Autores
Ferreira, R.S. (UNIFAP) ; Santos, R. (UNIFAP)
Resumo
Este trabalho tem por objetivo mapear as áreas suscetíveis a inundação no perímetro urbano de Ferreira Gomes– AP. A metodologia consistiu na coleta de dados a partir de informações obtidas em trabalho de campo, utilizando o GPS de navegação, entrevistas com moradores e a observação das marcas das últimas inundações. O Banco de Dados Cartográficos do Exército Brasileiro, em escala de 1:25.000, e os softwares Arcgis 10.2 e Global Mapper possibilitaram a elaboração de quatro mapas do perímetro urbano de Ferreira Gomes, referentes à localização, curvas de nível do terreno, MDE e modelagem das áreas com quatro níveis suscetíveis à inundação. As geotecnologias, além de respaldar cada vez mais as medidas de controle e prevenção das inundações em áreas de risco, destacam-se como importantes instrumentos para a administração pública.
Palavras chaves
Inundação; Geotecnologias; Risco
Introdução
A região norte do Brasil sempre foi reconhecida por apresentar vasta riqueza hídrica, com destaque para a Bacia do rio Amazonas. O estado do Amapá integra esta dinâmica hidrográfica, onde ressalta-se a Bacia do rio Araguari, que ocupa um terço da área total do estado do Amapá, percorre 300 km desde sua nascente, na Serra do Tumucumaque, até sua foz, no Oceano Atlântico. No seu curso, há duas usinas hidrelétricas já instaladas e uma outra em fase de construção, além de três sedes de município. Neste contexto, outras importantes atividades atreladas ao rio são o transporte fluvial (pessoas e mercadorias) e a pesca, que abastecem e dinamizam o mercado regional. O clima da região estabelece duas estações bem definidas, o Verão Amazônico (período mais seco) e o Inverno Amazônico (período mais chuvoso – janeiro a junho). Este último registra os maiores índices de vazão dos rios e a consequente suscetibilidade das áreas de planície às inundações, ora impactadas pelas águas pluviais (IEPA 2008). A ocorrência de enchentes e inundações é considerada um processo natural do ciclo hidrológico, acontecendo perante uma conjuntura que congrega a precipitação intensa e a sobrecarga da capacidade de drenagem dos rios, o que resulta em inundações nas áreas ribeirinhas e oferece riscos para as áreas sem planejamento adequado, gerando riscos à população que ocupa o leito maior do rio (Tucci, 1993). De acordo com Tucci (2003), o rio, em geral, possui dois leitos: o leito menor, onde a água escoa permanentemente e que configura o curso regular do rio, e o leito maior, área propensa à inundação e que, dependendo da região, apresenta recorrência de cheias numa frequência média de 1,5 a 2 anos. Embora esta distinção entre os dois tipos de leito não permita maior precisão dos limites entre essas duas áreas, ela detém um significado prático muito importante à medida que é a área do leito maior aquela que normalmente sofre intervenção antrópica, por meio dos mais diferentes usos da terra (cultivo, moradia, instalações industriais, entre outras). E, neste movimento, a própria irregularidade dos eventos transforma essas áreas em áreas de risco (DELGADO, 2000). Dessa forma, o risco implica a proximidade de danos ou adversidades que podem afetar a vida dos homens (VEYRET, 2007). De acordo com Serpico et al. (2012), a utilização de dados do sensoriamento remoto e SIGs tem sido amplamente explorada para o mapeamento de áreas inundadas. As técnicas de mapeamento de áreas inundáveis utilizam, frequentemente, Modelos Digitais de Elevação (MDE) que descrevem o nível do relevo na superfície, do uso do solo, e dos diferentes elementos físicos construídos sobre a superfície topográfica (FERNANDES e MIOLA, 2013). Segundo Florenzano (2002), a modelagem dos elementos da superfície terrestre só é possível devido às técnicas de geotecnologias, que constituem ferramentas de elevada importância para tomada de decisões, pois mostram os ambientes e as suas transformações, destacando os danos causados por fenômenos naturais, como as inundações e a erosão do solo, bem como por fatores antrópicos, como os desmatamentos, as queimadas, a expansão urbana e agrícola, ou mesmo outras alterações de uso e ocupação da terra. Conforme Tucci (2003), a utilização dos mapas de inundação permite definir o zoneamento de áreas de risco no tocante às inundações. Diante de um potencial cenário de risco, a cidade de Ferreira Gomes, no estado do Amapá, destaca-se por apresentar um longo histórico de episódios de inundação. A cidade está localizada no leito maior rio Araguari, que anualmente passa por períodos de cheias, colocando em risco uma parte significativa da população. Mediante estes eventos, esta pesquisa tem por objetivo mapear as áreas suscetíveis a inundação no perímetro urbano de Ferreira Gomes (AP), propondo o zoneamento como uma ferramenta importante para integrar a gestão e planejamento do município, constituindo uma base para a prevenção e mitigação dos episódios de inundação.
