Autores
B. Soares Neto, G. (IFB) ; M. S. Faria, K. (UFG)
Resumo
A importância da geomorfologia em geociências e áreas afins faz com que os geomorfólogos busquem a representação da superfície terrestre o mais próximo da realidade. O presente trabalho apresenta uma metodologia que permite uma maior acurácia na representação do modelado terrestre. Com o uso de dados topologicamente coerentes foi possível modelar em ambiente SIG estruturas que possibilitam uma melhor interpretação dos dados morfológicos e descrição dos dados morfométricos. A área escolhida para a aplicação da metodologia foi a unidade hidrológica Sonhém, com 207 km², localizada ao norte do Distrito Federal, e por estar inserida em terreno, em sua maior parte declivoso e com elevado índice de dissecação, foi possível testar a metodologia aplicando uma diversidade de intervalos para as classes geomorfométricas e morfológicas.
Palavras chaves
Cartografia Geomorfológica; Sistema de Informação Geográfica; Geomorfometria
Introdução
Com o uso das técnicas de geoprocessamento para o desenvolvimento do mapeamento geomorfológico, possibilita-se maior eficácia na modelagem dos compartimentos do relevo, assim, subsidiando outras áreas do conhecimento que se faz em uso da geomorfologia para o seu desenvolvimento. Uma das técnicas de análise espacial que permite a analise geomorfológica em ambiente SIG (Sistema de Informações Geográficas) é o MDE (Modelo Digital de Elevação), que possibilita uma análise tridimensional do terreno através de modelos matemáticos, além de permitir a extração de atributos morfométricos viabilizando uma caracterização detalhada da área de estudo. O geoprocessamento pode ser definido como sendo o conjunto de tecnologias destinadas à coleta e ao tratamento de informações espaciais, assim como o desenvolvimento de novos sistemas e aplicações envolvendo: a cartografia digital; o processamento digital de imagens; e os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) (Longley et al, 2001). Já a Cartografia Digital (CD) pode ser compreendida como um conjunto de ferramentas, incluindo programas e equipamentos, orientado para a conversão para o meio digital, armazenamento e visualização de dados espaciais. Um sistema de Cartografia Digital tem como ênfase a produção final de mapas. A Cartografia Digital pode ser vista como uma parte de um Sistema de Informações Geográficas (Blatchford e Rhind, 1989, in Taylor, 1991), tendo em mente que os mapas são o centro para todos os SIGs. Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um método classificação do relevo a partir de métricas de amplitude altimétrica, declivadade e outros parâmetros geomorfométricos, permitindo uma representação mais factual do modelado terrestre.
Material e métodos
Para desenvolvimento e elaboração dos produtos obtidos, foram necessários o uso de softwares que possibilitaram a integração de dados geográficos e a compilação de bases de dados que permitiram a análise e interpretação dos elementos necessários para a representação geomorfológica da área estudada. Assim, a base e os softwares usados foram: *Curvas de nível com equidistância de 5 metros (Fonte: CODEPLAN ); *Base Hidrológica em escala 1:10.000 (Fonte: CODEPLAN); *Pontos cotados em escala 1:10.000 (Fonte: CODEPLAN); *Limites das Unidades Hidrológicas do Distrito Federal em escala 1:10.000 (Fonte: CODEPLAN); *Imagem aerotransportada e ortorretificada com precisão de 1 metro (Ano de aquisição 2009/UnB); *Plataforma ArcGis, desenvolvida pela ESRI. O estudo da geomorfologia visa compreender os processos pretéritos e atuais das formas do relevo, apresentando-se, portanto, como uma ciência que fornece subsídios importantes para apropriação racional do relevo (CASSETI, 1995). O relevo é produto das forças antagônicas, sistematizadas pelas atividades tectogenéticas (endógenas) e mecanismos morfoclimáticos (exógenos), constitui-se, portanto, das condições de equilíbrio reinantes na litosfera, ou seja, no substrato de todos os equipamentos implantados pelo homem (SAADI, 2004; CASSETI, 1995). Tricart (1965), ao discutir o mapeamento geomorfológico, enfatiza as feições a serem representadas segundo a escala adotada. As cartas em pequena escala, como 1:1.000.000, 1:500.000, se orientam essencialmente para os fenômenos morfoestruturais (dobramentos e falhamentos). Já as cartas em grande escala, como 1:5.000, 1:10.000, 1:25.000, são capazes de registrar fenômenos ou formas com algumas dezenas de metros de comprimento, possibilitando a representação de formas específicas como voçorocas, lóbulos de solifluxão etc. A definição da escala de representação determinará o grau de complexidade do fenômeno observado. Sendo assim, a escala mais pertinente escolhida para representar os elementos morfológicos da área de estudo será uma escala de elevada grandeza (1/25.000). Essa escala permitirá a identificação de elementos morfométricos (declividade, curvatura, orientação e outros) e de formas de processos atuais (cicatrizes de deslizamentos, ravinas e boçorocas). Para a elaboração do mapa geomorfológico adotou-se os padrões da União Geográfica Internacional, que se baseia em quatro parâmetros: morfometria (altimetria, dimensões, desníveis e extensões); morfologia (formas do perfil, convexidades, retilinidade, rupturas, topos, fundos de vale, etc.); gênese (degradação ou agradação) e; cronologia relativa (idade relativa das formas e processos). Devido à necessidade de um maior período para observação e análise, o quarto parâmetro não foi levado em consideração para representação final do mapa geomorfológico, pois como afirma Cooke e Doornkamp (1990), identificar a idade das formas de relevo é uma das tarefas mais difíceis em Geomorfologia. A determinação taxonômica foi baseada em Ross (1992), que propõe uma classificação em seis níveis de representação, com base na morfologia e na gênese. A identificação e a classificação das formas do relevo, necessariamente implicam considerar a gênese, a idade ou ainda os processos morfogenéticos atuantes (Ross, 1992). A questão da escala de tratamento ou de representação se constitui na premissa básica para o grau de detalhamento ou de generalização da informação. Levando em consideração a proposta taxonômica definida por Ross (1990) e ao nível de informação a ser abordado no presente trabalho, classificou-se a partir do quarto táxon, entendendo que para descrever tais feições, como dados morfométricos e processos atuais, seria necessária a abordagem de tais táxons.
