Autores
Frechiani, J. (BACHARELA EM GEOGRAFIA (UFES)) ; Marchioro, E. (PROF. DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (U)
Resumo
O agente humano, atualmente, tem importância igual aos naturais quando se analisam os fatores que contribuem para a formação do relevo. As alterações geomorfológicas ocorridas no distrito de Itaoca, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), resultantes da modificação antropogênica causada pela mineração, criam ambientes artificiais, em um intervalo de escala temporal curto, 1970 e 2012, períodos analisados neste artigo. Os parâmetros estudados para verificar as transformações nas encostas foram: elevação, orientação das vertentes, curvatura vertical, curvatura horizontal e formas de terreno. A partir dos resultados, observou-se, no ano de 1970, que a morfologia na área 1 estava caracterizada sob uma superfície ondulada, e, em 2012, que há o aplainamento superficial, gerando maior capacidade de infiltração. Ao observar a área 2, nota-se a transformação, com a expansão da forma planar, como na área 1; ou seja, a vertente foi intensamente explorada pela mineração, provocando redução na elevação.
Palavras chaves
Antropogeomorfologia; Mineração; Mapeamento Geomorfológico
Introdução
O homem se colocou em uma posição de destaque como agente transformador da paisagem, provocando a alteração da morfologia do relevo da terra, resultando em processos geomorfológicos de origem antrópica, denominada de “antropogeomorfologia” (PEREZ; QUARESMA, 2011). Neste sentido, uma das atividades mais modificadoras da morfologia do relevo é a mineração, que ocupa posição de destaque na exploração de rochas ornamentais no Brasil. Dentro desse âmbito, encontra-se o estado do Espírito Santo como um dos principais exploradores de rochas ornamentais em diferentes porções do seu território. De acordo com o Atlas de Rochas Ornamentais do Estado do Espírito Santo (2013), das 26 maiores empresas brasileiras exportadoras de rochas ornamentais com faturamento superior a US$ 10 milhões em 2007, 21 encontram- se instaladas no Espírito Santo, que concentra mais da metade do parque industrial brasileiro. Tal característica evidencia uma vocação do Espírito Santo para uma forte extração mineral associada ao mármore e ao granito, em diferentes porções do território capixaba, refletindo-se não apenas em problemas ambientais, mas também na evolução antropogênica do relevo terrestre. Dentre os territórios capixabas de exploração de mármore, pode-se destacar o distrito de Itaoca, no Município de Cachoeiro de Itapemirim (ES), que é responsável atualmente por 12,58% de exportações capixabas de blocos (CENTRO ROCHAS, 2014). Em função do quadro de produção de rochas ornamentais do Estado do Espírito Santo e principalmente de Cachoeiro de Itapemirim, que também é denominada como a “capital capixaba do mármore”, este trabalho justifica-se pela contribuição sobre o conhecimento da evolução antropogênica do relevo associada à extração mineral de rochas ornamentais no distrito de Itaoca, entre o período de 1970 e 2012. O município de Cachoeiro de Itapemirim encontra-se localizado no sul do Espírito Santo e, segundo IBGE (2013), possui uma área de 878,179 km² e 205.213 habitantes. De acordo com a Prefeitura Municipal, Cachoeiro de Itapemirim é formado por onze distritos atualmente, sendo eles: Córrego dos Monos, Coutinho, Gruta, Cachoeiro de Itapemirim, Burarama, Conduru, Gironda, Itaoca, Pacotuba, São Vicente e Vargem Grande do Soturno. O clima de Itaoca é classificado como Tropical, com pluviosidade média de 1.200mm, sendo influenciado pela incidência das massas de ar Polar Atlântica, Massa Equatorial Continental, Tropical Atlântica e pela Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). O relevo é caracterizado entre ondulado e montanhoso escarpado, e faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio Itapemirim. O uso e cobertura da terra de Itaoca é predominantemente formada por pastagem, mineração, mata nativa e mata em estágio de regeneração (PEREZ; QUARESMA, 2011).
