Autores

Marques Neto, R. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Ferraro, B.V. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA) ; Zaidan, R.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA)

Resumo

O presente artigo tem por objetivo divulgar os resultados obtidos com o mapeamento geomorfológico no contato entre dois importantes sistemas geomorfológicos do Brasil Sudeste: o Planalto de Campos das Vertentes e a Depressão do Rio Pomba (MG), e elaboração da carta geomorfológica correspondente, editada na escala de 1/250.000, em consonância ao plano metodológico estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O trabalho deu conta de mapear unidades geomorfológicas ordenadas em padrões de formas semelhantes segundo os modelados de dissecação e agradação identificados e seus aspectos morfométricos fundamentais (declividade, profundidade de dissecação e dimensão interfluvial). Em um segundo nível de abordagem, foi empreendida a inserção de símbolos representativos de feições morfológicas e processos atuais (escarpas, vales estruturais, rebordos erosivos, anomalias de drenagem, etc), permitindo uma interpretação abrangente do relevo da área de estudo em suas formas e processos, pretéritos e atuais.

Palavras chaves

Cartografia geomorfológica; Planalto de Campo das Vertentes; Depressão do Rio Pomba

Introdução

Consensualmente, um marco decisivo no desenvolvimento da cartografia geomorfológica no Brasil se consubstanciou no mapeamento morfológico e geomorfológico levado a efeito pelo Projeto RADAMBRASIL (1983), estruturado em quatro fases fundamentais que perpassaram a interpretação e mapeamento do relevo brasileiro ao milionésimo (BARBOSA, 1983), pelas quais os procedimentos metodológicos foram sendo progressivamente aperfeiçoados. Proposições subsequentes e mesmo concomitantes ao RADAMBRASIL contribuíram sobremaneira para o avanço e aperfeiçoamento da cartografia geomorfológica brasileira no plano regional e local (CEPLAB, 1980; PONÇANO et al. 1981; ROSS, 1992; ROSS e MOROZ, 1995; NUNES et al. 1994; ARGENTO, 1995; CUNHA, 2012; SAMPAIO e AUGUSTIN, 2014; MARQUES NETO et al. 2015). A existência de propostas relevantes, entretanto, não imuniza a cartografia geomorfológica praticada no Brasil de uma falta de padronização como ocorre com os mapeamentos geológicos e de solos. Geralmente, as propostas e aplicações práticas lançam mão de recursos gráficos distintos, incorporados de diferentes propostas metodológicas, e priorizam mais enfaticamente um determinado atributo do relevo em detrimento de outro. Na mesma linha, a forma de organização das informações morfológicas, morfométricas, morfodinâmicas, morfoestruturais e morfocronológicas, tanto no mapa como na legenda, costumam divergir de um trabalho para outro. Multiplicam-se os trabalhos locais, para um município, bacia hidrográfica ou outra unidade de interpretação; em contrapartida, as proposições regionais dão sinais de estagnação, rompidas por poucos trabalhos de fôlego, como o de Cunha (2012) para o litoral paulista. Na presente comunicação, o que se apresenta são os resultados parciais do mapeamento geomorfológico levado a efeito para a Folha Juiz de Fora na escala de 1/250.000, que perfaz uma cobertura regional abarcadora de importantes regiões geomorfológicas: Planalto dos Campos das Vertentes, Serra da Mantiqueira (região das Serranias da Zona da Mata Mineira) e Vale do Paraíba do Sul, abrangendo a região das cristas estruturais e das depressões interplanálticas. O resultado cartográfico final consiste em um mapa de grandes dimensões, inviável em sua publicação integral, motivo que nos impeliu a apresentar o mapeamento do quadrante NW da folha, depositário de sistemas geomorfológicos de relevância na interpretação da evolução regional do relevo que se materializam nos contatos erosivos entre o Planalto dos Campos das Vertentes e a Depressão do Rio Pomba, abrangendo ainda alinhamentos da Serra da Mantiqueira em sua porção setentrional, e que na região aparecem na forma de interflúvios estreitos e obliterados pela frente erosiva aberta pelos rios Pomba e Xopotó. A existência do contato entre estas importantes unidades geomorfológicas regionais, com processos geomórficos entrecruzados e sobrepostos, foi critério crucial na seleção da área para interpretação e representação cartográfica do relevo. A cimentação metodológica do presente projeto esteve centralmente assentada na metodologia “oficial” proposta pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (NUNES et al., 1994) adaptada ao mapeamento regional, acessoriamente integrada a outras abordagens, conforme doravante exposto.

