Autores
Vitória, S. (IFBA, CAMPUS SALVADOR) ; Jesus, M.H. (IFBA, CAMPUS SALVADOR) ; Oliveira, A. (IFBA, CAMPUS SALVADOR)
Resumo
O presente artigo objetivou realizar a caracterização da planície costeira de Conde, município pertencente ao Litoral Norte da BA, a partir da análise da interação entre fatores da dinâmica biofísica e antrópica atuantes na paisagem. Para isso, o trabalho buscou a realização de um inventário das características geomorfológicas, geológicas, pedológicas, da cobertura vegetal e do uso do solo visando a elaboração do mapa de uso e ocupação mediante a utilização de software de geoprocessamento gratuito (Quantum Gis 2.6). No município de Conde, manguezais, dunas e restingas são alvos da atuação de vários tipos de usos e ocupações que comprometem a qualidade ambiental e a manutenção da integridade funcional desses ambientes, destacando-se, portanto, a importância do planejamento. Por fazer parte de uma APA, Área de Proteção Ambiental, o entendimento da dinâmica biofísica traduz-se como passo fundamental para a orientação dos usos e correto assentamento das atividades humanas.
Palavras chaves
Zona costeira; Dinâmica biofísica; uso e ocupação
Introdução
A Zona Costeira, espaço de grande valor ambiental e de considerável interesse econômico, possui características naturais singulares. Nela, manifestam-se diversas atividades representadas por vários tipos de usos como o turístico, o comercial, o agrícola, os de cunho industrial, recreacional, usos relacionados ao transporte, à exploração petrolífera que fazem reunir uma densa infraestrutura e predominar fortes zonas de concentração populacional (OLIVEIRA E MELO E SOUZA, 2013). Ao mesmo tempo em que ocorre ao longo da Zona Costeira uma diversidade de usos marcada pela valorização de múltiplos espaços, pelas funcionalidades e pela produção e (re)produção humana e econômica, um mosaico de desigualdades passa a vigorar no espaço favorecendo um modelo de exploração que se sustenta no crescimento turístico, urbanístico e industrial desenfreados. Na Bahia, essa problemática não se configura diferente. No Litoral Norte, atividades relacionadas à pecuária, à silvicultura, à cocoicultura, bem como, à instalação de grandes empreendimentos turísticos e de condomínios residenciais vêm provocando a descaracterização de muitos sistemas naturais. No município de Conde, manguezais, restingas, porções de floresta ombrófila densa são alvos de processos históricos de uso e ocupação do território, que se legitimam de forma desigual e incompatível com a manutenção da integridade funcional desses ambientes. A Planície Costeira de Conde (Figura 01) apresenta ambientes naturais marcantes que vem sendo degradados por atividades humanas diferenciadas pelos vários tipos de uso e por um padrão indevido de ocupação que se manifesta associado à rapidez e intensidade das transformações. Diante disso, é que o presente trabalho se propõe a caracterizar a planície costeira do município, através da análise de suas formas de uso e ocupação do solo, a fim de diagnosticar, de forma integrada, a relação socioambiental estabelecida, tendo como base a consideração dos principais vetores e agentes atuantes no espaço costeiro.
Material e métodos
Como etapas do trabalho foram realizados os seguintes procedimentos metodológicos: levantamentos bibliográfico, cartográfico e de dispositivos legais. O levantamento bibliográfico foi feito em bibliotecas do IFBA e setoriais, bem como, no portal de periódicos da CAPES e em artigos pesquisados na Internet, além de obras do acervo da orientadora da pesquisa e do próprio bolsista, com vistas à compreensão dos conceitos fundantes da proposta e dos conteúdos relacionados a temática, a saber: planície costeira; sistemas biofísicos; vetores de uso e ocupação; planejamento ambiental. Constituíram-se como referenciais importantes para respaldar o trabalho, obras de autores como Ross (2006), Christofoletti (1999), Moraes (1999), Coriolano (2006), Villwock (1994), Oliveira (2013), dentre outros. O levantamento cartográfico abrangeu a aquisição de mapas, imagens de satélite, cartas topográficas e ortofotocartas em órgãos do Estado. Este levantamento contemplou a obtenção de base cartográfica apropriada ao recorte espacial do estudo, com escala e níveis de detalhes que permitiram, a partir do uso de programa de geoprocessamento, visualizar os sistemas biofísicos, a distribuição sócio-espacial e os vetores de uso e ocupação do solo, aspecto chave para a produção cartográfica. O levantamento de documentos legais ocorreu em órgãos públicos federais, estaduais e municipais e em sites da Internet. A busca por dispositivos legais de proteção ambiental foi passo importante para a pesquisa, pois promove o conhecimento dos espaços costeiros que estão ou deveriam estar sob efeito de proteção e retrata o perfil atual de políticas e projetos de desenvolvimento adotados. A construção de inventário das características físicas, biológicas e antrópicas, mediante a associação de temas relacionados às características geomorfológicas, geológicas, pedológicas, da cobertura vegetal e do uso do solo foi passo importante para a pesquisa pois permitiu melhor compreensão da configuração da paisagem da planície costeira. Após a construção do inventário ocorreu a elaboração de mapa de uso e ocupação do solo a partir da utilização de software de geoprocessamento gratuito (Quantum Gis 2.6). O mapeamento do uso e ocupação da planície Costeira permitiu a identificação dos níveis de ocupação do município de Conde e foi realizado com base na definição dos critérios destacados na Tabela 01.