Material e métodos
Para maior entendimento da temática, foi considerada a Teoria Geral de Sistemas como base teórica. Segundo Christofoletti (1980) um sistema é um operador que em determinado lapso de tempo recebe a entrada, alimentando o sistema (input) e transformando-o em saída (output). A influência antrópica está dentro de sistemas controlados, que são aqueles que terão na ação humana a maior influência nos sistemas processo-resposta. Dentro desse contexto encontra-se a exploração de rochas ornamentais, que provoca alterações geomorfológicas nas vertentes através de cavas que causam rupturas bruscas na declividade da paisagem. O conceito sobre Antropogeomorfologia adotado neste trabalho foi formulado em 1983 por Nir, em seu livro Man, A Geomorphological Agent An introduction to anthropic geomorphology, que é até hoje o livro de referência para estudos morfológicos. No Brasil, o conceito começou a ser discutido por Cleide Rodrigues em 1997, em sua tese de doutorado denominada de Geomorfologia Aplicada ao Planejamento Físico Territorial Brasileiro. Rodrigues (2005) reforça a importância de considerar os diversos aspectos que corroboram na alteração da paisagem, assim como elementos antrópicos e originais. De acordo com a autora, a morfologia original é entendida como o meio físico que não sofreu alterações significativas (sem dimensões métricas) da ação antrópica, fase considerada como "pré-perturbação". A morfologia antropogênica está associada à ação humana, sendo considerada pelas fases de "perturbação ativa ou de pós perturbação", ou seja, onde já é visível a mudança da paisagem pela atividade humana e essas transformações de controle antrópico podem ser identificadas, mensuradas e avaliadas" (RODRIGUES, 2005. Para a pesquisa desenvolvida neste artigo, foi preciso ampliar a compreensão das alterações impostas pela mineração, sendo necessário a criação de uma cartografia geomorfológica evolutiva entre o período da década de 1970 e o ano de 2012. As fotografias aéreas de 1970 foram tomadas a partir de uma escala de 1:20.000, com intervalo de 20 em 20 metros, sendo estas não digitalizadas por um scanner fotogramétrico, fazendo-se necessário um software fotogramétrico denominado AgisoftPhotoScan na versão 1.1.6 para o processamento das imagens e consequente formação de um mosaico ortorretificado, que posteriormente foi georreferenciado pelo ArcGisTM 10.2. Já as fotografias de 2012 foram tomadas a partir de uma escala 1:10.000, com GSD (Ground Sample Distance) de 25 cm. As curvas de nível adotadas possuem intervalo mínimo de 20 em 20 metros para o ano de 1970 e de 5 em 5 metros para o ano de 2012. No entanto, para compatibilização dos dados nessas últimas, foram consideradas apenas as curvas de 20 em 20 metros, para em seguida ser criado o arquivo base raster com intervalo igual de 10 metros nos dois períodos em cada área. Para compreender de maneira mais detalhada a transformação do relevo, foram analisadas duas áreas de maior intensidade de mineração, sendo analisadas em dois períodos distintos (1970 e 2012). Todo o processamento e geração de mapas foi realizado no ArcGisTM10.2, com base na delimitação do distrito de Itaoca. Com base no raster foi possível obter informações de variáveis, tais como: elevação, declividade (ângulo de inclinação da superfície local em relação ao plano horizontal (VALERIANO, 2010, p. 85)), orientação das vertentes (descrição da estrutura de hidrologia superficial (VALERIANO, 2010, p. 84)), curvatura horizontal (caráter convergente, planar e divergente dos fluxos de matéria quando analisado em projeção horizontal (VALERIANO, 2010, p. 89)), curvatura vertical (forma côncava/convexa do terreno quando analisado em perfil (VALERIANO, 2010, p. 88)) e as formas de relevo final a partir do cruzamento de informações das duas curvaturas.
Resultado e discussão
A partir da análise do uso e cobertura da terra,observou-se que a área de
mineração para o ano de 1970
correspondia a 2,07% do distrito de Itaoca, expandindo-se, no ano de 2012,
para 4,65%. A porção nordeste e leste eram onde se encontravam as principais
áreas de mineração na década de 1970, assim como em 2012, com ampliação das
áreas de extração neste último período, tornando-se um fator determinante na
transformação na paisagem, com formação e evolução de encostas
antropogênicas.
A área de massa d'água sofreu um pequeno aumento entre os períodos estudados
e sua ampliação está associada à mineração, pois o aprofundamento da
exploração por meio da lavra em cava ou fossa atinge o lençol freático ou
funciona como área de convergência de águas superficiais e subsuperficiais
das encostas. Outra transformação relevante em Itaoca foi o aumento da
classe de mata nativa em estágio de regeneração no ano de 2012.
1) Mudança antropogênica na área 1
Esta área encontra-se localizada na porção nordeste de Itaoca, como
demonstra a figura 1 e 2, sendo uma área de intensa transformação do espaço
geográfico, no que se refere a relevo antrópico. De acordo com o DNPM
(2015), as principais substâncias extraídas são mármore e calcita. A
exploração nessa área resultou na formação de "degraus" no relevo,
intitulados neste artigo como escarpas de mineração. Também é possível
identificar a formação de "lagoas" derivadas do aprofundamento da atividade
mineradora por meio de método de fossa/cava, denominadas de “lagoas
artificiais de mineração”.
Ao analisar o mapa de orientação de vertentes, nota-se que o escoamento
superficial foi alterado devido à transformação da morfologia, contribuindo
para modificar o ritmo hidrossediementológico dos córregos adjacentes. Em
1970 há o predomínio de orientação sul e, em 2012, surgem pequenas porções
com orientação sudoeste. Na declividade, a área 1, em 1970, possuía o
predomínio de uma superfície relativamente ondulada e fortemente ondulada,
já em 2012 ocorre a evolução das superfícies planas, sendo que o baixo
ângulo de inclinação das vertentes faz com que o escoamento superficial
altere, agora fluindo em menor velocidade, com maior capacidade de
infiltração.