Resultado e discussão
Para a representação dos dados morfográficos, foi necessária a
caracterização e interpretação dos elementos além de valores
geomorfométricos da área.
Para Florenzano (2008), morfometria é a caracterização do relevo por meio de
variáveis quantitativas, também denominadas índices geomorfométricos.
Podemos, assim, entender que o estudo da morfografia é o ponto de partida
para o entendimento e classificação das feições geomorfológicas.
Essa autora afirma, ainda, que a morfometria refere-se aos aspectos
quantitativos do relevo, como as variáveis relacionadas às medidas de
altura, comprimento, largura, superfície, volume, altura absoluta e relativa
(declividade), curvatura, orientação, densidade e frequência de suas formas.
Para representação dos dados geomorfométricos, foi necessária a elaboração
do modelo digital de elevação (MDE), do qual podem ser extraídos tais dados.
Para Valeriano (2008), modelos digitais de elevação são arquivos que contêm
registros altimétricos estruturados em linhas e colunas georreferenciadas,
como uma imagem com um valor de elevação em cada pixel. Assim, percebe-se
que embora os MDE´s sejam um elemento fundamental para o conhecimento e
caracterização do relevo, muito de sua utilização numérica recai sobre as
variáveis que ele pode determinar (declividade, amplitude, curvatura,
direção e outros).
Os dados geomorfométricos de primeira ordem representados foram a altitude,
declividade e orientação de vertente que a partir da sua integração,
permitiram a caracterização de elementos morfológicos da área de estudo
(Figura 1).
Para caracterização das vertentes foram determinadas as curvaturas
horizontais e verticais, as quais, a partir sua integração, possibilitaram a
representação das formas do relevo. Por representar uma derivada de segunda
ordem da altimetria, após a obtenção do resultado de cada célula para
obtenção do resultado das curvaturas devem-se relacionar pixels vizinhos a
partir da seguinte expressão: Curvature = -2(D + E) * 100
A obtenção da curvatura vertical deu-se a partir da análise das células no
sentido do eixo X, assim, por meio da variação dos valores das células em
uma distância horizontal. A curvatura horizontal foi obtida a partir da
análise da variação dos valores das células no sentido do eixo Y, por meio
da variação dos valores das células em uma distância vertical. Já as formas
do terreno são obtidas a partir da combinação entre as curvaturas
horizontais e verticais (Figura 2).
Entende-se como morfografia os aspectos descritivos (ou qualitativos) do
relevo, representados pela sua forma e aparência (Florenzano, 2008). Assim,
para a representação das macroformas do relevo são levados em consideração
os seus elementos métricos que, quando analisados em conjunto podem
determinar sistemas de relevo diferenciados.
Para definição das características das unidades de relevo, foram
estabelecidos critérios de classificação adaptados do IPT (1981). Os
principais critérios adotados foram a amplitude local de cada forma, isto é,
a altura máxima entre o topo e o nível de base local (fundo do vale), e a
declividade das encostas. A amplitude foi obtida a partir dos valores de
altitude encontrados quando se subtrai o menor valor (que determina o nível
de base da bacia) de todos valores altimétricos, levando a zerar o menor
valor e fazendo com que representasse a maior altura local. O resultado foi
representado em intervalos de 0 a 100m, 101 a 300m e maior que 300m. Já para
a declividade, tal qual como adotado pelo o IPT, adotou-se o intervalo de 0
a 15% e maior que 15%.
Para determinar as unidades do relevo foi feita uma análise de sobreposição
usando os intervalos de declividade associados ao de amplitude. Foram
propostos valores para a amplitude e declividade em que a soma dos mesmos
determinaram a representação dos sistemas de relevo conforme indicado na
Tabela 1.
