Autores

Zanatta, F.A.S. (IGCE UNESP) ; Cunha, C.M.L. (IGCE UNESP) ; Boin, M.N. (IGCE UNESP) ; Ferreira, M.V. (IGCE UNESP)

Resumo

O objetivo do presente trabalho constitui em discutir a necessidade de estruturar os critérios para definir as classes de energia do relevo, com base na proposta de Mendes (1993), bem como a elaboração da carta de energia de forma automática em SIG. Para tanto, serão apontados os critérios considerados para o caso das subbacias do alto curso do ribeirão Areia Dourada, localizada na área rural do município de Marabá Paulista (SP), de acordo com os objetivos da pesquisa e as características da área estudada. Ainda, é descrito o uso do programa ArcGis no processamento automático das informações de morfometria do relevo e avaliada sua eficiência. Conclui-se que este processamento, pela rapidez com que produz os dados, contribui na seleção dos critérios, pois permite a realização de diversos testes para melhor adequar o produto aos propósitos da pesquisa.

Palavras chaves

energia do relevo; critérios; processamento automático

Introdução

As cartas da morfometria do relevo contribuem significativamente no entendimento do relevo, considerados documentos importantes no planejamento agrícola e urbano e para pesquisas em geomorfologia. De acordo com Cunha (2001, p.41), esses dados permitem “quantificar os atributos das formas de relevo, passíveis de serem analisados através de sua geometria. Desse modo, estas cartas auxiliam no entendimento da estrutura morfológica do sistema relevo”. Através de metodologia desenvolvida por Mendes (1993), os dados de morfometria do relevo (declividade, dissecação horizontal e vertical), que caracterizam os terrenos de uma bacia de forma quantitativa, passaram a indicar o potencial ao desenvolvimento de processos morfogenéticos de forma qualitativa, em termos que variam de muito forte a muito fraco. Os critérios para definir as classes de energia, que resultam da união das cartas de morfometria, dependem do interesse particular da pesquisa e das características da área, sendo, portanto, necessário avaliar e definir em qual classe de energia determinada combinação dos dados morfométricos deve ser enquadrada. O presente artigo visa discutir os critérios de classificação da energia do relevo dos terrenos das subbacias do alto curso do ribeirão Areia Dourada, Marabá Paulista (SP). Tais critérios foram ajustados às características da área e aos objetivos de um projeto mais amplo, o qual busca identificar as limitações físicas para o uso da terra em área rural degrada. Localizada inteiramente na área rural do município de Marabá Paulista, a área estudada encontra-se inserida no contexto das formações areníticas do Grupo Bauru, especificamente as formações Adamantina e Santo Anastácio. Estas formações apresentam diferenças significativas em sua composição, visíveis no relevo da área, sobretudo pela maior resistência da Formação Adamantina, com cimentação por carbonato de cálcio e significativas estruturas hidrodinâmicas internas ao estrato, em relação à Santo Anastácio, a qual apresenta deficiência de material pelítico, com seleção de regular a ruim dos grãos (STEIN, 1999). As diferentes fácies da Formação Adamantina promovem rupturas topográficas abruptas, muitas vezes acompanhadas de afloramento do lençol freático. A montante das rupturas, os terrenos apresentam declives suaves (de 2 até 5%,) enquanto a jusante, a inclinação acentua-se (de 12 até 47%), onde, em alguns setores, escorrem as águas do lençol. Os solos da bacia são predominantemente arenosos, compostos de aproximadamente 80% de fração areia fina e com baixa porcentagem de carbono orgânico (CARVALHO, 1997). Desta forma a jusante das rupturas, com declive acentuado, sobre esses solos, as características físicas sugerem alta suscetibilidade ao desencadeamento de processos geomórficos. Na seleção dos critérios, considerou-se pertinente incluir a possibilidade de uso de acordo com a declividade do terreno, visto a área ser predominantemente rural. Desta forma, literaturas e legislações que abordam os limites de declive relacionados às atividades antrópicas foram estudadas para que essas informações fossem somadas à fragilidade dos terrenos na definição das classes de energia do relevo. Para melhor discutir os critérios adotados, foram selecionados três trechos representativos da problemática descrita. Nestas áreas, imagens orbitais de alta resolução do ano de 2013, adquiridas no Google Earth, com destaque às feições geomorfológicas, foram comparadas às classes de energia do relevo. Também será apresentada a técnica automática no programa ArcGis 10.2.1 para elaboração da carta de energia do relevo. Diferente das técnicas utilizadas por Mendes (1993), manual, Zacharias (2001) e Mathias (2007), semiautomáticas, a apresentada neste artigo é inteiramente automática, necessitando apenas inserir as informações de morfometria para cada classe de energia.