No mapa de curvaturas, nota-se na vertical a predominância de áreas
retilíneas em 1970 e 2012. Contudo, neste último ano, ocorre o avanço das
superfícies convexas e côncavas, sendo esta última com maior suscetibilidade
à erosão. No que se refere à curvatura horizontal, verifica-se o avanço das
superfícies convergentes (coletoras de água), permitindo uma erosão mais
efetiva e concentrada.
Como produto final da associação da curvatura vertical (côncavo, convexo e
retilíneo) e curvatura horizontal (convergente, divergente e planar),
observou-se que, em 1970, a forma predominante era a retilínea plana e
côncava plana e, em 2012, ocorre a redução destas e a ampliação da forma
convexa plana.
2) Mudança Antropogênica da Área 2
De acordo com a figura 3 e 4, esta área localiza-se ao sudoeste de Itaoca,
estando atualmente abandonada pela mineração. Segundo o DNPM (2015), a
substância que foi extraída predominantemente foi o calcário.
A extração permitiu a modificação da morfologia do relevo, com formação
visível de degraus, com recuo antrópico da vertente e o rebaixamento da
porção mais elevada do relevo. O mapa de orientação de vertentes permitiu
constatar que na década de 1970 o relevo dessa área orientava-se
principalmente para oeste e noroeste; no entanto, em 2012, a porção que era
oeste passa a ter um grau maior de detalhamento na forma das vertentes,
passando a ter novas configurações como norte, nordeste e sudoeste.
Quando se trata de declividade, a área 2 abrangia um relevo fortemente
ondulado e ondulado, não possuindo em nenhum dos dois períodos relevo
escarpado. Em 2012, ocorreu a expansão da classe suave ondulado e plano, ou
seja, a vertente foi intensamente explorada, provocando redução na elevação
da área. Na análise das duas curvaturas, destaca-se na vertical a
predominância da forma côncava, porém em 2012 ocorre o aplainamento do
relevo e a forma passa a ser predominantemente retilínea, ou seja, a
vertente é "cortada" até o plano. Na horizontal, ocorre a evolução da forma
planar.
O resultado da combinação das curvaturas possibilitou demonstrar que na
década de 1970 o relevo era distribuído de forma diversificada, com
predominância da forma côncava plana. Porém, em 2012, como já esperado,
existe o aplainamento da morfologia, ou seja, a forma predominante torna-se
a retilínea plana, onde o fluxo não é nem difuso nem concentrado, criando
assim uma nova morfodinâmica local.
Análise da orientação de vertentes, declividade e curvatura vertical da Área 1.
Análise da curvatura horizontal e formas de terreno da Área 1.
Análise da orientação de vertentes, declividade e curvatura vertical da Área 2.
Análise da curvatura horizontal e formas de terreno da Área 2.
Considerações Finais
A atividade mineradora desempenha papel fundamental na evolução do relevo no distrito de Itaoca, uma vez que contribui para mudança nos processos que atuam na morfologia do relevo, ocasionando o seu retrabalhamento em tempo histórico de curto. A ação antropogênica de mineração contribui para o surgimento de feições geomorfológicas que modificam as relações hidrológicas e erosivas das encostas, tal como as lagoas e as escarpas de mineração. Cabe salientar que não foi verificado ainda estudos que mostre de maneira clara e precisa as consequências destas novas formas sobre as taxas e intensidade de processos naturais e, novas concentrações de fluxos de matéria e água.
Agradecimentos
Referências
[ARCGIS] ArcGisTM: Software (2013). Disponível em <http://www.esri.com/software/arcgis/index.html>. Acesso em: 16 janeiro de 2016.
SARDOU FILHO,R. Atlas de rochas ornamentais do estado do Espírito Santo. :CPRM; Brasília,2013.
CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 1980.
DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral. Disponível em: Acesso em http://sigmine.dnpm.gov.br/webmap/. Acesso em: 10 out. 2015.
PEREZ-FILHO, A.; QUARESMA, C. C. Ação antrópica sobre as escalas temporais dos fenômenos geomorfológicos. In: Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 12, n. 3, 2011, p. 83-90.
RODRIGUES, C. Morfologia Original e Morfologia Antropogênica na definição de unidades espaciais de planejamento urbano: um exemplo na metrópole paulista. Revista do Departamento de Geografia, v. 17, São Paulo: Edusp, 2005, p. 101-111.
VALERIANO, M. M. Topodata: guia para utilização de dados geomorfológicos locais. São José dos Campos: INPE, 2008. (INPE-15318-RPE/818).