Material e métodos

A referência metodológica central foi estabelecida na proposição de Nunes et al. (1994). As grandes unidades regionais tiveram seus traçados mantidos em conformidade àqueles propostos pelo Projeto RADAMBRASIL (1983), imputando algumas subdivisões exequíveis em função da maior escala utilizada. A metodologia de Nunes et al. (1994) se estrutura em um ordenamento têmporo-espacial dos fatos geomórficos organizado em domínio morfoestrutural, região geomorfológica, unidade geomorfológica, modelado, e formas de relevo simbolizadas, atendo-se aqui ao mapeamento dos modelados em padrões de formas semelhantes (sensu ROSS, 1992) contidos nas unidades geomorfológicas, e sobre os quais foram inseridos os símbolos. As bases utilizadas foram a Folha Juiz de Fora, escala 1/250.000 (SF-23-X-D) e suas respectivas composições em imagem de satélite TM-Landsat e radar SRTM (Shuttle Radar Topography Mission). Sobre os produtos de sensoriamento remoto foram feitas poligonizações a partir das diferenciações texturais, obtendo-se as morfologias agradacionais mais desenvolvidas e as separações entre os modelados de dissecação homogênea e em controle estrutural. Sobre a base planialtimétrica foi mensurada a declividade nos seguintes intervalos: <6%; 6 – 15%; 15 – 30%; 30 – 45%; >45%, e o documento cartográfico foi gerado em ArcGIS. A profundidade de dissecação foi calculada em metros a partir da diferença altimétrica entre o ponto cotado ou curva de nível superior e a linha do talvegue; a dimensão interfluvial foi obtida pela medição da distância entre duas linhas erosivas e pontos de surgência hídrica. A profundidade de dissecação foi associada à declividade para o estabelecimento da nomenclatura das morfologias denudacionais em consonância à proposição de Ponçano et al. (1981), acatando a subdivisão proposta por Nunes et al. (1994) dos modelados de dissecação homogênea e em controle estrutural. Também foi objeto de leitura integrada à dimensão interfluvial, compondo-se a matriz de dissecação com a profundidade de dissecação nas linhas e o tamanho dos interflúvios nas colunas, estabelecendo-se 25 correlações organizadas em sistema binário no qual a correlação 1/1 representa o quadro de menor fragilidade potencial e o cruzamento 5/5 o quadro mais significativo. A integração de tais parâmetros permite a incorporação no mapa de informações de cunho morfodinâmico, conforme consta em diversas propostas metodológicas (RADAMBRASIL, 1983; ROSS, 1992; NUNES et al. 1994; CUNHA, 2012). Os padrões morfológicos mapeados foram representados por uma conjugação de letras maiúsculas e minúsculas, as primeiras representativas dos tipos genéticos – Dissecação Homogênea (D), Dissecação em Controle Estrutural (DE) e Agradação (A), e as demais representativas dos padrões de formas. Assim, unidades de relevo padronizadas em morros foram simbolizadas por Dm, em morrotes Dmr, e assim por diante. À frente das letras foram inseridos os índices de dissecação, agregando-se informações morfométricas e morfodinâmicas da legenda ao mapa. Por último, foram inseridos os símbolos, o que permitiu a representação de fatos geomórficos inerentes a táxons de maior detalhe. A interpretação de tais feições se deu nas bases planialtimétricas e nos produtos de sensoriamento remoto, e permitiu a incorporação de informações morfológicas complementares, bem como de caráter morfoestrutural. Vários autores vêm adotando o emprego de tais recursos gráficos para a representação do relevo em diferentes escalas (TRICART, 1965; NUNES et al., 1994; GUSTAVSSON e KOLSTRUP, 2009; CUNHA, 2012). O documento cartográfico final foi editado em ArcGIS, tendo sido feita a digitalização sobre as bases planialtimétricas preenchidas. Foram mantidas curvas de nível mestras a cada 200 metros para fins de inserção de informações altimétricas, sendo que o referido intervalo foi o que melhor permitiu, sem comprometer a legibilidade das demais informações, a diferenciação altimétrica entre os diferentes compartimentos e superfícies geomórficas associadas.