Resultado e discussão
A pesquisa considerou parâmetros relacionados à morfologia, às
litoestruturas, aliados aos aspectos da cobertura vegetal e do uso do solo
da Planície Costeira de Conde.
Podemos dizer que a atuação de agentes (naturais ou antrópicos), através de
processos, exerce um papel fundamental na origem e no desenvolvimento da
paisagem. Segundo Villwock (1994), as planícies costeiras são espaços
constituídos de sedimentos do Terciário e Quaternário concentrados em
ambientes continentais, transicionais e marinhos.
Segundo Esquível (2006), o Litoral Norte da Bahia é dividido em quatro
domínios geocronológicos: Pré-Cambriano, Juro-Cretácico, Terciário e
Quaternário. No que tange ao objeto de estudo, restringe-se apenas os dois
últimos domínios: Terciário e Quaternário.
Silva (2008) destaca que o domínio do Quaternário Costeiro é extremamente
sensível e frágil, sendo apresentado como área de transição entre o
continente e o mar. Tal domínio é representado por dunas, restingas,
manguezais e praias e requer um cuidado específico para sua manutenção auto-
reprodutiva.
Em Conde, a Planície Costeira corresponde morfologicamente a terrenos de
baixa fertilidade, constituintes do Quaternário Costeiro, caracterizados por
depósitos litorâneos regressivos (Pleitoceno) e por depósitos sedimentares
mais recentes (Holoceno). Tais depósitos são representados por areias
médias, finas a muito finas.
O clima da porção nordeste do Litoral da Bahia é caracterizado como quente e
úmido, com altos índices de chuva, sendo distribuídas de forma regular ao
longo do ano (ESQUÍVEL, 2006).
De acordo com Lyrio (1996), o município de Conde apresenta variações mensais
e anuais de temperatura de 23 a 25°C, com amplitudes térmicas entre 3 e 6°C.
Zonas úmidas são presenciadas nas áreas baixas compostas por terrenos
sujeitos a alagamentos periódicos a depender das condições de umidade,
principalmente pela influência do período chuvoso.Estas áreas estão próximas
as áreas de desembocadura do Rio Itapicuru, se formam quanto subunidade da
paisagem costeira do município em questão.
Encontrados, sobretudo, às margens dos rios e nas proximidades de áreas
inundadas, os manguezais caracterizam-se por vegetação hidrófila, estando
presentes em terrenos alagadiços, regulados pela mistura das águas salgadas
e fluviais. No trabalho com geoprocessamento, observou-se a partir da
interpretação das imagens de satélite diferença entre mangue e mata densa
quanto à cor e textura.
Nas áreas de mangue, a característica do solo halomórfico, solo muito pouco
desenvolvido, composto por sedimentos lamacentos, faz com que seja
identificada uma tonalidade mais escura. Há porções expressivas de mangue
nas margens do rio Itapicuru, de relevante importância econômica para a
população pesqueira do entorno.
Quanto às áreas de mata densa, a Planície Costeira de Conde apresenta os
resquícios de Floresta Ombrófila de maior expressividade na APA do Litoral
Norte. Contudo, dada a existência de vetores de uso e ocupação
caracterizados por uma intensidade de atividades, estes ambientes vem sendo
altamente impactados.
Os cordões-duna assumem as feições de praticamente todo município de Conde.
Segundo Esquível (2006), esses cordões-duna possuem uma altitude de 8
metros, correspondendo a 301 hectares ou 0,32% do território municipal de
Conde. A ocorrência de duna frontal, tão elevada, é um indicador de que a
linha de costa do município manteve com uma relativa estabilidade por muito
tempo, com um recuo de longo prazo.
Outro sistema biofísico marcante na paisagem é a restinga, ambiente
tipicamente costeiro, localizado em área de transição entre o cordão-duna e
as áreas úmidas e de mangue, caracterizado por vegetação, sobretudo, de
perfil arbóreo e arbustivo.
O processo de ocupação vinculado a agricultura e a pecuária marcou
profundamente as relações econômicas e sociais da região, pois os primeiros
núcleos populacionais foram frutos deste processo.