Material e métodos
Área de estudo A cidade de Ferreira Gomes localiza-se no estado do Amapá, nas coordenadas geográficas lat. 00º 51’17 “N e long. 51º10’25” W, com população média de 6.901 habitantes (IBGE, 2015). Segundo Ferreira Gomes (2013), a cidade estar dividida em dois bairros Centro e Montanha e duas ocupações Ameixal e Portelinha (Fig.1). Metodologia Para alcançar o objetivo desta pesquisa, foi realizada uma organização dos dados referentes à temática, que reuniu um levantamento bibliográfico, a seleção de ortoimagens em escala cartográfica de 1:25.000, do projeto “Base Cartográfica Digital Contínua do Amapá”, de autoria do Governo do estado do Amapá e Exército Brasileiro, os dados do IBGE e a utilização dos softwares ArcGIS 10.3 e Global Mapper para fins de organização e tratamento das informações. Um trabalho de campo foi realizado, onde 12 pontos foram marcados, com GPS de navegação Garmin, nas áreas em que havia registros e vestígios de inundação. Os vestígios, como as marcas d’água nas paredes, foram medidos com uma trena e fotografados. Foram também realizadas entrevistas com 20 moradores da cidade, de forma a compreender, através dos testemunhos e relatos, a magnitude e a recorrência dos episódios de inundação no município. Com o software Arcgis, foram extraídos dados secundários das imagens matrizes de sensor SAR, tais como o MDE e curvas de nível. O tratamento destes dados permitiu a elaboração de dois mapas: o primeiro referente ao MDE e o segundo relacionado às curvas de nível. As ortoimagens SAR que foram utilizadas apresentam alta resolução (2,5m), possibilitando a extração de curvas de nível com equidistância de 0,5m para a área estudada. De acordo com Carvalho e Araújo (2008), equidistância é a distância vertical que separa duas seções horizontais consecutivas, devendo ser constante. Em Ferreira Gomes, a área considerada suscetível a inundação está inserida em uma área plana com baixa variação altimétrica, variando entre as cotas de 4,5m e 15m. Assim, uma equidistância de 0,5m foi considerada ideal para analisar a área em questão. As curvas de nível com equidistância de 0,5m, bem como os pontos plotados pelo GPS, ora referentes às altitudes, foram interpolados desde a curva de nível mais baixa até a curva de nível mais elevada, tendo como base a curva de nível na cota de altitude de 4,5m, que equivale ao nível máximo do leito menor do rio, onde o rio escoa sem indícios de enchente e inundação. Através da ferramenta 3D Vector View, do software Global Mapper, foram obtidos cálculos automáticos que geraram modelagens a partir do nível mínimo de inundação, o qual permite o aumento do nível em valores predeterminados em metros. Assim, para este trabalho, foram estabelecidos quatro níveis, em decorrência das variações de inundação que ocorrem na área estudada. Para cada nível, foi acrescido 0,5m de altitude do nível da água, estabelecendo a menor e maior área de ocorrência de inundações. Considerando que o nível da água do rio está a 4,5m de altitude e sendo este determinado como nível 0 (n0), o cálculo permite saber que: N1= n0(4,5) + 0,5m= 5 metros de aumento de altitude do nível da água. N2= N2 + 0,5m = 5,5 metros de aumento de altitude do nível da água. N3= N3 + 0,5m = 6,0 metros de aumento de altitude do nível da agua água. N4= N3 + 0,5m = 6,5 metros de aumento de altitude do nível da agua água. Este programa permite que o aumento da altitude do nível da água seja espacializado nas cotas altimétricas, o que foi comprovado mediante trabalhos de campo. As modelagens dos cálculos automaticamente gerados de cada cota, a partir do software Global Mapper, foram exportados para o software Arcgis 10.3, para a criação de camadas em polígonos, no formato shap file, para serem devidamente reclassificadas em níveis de altitude de inundação. Este procedimento possibilitou, por um lado, a elaboração de um mapa com manchas em níveis de altitude da água, e por outro, a construção de um prognóstico de inundações na área de estudo.
Resultado e discussão
Objetivando a elaboração de um mapa de inundação do perímetro urbano de
Ferreira Gomes, foram gerados mapas de apoio e consistência no que se refere
à altimetria do MDE e linhas curvas, bem como para a interpolação das curvas
de equidistância aos pontos cotados pelo GPS. Essas curvas de nível, já
georeferenciadas, auxiliaram tecnicamente a delimitação da área, respeitando
a feição e o modelo do terreno, para a posterior elaboração do mapa de
modelagem da área (Fig. 2).
Quanto maior a altitude, menor a probabilidade de inundação, devido à lei da
gravidade, que direciona a água para as áreas mais baixas. A cidade de
Ferreira Gomes, localizada no leito maior do rio Araguari, apresenta 51,37%
de sua área situada em cotas altimétricas inferiores a 15m, tornando-se,
assim, uma área suscetível à inundação. O MDE permitiu não só identificar
esses terrenos baixos, mas também traçar um panorama de suscetibilidade numa
visualização 2D (Fig.3), apreciável para uma fotointerpretação, em tela, no
processamento e tratamento das imagens, bem como para ajudar as devidas
correções da interpolação entre os dados (curvas de nível e pontos do GPS).