Resultado e discussão

A porção NW da Folha Juiz de Fora compreende três regiões geomorfológicas (sensu RADAMBRASIL, 1983) que se interseccionam estreitamente na interpretação da evolução regional do relevo, quais sejam: Planalto dos Campos de Vertentes, Vale do Rio Paraíba do Sul e Mantiqueira Setentrional (figuras 1 e 2). Afigura também na região o contato entre a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul e do rio Doce, estabelecido em interflúvios estreitos mantenedores dos últimos controles interioranos vinculados à Serra da Mantiqueira que avança residualmente na forma de estreitos esporões fartamente erodidos pela vaga erosiva dos rios Pomba, Muriaé e Xopotó. Nivelada diretamente ao Oceano Atlântico, a agressividade erosiva da drenagem integrante da bacia do rio Paraíba do Sul provocou um rebaixamento mais expressivo da Mantiqueira ao longo da denudação cenozoica em detrimento do seu ramo meridional, onde o basculamento para NW definiu um nível de base interior além do gráben do Vale do Paraíba, a leste. Aspectos importantes da evolução regional do relevo no contato entre a Serra da Mantiqueira, o Planalto de Campos das Vertentes e a Depressão do Rio Pomba foi discutido por Oliveira (2012), com ênfase na evolução dos sistemas fluviais. Dois compartimentos planálticos se subnivelam na região, secionados pela passagem dos rios Pomba e Xopotó. A região da Mantiqueira Setentrional é formada por cristas residuais vinculadas a horsts descontínuos, porém alinhados, festonados pela epigenia exercida pelos rios retrocitados, associadas a morros de dissecação média a forte. Na porção norte da área de estudo, a Serra da Mantiqueira se nivela ao Planalto dos Campos das Vertentes na faixa de 900 metros, verificando-se um decréscimo das altitudes rumo Sul numa ordem de 200 metros, diferenciando-se outro nível planáltico, o superior resguardando as cabeceiras do rio Doce, e outro pelo sul dissecado pelo alto curso do rio Pomba e Novo. A faixa limitante é dada pela passagem da crista intensamente erodida da Mantiqueira que exerce marco interfluvial, havendo assim um contato eminentemente erosivo entre a depressão e o planalto, aspecto morfogenético representado pelo símbolo designado rebordo erosivo. Os compartimentos de planalto encontram-se eficientemente dissecados pelos rios Pomba e Xopotó. As depressões abertas por ambos encontram-se niveladas em torno de 500 metros de altitude até o final do médio curso do rio Pomba. A Depressão Interplanáltica do Rio Xopotó se aloja entre os remanescentes disjuntos da Mantiqueira, sendo a afluência no rio Pomba dada abaixo de 300 metros, nitidamente controlada pelo alinhamento da Mantiqueira Setentrional, coincidindo com a garganta epigênica aberta pelo coletor principal. A passagem deste pelos alinhamentos estruturais da Mantiqueira se traduz em escalonamentos que formam trechos de corredeiras, com aumento da energia da corrente e supressão das avantajadas planícies fluviais que o rio mantinha no seu alto-médio curso, cenário que precede a passagem para outro bloco nivelado a 300 metros. Nas depressões, os modelados dominantes são dados por morros convexos e suavizados e morrotes, sobretudo nas proximidades do Planalto dos Campos das Vertentes, emergindo tipicidades colinosas a leste, até a emergência das cristas alongadas da Mantiqueira. Em caráter mais específico, os modelados de dissecação em controle estrutural (DE) correspondem a cristas alongadas, geralmente assimétricas, pertencentes às Serranias da Zona da Mata Mineira, entre as quais os pilares tectônicos da Serra do Relógio e da Boa Vista figuram como feições estruturais de destaque que, juntamente a outros alinhamentos de cristas, mantém paralelismo e orientação geral NE-SW sinalizando reativação de falhas durante o rifteamento plataformal. Trata-se do horst da Serra da Boa Vista, segundo acepção de Noce et al. (2003), com cerca de 20 km de comprimento e desníveis em relação às unidades adjacentes que superam 300 metros. Atualmente estas cristas encontram-se um tanto sinuosas em função dos processos erosivos na base, mas ainda mantém contato com os compartimentos emoldurados em morfologias convexas mediante rupturas de declive. Os modelados convexos que se associam às serranias denotam avanço e homogeneização da dissecação das Serranias da Zona da Mata Mineira, mas ainda assim revelam heranças de um controle estrutural através de aspectos como alinhamento dos topos e vales retilíneos com drenagem retangular, evoluída mais contundentemente para dendrítica a subdendrítica na medida em que o processo de convexação se generaliza. Esta unidade também se consubstancia, em grande medida, nas litologias gnáissico-enderbíticas e charnockíticas paleoproterozoicas do Complexo Juiz de Fora, que estabelece contato por falhas com os terrenos gnáissicos e quartzíticos pertentecentes ao Complexo Mantiqueira e Megassequência Andrelândia. Os modelados de dissecação homogênea (D) se afiguram em morfologias dominantemente convexas, com esfoliação esferoidal avançada em litologias gnáissico-graníticas e aprofundamento do manto de intemperismo com formação generalizada de minerais de argila e franca pedogênese latossólica. No Planalto dos Campos das Vertentes predominam os modelados em morros associados ou não a morrotes, com entalhe vertical médio a fraco. Nas depressões, a dissecação vertical em geral é mais branda e os declives são menos acentuados com uma maior profusão de relevos colinosos e de morros com encostas mais suavizadas, materializando-se diferenciações morfométricas e morfológicas fundamentais entre os modelados de dissecação de uma unidade geomorfológica para outra. A dissecação regional é eficiente, com a presença de vales estruturais semiconfinados a vales mais abertos que aportam morfologias agradacionais (A) mais expressivas, fundamentalmenete o rio Pomba e afluentes, que apresentam zonas de estocagem sedimentar ainda no Planalto dos Campos das Vertentes, e que se tornam mais expressivas no compartimento depressionário, atingindo amplo desenvolvimento no alto curso do rio Pomba. São sedimentos argilo-arenosos organizados nas planícies fluviais ativas em depósitos de acreção lateral e vertical, em parte preservados em terraços ou desconfigurados em seus níveis mais elevados, onde se encontram submetidos à dinâmica de vertente, conforme detalhado nos estudos de Oliveira (2012). Duarte et al. (2010) reconhecem caráter anômalo nas dimensões destas planícies de alto curso, atribuindo parte de seu amplo desenvolvimento a processos erosivos nas vertentes catalisados pelas transformações humanas, o que estaria favorecendo o transporte de materiais sedimentares para os fundos de vale e calhas fluviais. As planícies se desenvolvem no contato erosivo planalto/depressão, área de grande interesse para os estudos geomorfológicos regionais, uma vez que retrata elementos importantes da evolução e dinâmica do relevo em bordas planálticas, com processos específicos vinculados a faixas de contato, bem como à natureza do contato entre os compartimentos geomorfológicos regionais. Inequivocamente, o Planalto dos Campos das Vertentes em sua borda leste vem sendo “mordido” por forte erosão remontante, que vem aumentando a área das bacias dos rios Pomba e Doce, cujas cabeceiras estão posicionadas em diferentes superfícies geomorfológicas, cuja evolução vem engendrando um paulatino estreitamento da linha interfluvial e obliterando as superfícies de cimeira remanescentes. O uso de símbolos para a representação de morfologias específicas e processos geomórficos foi de grande valia para uma representação resoluta da evolução do relevo no contato do planalto com as depressões, posto que seu rebordo erosivo e as escarpas recuadas se fizeram objeto de espacialização, denunciando claramente a vaga erosiva retrabalhando as bordas planálticas. Os recursos gráficos simbolizados, como as curvas de nível mestras e suas respectivas cotas, admitiram ainda a espacialização das principais superfícies geomórficas da região segundo a altimetria das mesmas.