A cocoicultura e a pecuária extensiva contribuíram para a redução da
vegetação original. Muitas áreas de mangue, por serem próximas a rios e
regiões alagadas, são ocupadas indevidamente, seguindo uma tendência de
ocupação por estarem identificadas em muitos trechos, como áreas desmatadas
(ver Figura 02).
O processo de ocupação vem se materializando também pela retirada da
cobertura vegetal das áreas de restinga para a implantação de loteamentos,
conjunto de casas com função de segundas residências. É notório em todo
espaço da planície costeira desse município a presença de anúncios de venda
dos lotes de terra, que geralmente são comprados por habitantes de outro
município para fins de segunda residência, provocando o movimento de
especulação imobiliária e posteriormente o aumento do custo de vida.
O turismo, em especial, se configura na atualidade como uma das principais
formas de inserção de espaços periféricos na economia global, o que resulta
em múltiplas relações sociais, culturais, econômicas e políticas, sustentado
sobre a égide de consumo da paisagem e de uma infraestrutura de serviços
disponíveis.
O turismo ainda se encontra em processo inicial na área de estudo, contudo,
a paisagem costeira de Conde já conta com empreendimentos hoteleiros, o que
denota a possibilidade da territorialização de grandes montantes de
investimentos. Outros estudos sobre o Litoral Norte da Bahia como o de Silva
et al(2008) apontam o desenvolvimento do turismo, de atividades de lazer e
recreação na região como tendência que vem crescendo a cada ano, englobando
cada vez mais novos espaços que atraem investimentos pautados no capital
estrangeiro e nacional.
Segundo o Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável – PDITS,
o município de Conde tem a maior potencialidade natural do Estado e de
destaca pela potencialidade histórico-cultural. Com os avanços das
atividades direcionadas ao turismo, aparece como um território passível de
ser incorporado as macrotendências de usos e ocupação do Litoral Norte,
apesar de já desenvolver algumas formas similares, porém não na mesma
intensidade.
Dentro do que propõe a análise do mapa, sob uma perspectiva integrada do uso
e ocupação da Zona Costeira, outro aspecto preponderante é que, por
fazer parte de uma Área de Proteção Ambiental, muitas ocupações marcadas
pela presença de segundas residências e plantações não deveriam ocorrer.
Considerando que o entendimento da dinâmica biofísica traduz-se como passo
fundamental para a orientação dos usos e correto assentamento das atividades
humana, tem-se que o ato de planejar é uma necessidade de extrema
importância, pois permite antever problemas possíveis, apontar soluções
prováveis e preparar caminhos ante aos imprevistos inerentes aos processos
de ocupação desordenada. Para isso, é que nos locais onde existam
características biológicas, ecológicas e paisagísticas é recomendável a
proteção e o estabelecimento de critérios de uso e ocupação, a fim de
estabelecer categorias de proteção e conservação dos sistemas naturais.
Essas diretrizes de conservação ambiental favorecem a promoção de práticas
sustentáveis, apoiadas na proteção de biomas, nas restaurações de ambientes
frágeis e é condição importante para o planejamento socioambiental de áreas
como a planície costeira de Conde.
Figura 1: Localização da Área de Estudo
Identificação dos critérios utilizados no mapeamento das classes do mapa de cobertura vegetal e uso e ocupação do solo.
Mapa de uso e ocupação do solo da Planície Costeira de Conde-BA.
Considerações Finais
Com base na análise da paisagem costeira de Conde detém-se que formas desordenadas de uso e ocupação marcam a paisagem estando comumente localizadas em ambientes frágeis como manguezais e áreas de restinga. Como fator determinante no crescimento de cidades e na modificação de atividades socioeconômicas de populações locais, o turismo aparece como fator preponderante, principalmente quando se desenvolve em espaços costeiros como os identificados em Conde. Sendo assim, vale ressaltar que esse espaço faz parte da APA do Litoral Norte da Bahia, formado por sistemas biofísicos de grande valor ambiental e por populações locais sobreviventes de atividades tradicionais como a pesca. Nesse sentido, o incentivo às atividades turísticas deve contemplar um desenvolvimento ordenado e vir acompanhado de ações que visem a proteção dos ambientes naturais dotados de serviços ambientais importantes e que busquem a participação dos atores sociais, em especial, das comunidades locais, na perspectiva de envolvê-los nos processos de planejamento e gestão territorial. Sob a ótica do planejamento ambiental, a presente pesquisa fez destacar que o que se espera é a existência de estudos que não deixem de lado a relação entre desenvolvimento socioeconômico, pressões sobre o meio biofísico e a resposta da sociedade. Afinal, o planejamento requer estudos integrados. Diante disso, é imperativa a definição de opções de desenvolvimento balizadas nas vocações das unidades paisagísticas.
Agradecimentos
Agradecemos a FAPESB pelo financiamento da bolsa de auxílio à pesquisa.
Referências
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