostra sedimentar e ataque com ácido clorídrico diluído a 10%, no período de 24 horas dentro de beckers inseridos no equipamento denominado de capela, sendo lavadas, para retirada do ácido, e em seguida foram encaminhadas para estufa para posterior pesagem e quantificação do carbonato. Por fim, foi empregada a tabela de Munsell (2009) referentes à cor dos sedimentos: matiz, valor e croma, sendo observados nas amostras úmidas e secas, sendo possível a criação da carta de assinatura dos depósitos localizados em um fragmento praial de Cacimbinha.

Resultado e discussão

O conceito de sistemas deposicionais foi escolhido por estar pautado no método sistêmico e está diretamente relacionado à lei de correlação das fácies de Walter (1893-1894), como bem ressalta Suguio (2003). O termo fácies remete a ideia de aspecto ou aparência, e conforme Guerra (2009) pode ser considerado como um “conjunto de caracteres de ordem litológica e paleontológica que permite conhecer as condições em que se realizaram os depósitos” (GUERRA, 2009, p. 263), dessa forma, Mendes (1972) afirma que ao se descobrir a natureza da fácies, torna-se possível o entendimento das condições ambientais de deposição. A aplicação da técnica de topossequência é comumente utilizada para compreender o desenvolvimento pedológico, através da metodologia da análise estrutural da cobertura pedológica, proposta por Boulet (1978). No solo, a topossequência é usada para entender o desenvolvimento pedológico dos horizontes topograficamente e em profundidade, do mesmo modo, a aplicação desta técnica consiste em entender as camadas de deposição sedimentar do sistema deposicional do ambiente praial de Cacimbinha. Considerando o princípio da sobreposição de Nicolaus Steno (1669), a topossequência possibilita identificar as fácies sedimentares praiais mais antigas (profundas) e as fácies praiais mais recentes (superficiais), em um sistema ambiental quaternário de intensa dinâmica. É importante ressaltar que, conforme Mello (1994) os ambientes com idade Quaternária podem apresentar depósitos com rasa espessura sedimentar, distribuídos espacialmente de forma descontínua e com pouca variabilidade evolutiva, o que dificultar por mais das vezes seu estudo. Foram realizadas onze perfurações com auxílio dos trados (caneco e holandês), sendo possível observar camadas de sedimentos intercaladas por frações arenosas e silto-argilosas (Figura 01). Ao construir as seções estratigráficas foi possível identificar sete fácies sedimentares no terraço e quatro no compartimento geomorfológico do ambiente de pós-praia e estirâncio superior, sendo caracterizadas por momentos deposicionais distintos (Figura 02). É importante destacar que todas as fácies do terraço apresentaram textura areia média com exceção da sétima fácies que apresentou textura fina, logo, a diferenciação das mesmas contou com as demais características dos sedimentos identificadas em laboratório (textura, cor da amostra, teor de carbonato, teor de matéria orgânica, morfometria e morfoscopia). As fácies mais argilosas encontradas nesta feição deve-se ao produto gerado pelas erosões remontantes instaladas nas falésias desta localidade, ocasionadas pelo escoamento das águas superficiais. Na porção praial que abrange os compartimentos geomorfológicos de pós-praia e estirâncio, foram identificadas quatro fácies de sedimentação. Nesta feição, destaca-se a ausência de vegetação em suas fácies, o que corresponde a uma dinâmica praial acentuada, além disso, ressalta-se que a última fácies depositada apresentou uma pequena quantidade de carbonatos correspondente a ultima maré que deixou registrada algumas conchas na face praial, quantificadas pela análise de teor de CaCO3. Assim, mediante a aplicação da técnica da topossequência e o suporte das análises laboratoriais entende-se que a utilização desta técnica no ambiente praial permitiu identificar (nas sete fácies do terraço e nas quatro fácies praias) períodos deposicionais distintos de fácies deposicionais ou unidades aloestratigráficas, com características sedimentares ou deposicionais diferenciadas. Portanto, a relação de todas as perfurações possibilitou compreender como cada fácies sedimentar se espacializa no perfil praial, oferecendo suporte na identificação dos limites de cada uma no meio ambiente.

Figura 01

Seção realizada no ambiente praial de Cacimbinha. Fonte: Ferreira (2015).

Figura 02

Correlação das seções realizadas no ambiente praial de Cacimbinha, evidenciando as fácies deposicionais. Fonte: Ferreira (2015)

Considerações Finais

Diante do exposto acima, conclui-se que a adaptação e a verificação desta metodologia apresentaram resultados satisfatórios no que se refere aos momentos deposicionais da praia arenosa de cacimbinha. Sendo possível identificar sete momentos deposicionais distintos, ou seja, sete fácies sedimentares, caracterizadas em laboratório. Todavia, problemas relacionados aos resultados residem na preservação das estruturas sedimentares, uma vez que os trados (holandês e caneco) não conservam estas feições que servem como indicadores de transporte de partículas. Portanto, pretendeu-se com este artigo apresentar a aplicação desta metodologia e instigar pesquisadores a replicar estes procedimentos em outros ambientes de praia. Desse modo, atrelado a análise laboratorial pode-se chegar a resultados mais satisfatórios no que diz refere ao entendimento do sistema deposicional do ambiente praial.

Agradecimentos

Referências

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