Os processos atuais referem-se às formas menores resultantes da ação dos
processos erosivos atuais ou dos depósitos atuais. Tem-se como exemplo, as
formas associadas às intervenções antropogênicas ou naturais, como as
voçorocas, ravinas, cortes de taludes, escavações, depósitos tecnogênicos
como assoreamentos, aterros, “bota-foras”, ou as consideradas naturais, como
cicatrizes de escorregamentos, bancos de deposição fluvial, dentre outros
(Casseti, 2005).
A identificação dos processos atuais se deu a partir da interpretação e
análise dessas feições em fotografia aérea de precisão de 1 metro e
ortorretificada. Foram criadas formas lineares, em ambiente SIG, para que,
posteriormente, fossem sobrepostas às feições morfológicas, caracterizando
assim o sexto táxon proposto por Ross (1992).
Para Annakein (1956) apud Troppmair & Mnich (1969) as cartas geomorfológicas
são basicamente de três tipos:
#cartas morfográficas – quando se preocupam apenas em representar as
diferentes formas topográficas;
#cartas morfométricas – quando a preocupação central é fornecer os
valores quantitativos das formas topográficas;
#cartas genéticas – representam a gênese das formas topográficas,
bem como a cronologia dos processos genéticos.
O mapa geomorfológico final foi definido levando em consideração dados
morfográficos, morfométricos e genéticos, em que para haver a sua análise
conjunta foi necessária a integração dos dados em ambiente SIG. Associou-se
para cada tipo de relevo sua genética atuante e as predominâncias
morfométricas (orientação e formas).
Para cada tipo de relevo, analisando-os de forma individual e com a
interpretação dos histogramas, foram determinados os padrões de
predominância quanto à forma e orientação, além de apontar se há ocorrência
ou não de processos ativos (erosão).
Assim, munido das predominâncias dos dados morfométricos junto com a
ocorrência ou não de processos ativos para cada tipo de forma, foi possível
construir a legenda e a representação do mapa geomorfológico, determinando
os dados morfométricos, morfológicos e morfogenéticos do relevo (Figura 03).
Valores determinados para a amplitude e declividade que possibilitou a representação dos sistemas de relevo.
Dados geomorfométricos derivados de primeira ordem.
Dados geomorfométricos derivados de segunda ordem.
Mapa Geomorfológico da Unidade Hidrográfica do Sonhém-DF construído a partir de dados geomorfométricos.
Considerações Finais
A falta de uma padronização na representação geomorfológica associada a peculiaridades do processo de obtenção dos dados que caracterizam a superfície, podem ser apontados como fatores que dificultam a elaboração das cartas geomorfológicas. Mas alguns elementos, como a geoinformação, podem tornar a análise dessas cartas mais rápidas e diminuir a dificuldade no processo de interpretação da morfologia. O controle na obtenção da base de dados, compreendendo como ela foi gerada para evitar inconsistências topológicas, foi um dos elementos que permitiu chegar a um resultado satisfatório. Outro fator positivo foi deter o conhecimento teórico do modelado do relevo que permitiu, em ambiente SIG, integrar os dados certos possibilitando a modelagem adequada para a representação da superfície. Cabe ressaltar que, mesmo com o uso das geotecnologias, foi fundamental o conhecimento teórico e prático da área de estudo. O uso de imagens de elevada resolução espacial associado a visitas de campo evitaram a permanência, no resultado final, de pequenas inconsistências que acabaram sendo geradas pelo modelo. E, por fim, podemos concluir que o método aplicado obteve resultados positivos, visto que, métodos tradicionais, que faziam a padronização da morfologia, principalmente pela análise visual, acabavam não mantendo um padrão das classes identificadas do relevo, possibilitando, assim, a incoerência dos dados analisados.
Agradecimentos
Referências
CASSETI, Valter. Geomorfologia. [S.l.]: [2005]. Disponível
em: <http://www.funape.org.br/geomorfologia/>. Acesso em 18 de dezembro de 2010.
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COOK, R. U. ; DOORNKAMP, J. C. Geomorphology in environmental management: an introduction.2 ed. Oxford: Claredon Press, 1990. 413p.
FLORENZANO, T. G (org.). Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.
IPT. Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo. Escala 1:500.000. IPT, São Paulo. Vol. I. Programa de Desenvolvimento de Recursos Minerais, São Paulo, 1981.
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SAADI, A. A geomorfologia como ciência de apoio ao planejamento urbano em Minas Gerais. 2004. Disponível em: http://www.igc.ufmg.br/geonomos/PDFs/5_2_01_04_Saadi.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2010.
TAYLOR, D.R.F. Geographical Information Systems: The microcomputer and modem cartography. Oxford, England, Pergamon Press, 1991, 251p.
TRICART, J. Principes et méthodes del geomorphologie. Paris:Masson Ed., 201p, 196p.