Figura 1

Mapa Geomorfológico da porção NW da Folha Juiz de Fora (1/250.000)

Figura 2

Legenda do mapa geomorfológico da porção NW da Folha Juiz de Fora (1/250.000)

Considerações Finais

Esforços voltados para o mapeamento geomorfológico regional se firmam como estratégicos para o desenvolvimento da cartografia geomorfológica, tanto no campo metodológico como na necessidade de cobertura sistematizada dos vastos espaços brasileiros. A escala de 1/250.000, nesse contexto, permite a interpretação e representação da espacialidade do relevo em grandes áreas mantendo um conjunto considerável de informações. Projetando-se dos níveis topológicos para as ordens de grandeza regionais, a escala em questão permite o discernimento dos compartimentos fundamentais e sua cronologia (pelo menos relativa), o reconhecimento dos modelados neles contidos segundo seus tipos genéticos e a diferenciação destes em padrões de formas a partir de seus aspectos morfométricos. Ainda, admite o uso de símbolos na representação de fatos geomórficos e a incorporação de informações morfoestruturais e morfodinâmicas por vezes pertencentes a níveis taxonômicos mais detalhados. Por fim, o sistema metodológico utilizado se mostrou adequado ao mapeamento geomorfológico em escala regional, tendo sido possível a conjugação de todas as suas etapas, resultando em documento cartográfico resoluto para dar aporte a interpretações dos sistemas geomorfológicos aqui estimados. No plano da representação de diferentes níveis planálticos e de depressões interplanálticas, os escalonamentos e contatos foram representados mediante o uso de cores, de informações altimétricas e de símbolos gráficos, revelando de forma contundente os aspectos tidos como centrais na interpretação do significado geomorfológico regional.

Agradecimentos

Referências

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