Material e métodos

A base topográfica para confecção das cartas de declividade, dissecação horizontal e vertical foi obtida a partir da digitalização das cartas topográficas do Plano Cartográfico do Estado de São Paulo, folhas 057/019; 057/20, 058/19 e 058/20, em escala 1: 10.000, com equidistância das curvas de nível de cinco em cinco metros. Já os canais fluviais foram extraídos a partir da interpretação da foto 07/5585 do aerolevantamento de Presidente Venceslau de 1997, com voo na escala 1:35.000. Cabe destacar que a drenagem foi ajustada a partir da fotointerpretação, visto que, comparando as fotografias aéreas de 1997 com as folhas topográficas, verificou-se a existência de incompatibilidades no traçado dos cursos fluviais. Alguns cursos existentes nas folhas topográficas correspondem, nas fotografias aéreas, à ravinamentos. Os dados de declividade foram gerados através da ferramenta create TIN from Features, fazendo as correções manuais dos problemas detectados no processamento automático. As cartas de dissecação horizontal e vertical foram adquiridas através de processamento automático, utilizando as ferramentas apresentadas por Ferreira et al. (2014) e Ferreira et al. (no prelo), respectivamente. Nestas cartas também foram realizados ajustes manuais dos erros identificados. Para elaboração da carta de energia do relevo consideraram-se as seguintes características da área estudada e objetivos do projeto pesquisa, base deste artigo: as rupturas topográficas abruptas; a fragilidade dos solos arenosos (CARVALHO, 1997) e os declives definidores de limites de uso da terra (LEPSCH, 1983; DE BIASE, 1997). Através dos critérios mencionados, foram definidas as classes: • Muito forte: declives íngremes a jusante (>15% até ≥47%) das rupturas topográficas abruptas ou dissecação horizontal (≤10 m) que indica maior potencialidade de desenvolvimento de processos denudativos; • Forte: declives superiores ao limite para uso de maquinário na agricultura (>12 até 15%); dissecação horizontal elevada (>10 até 20m ou as maiores distâncias do nível de base (dissecação vertical ≤10m), que tornam os terrenos com potencial ao desenvolvimento de processos geomórficos; • Medianamente forte: declive limite para uso de maquinário agrícola (de 10 a 12%), dissecação vertical (40 a 50m) ou horizontal (20 a 40m) que indicam potencial significativo ao desencadeamento de processos morfogenéticos; • Média: terrenos cuja morfometria apresenta valores intermediários de dissecação horizontal (40 a 160m) dentro do universo de estudo, com declividades que comportam a mecanização agrícola (5 até 10%) ou com baixos declives (2 a 5%) associados a dissecação vertical intermediária (20 a 40m); • Fraca: dentro dos intervalos adotados na pesquisa, representa os terrenos com baixo declive (2 a 5%), dissecação horizontal (160 a ≥ 320m) ou vertical baixas (≤10 até 20m); • Muito fraca: terrenos caracterizados por baixa declividade (≤2%), dissecação horizontal (≥ 320m) ou vertical (≤10m);. Para o processamento digital, foi utilizado o programa ArcGis 10.2.1. Os dados de dissecação horizontal e vertical e declividade foram cruzados a partir da ferramenta Intersect, gerando um novo shapefile. Neste arquivo, dentro da tabela de atributos, foi incluída uma nova coluna, denominada Energia. Na coluna, selecionado o Field Calculator, opção Phyton com Show Codeblock acionado, os dados da Tabela 1 foram inseridos na linguagem a qual o programa reconhece. Por exemplo, em terrenos com energia muito forte, a tabela foi traduzida como: if Dec==">=15" or Classe_Dis=="<=10": return "Muito Forte Após este processamento, que demandou aproximadamente dez segundos, todos os polígonos foram classificados de acordo com a respectiva classe de energia do relevo. Posteriormente, no layer que contém as referidas informações, em propriets – symbology foi acionado o campo Energia, espacializando, assim, as informações contidas nesta coluna, representando a carta de energia do relevo.