A geração dos dados derivados das imagens SAR, mediante a interpolação das
características altimétricas, a cotação de pontos e os relatos em campo
permitiram a modelagem, no software Global Mapper, da divisão de alcance da
água em quatro níveis, a saber: N1 – enchente; N2; N3; e N4 – inundação
(Fig. 4).
Em Ferreira Gomes, as inundações têm periodicidade de ocorrência de 1,5 a 2
anos, concordando com Tucci (2003). Dependendo dos eventos e fenômenos
climáticos, os índices pluviométricos variam, implicando na carga d’água do
rio Araguari. Assim, em termos de magnitude, há períodos em que as
inundações atingem áreas da cidade de maior ou menor extensão. O último
registro de inundação na cidade ocorreu no ano de 2015, atingindo os quatro
níveis representados na modelagem (Fig. 4). Entretanto, o alcance da
inundação nos quatro níveis ocorre com menos frequência, sendo, anualmente
apenas o N1 (enchente) recorrente. Devido a essa variação de alcance das
inundações, foram considerados quatro níveis para análise. Posteriormente,
em caráter temporal, será possível relacionar o nível de inundação anual,
gerando dados que podem ser utilizados para um planejamento ambiental e para
outros estudos.
O N1, considerado como nível de enchente, é o período que ocorre anualmente
durante estação chuvosa, conhecida como Inverno Amazônico. As enchentes são
caracterizadas pela elevação do nível d’água no canal, devido ao aumento da
vazão, atingindo cota máxima sem extravasar (TOMINAGA et al., 2011).
Os níveis N2, N3, N4 foram considerados como inundação em acordo com
Tominaga, et al. (2011), pois abrange o transbordamento d’agua do curso
fluvial, atingindo a planície de inundação ou áreas de várzea. O estado do
Amapá tem médias pluviométricas de 3.500 mm/ano, em que o pico de
concentração ocorre no inverno Amazônico, aumentado o nível dos rios no
estado. Em Ferreira Gomes, a recorrência de eventos de inundação nos níveis
N2, N3 e N4 é de, geralmente, dois anos.
O N2 foi classificado como nível de inundação, sendo possível sua ocorrência
somente após a enchente. O modelo gerou uma área de inundação que atinge,
para o N2, aproximadamente 52.724,82 m² da área urbana. O nível N3 cobre uma
área de aproximadamente 226.121,47m² e o nível N4 com cobertura de
268.694,91 m² da área urbana da cidade.
Diante das análises dos dados, constatou-se que o fluxo de inundação na
cidade inicia-se a nordeste do bairro Centro, seguindo no sentido sudoeste
até seu limite máximo, sendo este o cerne do referido bairro. A área de
abrangência de inundação corresponde ao total de 547.541,2m², equivalendo a
45% do bairro Centro, não atingindo as ocupações e o bairro Montanha. Isso
ocorre devido à posição geográfica do bairro Centro em relação ao rio
Araguari, que o margeia, bem como à sua espacialidade em altimetria inferior
a 15m. As ocupações e o bairro Montanha estão mais distantes do rio e em
cotas altimétricas mais elevadas, cuja áreas não estão presentes na
modelagem de inundação, não sendo consideras áreas suscetíveis aos riscos de
inundação pelas águas do rio Araguari.
Mediante os resultados expostos, verificou-se que, na área urbana de
Ferreira Gomes, o bairro Centro é o único com ocorrência de inundação pelas
águas do rio Araguari. Assim, com os condicionantes atuais, uma
significativa parcela da população residente no bairro está vulnerável a
expressivos impactos, tais como perda de bens materiais, possíveis riscos à
saúde e transtornos ao bem-estar pessoal. A unicidade de ocorrências no
bairro pode facilitar ações de planejamento e gestão mais eficazes,
considerando que todos os esforços para prevenir e/ou mitigar os impactos
para a população estão geograficamente concentrados e que, em caso de
calamidade, existem áreas na cidade que podem salvaguardar as vítimas das
inundações.
Curvas de nível da área de estudo
Modelo Digital de Elevação da área urbana de Ferreira Gomes - AP
Níveis de inundação do perímentro urbano de Ferreira Gomes -AP
Mapa de localização do perímetro urbano de Ferreira Gomes - AP
Considerações Finais
As construções urbanas situadas em leitos de cursos hídricos estão suscetíveis às inundações, que causam perdas materiais e humanas, podendo, ou mesmo, provocam a disseminação de doenças. Em referência a estas questões, as ferramentas de geotecnologia possibilitam o mapeamento das áreas vulneráveis às inundações e com elevado risco social. Seu uso torna-se, assim, primordial para a as ações de planejamento e gestão, bem como para o controle da ocupação das áreas de risco.
Agradecimentos
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