Autores

Alves, F.C. (INPE) ; Rossetti, D.F. (INPE)

Resumo

O litoral norte do Estado da Paraíba possui dinâmica costeira atual dominada por sistemas estuarinos. Porém, análises prévias sugerem paleomorfologia associada a delta do tipo influenciado por ondas a norte da desembocadura dos rios Paraíba e Soé-Tapira. Esse trabalho teve por objetivo confirmar se essa paleomorfologia corresponde a depósitos residuais deltaicos. A caracterização geomorfológica foi realizada pela combinação de dados de sensoriamento remoto, incluindo imagens de radar e ópticas. Esses produtos serviram para confirmar a presença desse paleodelta, bem como foram eficientes na caracterização detalhada dessa morfologia, incluindo a reconstituição de seus vários estágios de progradação durante o Quaternário tardio. Os resultados apresentados aqui podem contribuir para melhor caracterizar a dinâmica sedimentar desta costa durante o final do Quaternário.

Palavras chaves

Zona costeira; Progradação deltaica; Geomorfologia

Introdução

Mudanças na dinâmica costeira, com impacto direto ou indireto em sua morfologia, incluem principalmente fatores como variações do nível do mar, clima e tectônica. Esses fatores, combinados com processos fluviais e a dinâmica costeira determinada pela ação de ondas, correntes de marés e correntes litorâneas, podem contribuir para o desenvolvimento de costas progressivas ou regressivas, como aquelas relacionadas com a progradação de sedimentos a partir de sistemas deposicionais deltaicos (p.e., FISHER, 1969; GALLOWAY, 1975; WRIGHT, 1976; ELLIOT, 1986). A costa leste brasileira apresenta um amplo conjunto de sistemas deltaicos do tipo dominados por onda, sendo os mais representativos os deltas dos rios Doce (Espírito Santo), Jequitinhonha (Bahia) e São Francisco (divisa entre Sergipe e Alagoas) (BACOCCOLI, 1971). Algumas áreas dessa costa, como é o caso do litoral norte do Estado da Paraíba, tem dinâmica atual que proporciona a manutenção de sistemas estuarinos. Porém, investigação preliminar baseada em dados de sensoriamento remoto sugere paleomorfologia de delta do tipo influenciado por ondas, localizada a norte da desembocadura dos rios Paraíba e Soé-Tapira (ALVES et al., 2015). A comprovação desse paleodelta tem relevância na reconstituição da evolução da dinâmica local dessa costa, já que pode contribuir para melhor entender os fatores que influenciaram nessas mudanças ao longo do tempo geológico. A caracterização geomorfológica de sistemas deposicionais deltaicos tem sido feita principalmente a partir de imagens derivadas de multisensores ópticos (Multispectral Scanner System - MSS, Thematic Mapper - TM e Enhanced Thematic Mapper plus - ETM+) (p.e., ELSHEIKH et al., 2009). Porém, essas imagens são de uso limitado em áreas tropicais com grande volume de nuvens, como é o caso do litoral nordeste do Brasil. Por outro lado, o uso de imagens de radar, como as do sensor Phased Array type L-band Synthetic Aperture Radar (PALSAR) abordo do Advanced Land Observing Satellite (ALOS- 1), tem potencial à detecção e caracterização geomorfológica de deltas. Esse radar de abertura sintética (SAR) pode revelar feições geomorfológicas não identificáveis em outros produtos do sensoriamento remoto, uma vez que ele opera na banda L (23,6 cm), que tem boa penetrabilidade da onda eletromagnética nos alvos (HENDERSON e LEWIS, 1998). O presente trabalho teve por objetivo verificar se a paleomorfologia reconhecida a norte da desembocadura dos rios Paraíba e Soé-Tapira corresponde a depósitos residuais formados em um sistema deposicional deltaico do tipo influenciado por ondas, bem como reconstituir seus estágios de progradação durante o final do Quaternário. Essa investigação foi conduzida pela caracterização geomorfológica baseada, principalmente, em imagens de radar do sensor PALSAR/ALOS-1. Tal análise contribuiu significativamente para a confirmação e caracterização geomorfológica detalhada dessa feição deltaica.