Resultado e discussão

O processamento automático, pela velocidade com que produz os dados, permitiu a realização de alguns testes até se chegar ao produto mais adequado para representar as características da área e atender os objetivos da pesquisa. É importante destacar que esse tempo de processamento, aproximadamente dez segundos, foi atingido utilizando um computador com processador Intel Core I5 3.0 GHz, com oito GB de memória RAM e sistema Windows 7 Professional 2009. Outro fato a ser considerado é a precisão com que a ferramenta cruza as informações de morfometria, que, na tabela de atributos, quando comparadas às colunas com as classes de dissecação horizontal, vertical e declividade e a respectiva classe de energia do relevo, não foi identificado qualquer erro. No entanto, considera-se sempre necessário realizar esta verificação. Desse modo, foram testadas algumas combinações das variáveis de morfometria dentro das classes de energia do relevo para que a espacialização destas correspondesse de forma mais adequada às características da área e propósitos da pesquisa. Os testes tiveram como preocupação o melhor enquadramento das classes de declividade, pois estas remetem diretamente às possibilidades de uso da terra, segundo a bibliografia e a legislação pertinente, bem como às características do relevo, sobretudo nos terrenos a jusante das rupturas topográficas abruptas. Além da carta de energia do relevo, também foram obtidos os dados quantitativos de cada classe de energia. Tais dados indicam que boa parte da bacia, 62,1%, encontra-se entre as classes média, fraca e muito fraca, devido ao predomínio de declives suaves e baixa dissecação horizontal, enquanto, em menor área, com 37,9%, as classes de energia medianamente forte a muito forte caracterizam, principalmente, os terrenos em concavidades e a jusante das rupturas topográficas, onde os declives são acentuados. Destas, 12,11% na condição de medianamente forte, com declives que indicam o limite máximo do uso de maquinário agrícola, ainda estão sujeitas ao uso antrópico, desde que acompanhados de técnicas conservacionistas. Para ilustrar a espacialização das classes de energia do relevo resultante dos critérios adotados, foram elaboradas figuras comparando as feições de relevo (rupturas topográficas e feições erosivas) com as respectivas classes de energia do relevo para dois setores, ao N e à W da área estudada. No caso ao N da área (Figura 2), nos terrenos a jusante das duas rupturas topográficas, onde aflora o lençol d’água, predominam as classes de energia muito forte, forte e medianamente forte, enquanto nos terrenos a montante das rupturas prevalece a classe de energia média. Figura 1: Feições de relevo e energia do relevo no setor N da área estudada. Na comparação entre a imagem orbital e as classes de energia do relevo, verifica-se que as feições erosivas que indicam processos lineares, laminares e gravitacionais incidem nos terrenos entre as classes de energia muito forte, forte e medianamente forte, em vertentes côncavas, convexas e no topo, este com energia do relevo forte devido à elevada dissecação vertical do terreno. A jusante da ruptura, as classes de energia média sucedem nas convexidades pelo baixo declive. Já na porção W da bacia, observamos o caso mais complexo dos analisados. Nesta área ocorrem voçorocas, acompanhadas de ravinas e sulcos, à jusante das rupturas topográficas abruptas. Nota-se que as feições lineares (sulco, ravina e voçoroca) ocorrem somente nas vertentes côncavas com energia que varia de muito forte à forte. Já as vertentes convexas, pelo declive suave, estão destacadas pelas classes de energia média.A montante das rupturas, em terrenos com energia do relevo média, ocorrem diversas marcas indicativas de erosão laminar (Figura 2). Figura 2: Feições de relevo e energia do relevo no setor W da área estudada. . Assim como no caso ilustrado ao N da bacia, essas feições sugerem o uso excessivo pela pecuária de terrenos onde o potencial ao desencadeamento de processos morfogenéticos, apontados pelas classes de energia do relevo, é significativo.

Feições de relevo e energia do relevo no setor N da área estudada.

Comparação entre as feições de relevo e a energia do relevo

Feições de relevo e energia do relevo no setor W da área estudada.



Considerações Finais

Destaca-se que, embora as feições erosivas ocorram em diversas classes de energia do relevo devido ao uso excessivo dos terrenos, os exemplos apontam maior incidência desses processos entre as classes medianamente forte, forte e muito forte, principalmente àquelas em estágio avançado de desenvolvimento (ravinas e voçorocas), que surgem somente entre esse intervalo, o que indica que as classes se adequaram ao equilíbrio frágil desses terrenos. Já as áreas com energia média que apresentam feições erosivas (sulcos e marcas que indicam erosão laminar), registram o uso excessivo e inadequado estabelecido, principalmente, pela pecuária. Os dados quantitativos indicam que 62,1% da área estudada apresenta de média a muito baixa potencialidade ao desencadeamento de processos morfogenéticos, ou seja, 1.313,76 ha são passíveis aos mais diversos usos, considerando a necessidade de técnicas conservacionistas adequadas à baixa agregação das frações granulométricas do solo e a proteção necessária a sazonalidade das chuvas. Ainda, os terrenos classificados com energia medianamente forte, que abarcam 12,11% (256.19ha), também são passíveis de uso agrícola, avaliando o limite máximo para uso de maquinário e a maior carência de técnicas conservacionistas por se localizarem, sobretudo, a jusante das rupturas topográficas, em litologias que deflagram menor resistência. Pelos motivos supracitados, compreende-se que os critérios adotados estão de acordo com a proposta da pesquisa e as característi

Agradecimentos

Às bolsas de doutorado concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo Nº 2015/00875-2.

Referências

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