Material e métodos

Uma cena de imagem de radar do sensor PALSAR/ALOS-1 foi utilizada na caracterização geomorfológica do suposto paleodelta. Essa imagem foi extraída do banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo as seguintes características técnicas: (i) modo de imageamento Fine Bean Dual (FBD); (ii) polarizações HH e HV; (iii) ângulo de incidência médio (i.e., near-far range) padronizado em 34,3°; (iv) resolução espacial de 12,5 m; e (v) processamento a nível 1.5. A escolha da cena na data de 01/08/2007, que corresponde à estação seca, deveu-se à análise de dados pluviométricos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) acumulada de dez dias anteriores à passagem do satélite, a fim de minimizar os efeitos da umidade sobre a constante dielétrica dos alvos na cena (HENDERSON e LEWIS, 1998). Utilizou-se, também, uma cena de imagem óptica do sensor RapidEye, de resolução espacial fina (5 m) datada de 23/06/2012 e proveniente do banco de dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A imagem, constituída pelas bandas da região espectral do visível, foi utilizada principalmente como fonte de referência para validação dos resultados obtidos sobre as imagens do sensor PALSAR/ALOS-1. Quando necessário, o mapeamento geomorfológico foi complementado tanto com imagens RapidEye, como por imagens ópticas de alta resolução espacial disponíveis no Google Earth. As imagens multipolarizadas foram ortorretificadas com base em modelo digital de elevação (MDE) de 90 m de resolução espacial derivado da Shuttle Radar Topography Mission (SRTM) (ANDRADES FILHO e ROSSETTI, 2012). Operações aritméticas e técnicas de filtragem espacial, incluindo média (3 x 3) e direcional (NE), foram adicionalmente aplicadas entre as polarizações HH e HV. Isto foi feito visando, tanto a geração de maior variedade de imagens para análise da paleomorfologia, como para o realce de feições curvilíneas relacionadas a cordões litorâneos e à paleolinha de costa. Três imagens foram eleitas como sendo as melhores para o realce de detalhes da paleomorfologia, incluindo os produtos HH, HV e HH+HV (ALVES et al., 2015). A análise combinada dessas imagens com interpretação visual de alvos por características como cor, textura e brilho (JENSEN, 2009) permitiu a identificação de subambientes de deposição associadas à paleomorfologia e elaboração do mapa geomorfológico (Fig. 2).

Resultado e discussão

Os resultados obtidos com os produtos de sensoriamento confirmaram que a paleomorfologia aqui investigada corresponde a depósitos residuais de um paleodelta marinho situado no litoral norte da Paraíba (Fig.1A-B). A natureza deltaica é sugerida pelo fato dessa morfologia formar uma protuberância acentuada localizada na costa, próximo à desembocadura de sistemas fluviais, como os do rio Paraíba e Soé-Tapira (Fig.1B). Essa característica, aliada ao fato dos depósitos deltaicos ocorrerem em área topograficamente plana, com altitudes baixas (i.e., não ultrapassando 8 m, em média) e com limite a oeste definido por paleolinha de costa bem preservada (Fig. 1B-C), condizem com a natureza deltaica proposta. Essa feição, localizada a leste dos Sedimentos Pós-Barreiras 1 (ROSSETTI et al., 2012) possui área de 25 km², largura máxima de 4 km na direção E-W e comprimento de 12 km na direção N-S, com morfologia tipicamente cuspidada (Fig. 1B). Operações aritméticas e técnicas de filtragem aplicadas às imagens PALSAR resultaram em grande eficiência no delineamento da morfologia geral do paleodelta, bem como no mapeamento de suas feições internas (Fig. 2). A análise de imagens de radar e, secundariamente, de imagens ópticas, levou à interpretação visual das seguintes classes geomorfológicas: água, cordão litorâneo, superfície de reativação, paleolinha de costa, laguna e ilha barreira (Fig. 2). Essas classes foram mapeadas apenas para a porção setentrional do paleodelta, já que a sul sua discriminação é dificultada devido à urbanização. O fato dos depósitos sedimentares costeiros estudados ocorrerem como uma protuberância em direção ao mar é consistente com sua atribuição deltaica. Além da confirmação do paleodelta, notou-se que ele é constituído por uma série de cordões litorâneos separados por superfícies de descontinuidade. Estas superfícies são relacionadas com momentos de interrupção do processo de progradação deltaica, quando houve parada de sedimentação e, provavelmente, erosão. A geometria tipicamente cuspidada e a composição representada por uma sucessão de cordões litorâneos tipificam deltas do tipo influenciados por onda, como os dos rios Danubio no Mar Negro, Brazos no Texas, Nilo no Egito e Guadiana na fronteira entre Espanha e Portugal (BHATTACHARYA e GIOSAN, 2003). A costa leste brasileira possui muitos deltas deste tipo, incluindo os dos rios São Francisco (divisa entre Sergipe e Alagoas), Jequitinhonha (Bahia) e Doce (Espírito Santo) (Fig. 1A) (BACOCCOLI, 1971; DOMINGUEZ et al., 1981; SUGUIO et al.,1982; LIMA et al., 2014). As áreas correspondentes ao delta analisado no presente trabalho já haviam sido incluídas em investigações regionais conduzidas na costa leste nordestina (RADAM, 1981), mas ele havia sido até então considerado como correspondente a depósitos representativos de planície costeira flúvio- marinha, e não propriamente um delta. Embora o desenvolvimento de cordões litorâneos, como os aqui descritos, ocorra também em associação a planícies costeiras não deltaicas (strandplains) (OTVOS, 2000; LÓPEZ e RINK, 2008), é importante observar que a morfologia cuspidada sugere progradação local pronunciada da linha de costa. Isto implica na entrada de um volume considerável de sedimentos, o que é mais compatível com a participação de fontes fluviais. Cordões litorâneos associados a planícies costeiras não deltaicas são, em geral, derivados de fontes marinhas, principalmente de áreas plataformais (DOMINGUEZ, 1996). Entretanto, a progradação local da costa pelo acúmulo de um grande volume de sedimentos na desembocadura de sistemas fluviais, com geração de cordões litorâneos a partir do retrabalhamento de sedimentos por processos marinhos, é uma característica de sistemas deltaicos. A fonte fluvial que originou o delta analisado é incerta. Uma hipótese mais provável é que a fonte dos sedimentos deltaicos derivou dos rios Soé-Tapira, cujas desembocaduras ficam próximas ao ápice do delta (ver Figs. 1B e 2). Isto porque a análise prévia desse sistema de drenagem a partir de produtos orbitais indica o abandono de vários de seus tributários, o que sugere que esses rios eram mais energéticos no passado, tendo transportado carga sedimentar maior que seus cursos atuais. Caso essa hipótese seja aceita, então é possível que os rios Soé-Tapira tenham transportado um volume suficiente de sedimentos, que teria se depositado em sua desembocadura, sendo posteriormente retrabalhados por correntes de maré e ondas para formarem o delta caracterizado no presente trabalho.

Fig. 1.

Localização dos principais deltas da costa leste brasileira. (B) Imagem PALSAR/ALOS-1 da paleomorfologia em estudo. (C) Perfil topográfico da área.

Fig. 2.

Mapa geomorfológico do paleodelta identificado a norte da desembocadura dos rios Paraíba e Soé-Tapira com indicação dos estágios evolutivos I a VI.

Considerações Finais

O uso de imagens multipolarizadas do sensor PALSAR/ALOS-1, combinadas com técnicas de filtragem espacial e operações aritméticas, possibilitou confirmar paleomorfologia atribuída a um delta no litoral norte do Estado da Paraíba, além de discriminar com eficiência seus subambientes de deposição. Características desse sensor ativo, como a interação da banda L com as formas do relevo, além de seus diferentes modos de polarização, favoreceram a caracterização do paleodelta. A constatação de feições como cordões litorâneos, paleolinha de costa e morfologia cuspidada, sugere delta do tipo influenciado por ondas. Uma das hipóteses prováveis é que os depósitos deltaicos teriam sido trazidos à costa pelos rios Soé-Tapira, sendo posteriormente retrabalhados pela ação de ondas. Embora faltem estudos de campo e datações de sedimentos arenosos visando melhor detalhar a gênese e evolução desse paleodelta no final do Quaternário, os resultados obtidos com o uso de produtos de sensoriamento remoto contribuíram significativamente para detalhar as feições geomorfológicas internas dessa paleomorfologia.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES pela concessão de bolsa de mestrado ao primeiro autor, e à FAPESP, pelo financiamento desta pesquisa (Projeto # 2012/06010-5).

Referências

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