Autores

Gomes, S.M.A. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Silveira, C.T. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ) ; Silveira, R.M.P. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ)

Resumo

A geomorfometria constitui o estudo e análise quantitativa da superfície terrestre amparado em Modelos Digitais de Elevação (MDEs), servindo como suporte para mapeamentos geomorfológicos. Assim, o trabalho visa a aplicação de atributos topográficos calculados a partir de MDEs para discernir unidades geomorfológicas em duas cartas de mapeamento sistemático na escala 1:50.000, MI 2726-4 e MI 2820-2. Utilizou-se dados altimétricos SRTM90 para obtenção dos atributos topográficos no software ArcGIS 10.1. O método empregado adaptou a proposta de classificação do terreno automatizada não supervisionada a partir das formas do terreno baseadas nos valores médios de Iwahashi e Pike (2007), utilizando as variáveis geomorfométicas: declividade, índice de posição topográfica e acumulação de fluxo. Através de árvore de decisões, a classificação automatizada resultou em 14 unidades geomorfológicas homogêneas, evidenciando o potencial da compartimentação geomorfométrica na cartografia geomorfológica.

Palavras chaves

Geomorfometria; Atributos topográficos; MDE SRTM90

Introdução

Partindo do Mapeamento Geomorfológico do Estado do Paraná, de 2006 (SANTOS et al, 2006), que se fundamenta no conceito de morfoestrutura e morfoescultura definidos por Ross (1992, 1997) e nas seis unidades taxonômicas do relevo, sendo que, devido à escala adotada de 1:250.000, o mapeamento foi realizado até os 3 primeiros táxons (que são Unidades Moestruturais, Unidades Morfoesculturais e Sub-unidades Morfoesculturais) este trabalho tem por objetivo realizar a compartimentação geomorfométrica de unidades de relevo a partir de atributos topográficos gerados do Modelo Digitais de Elevação SRTM90, visando avançar no desenvolvimento de técnicas que contribuam com a distinção de unidades morfológicas do relevo do 4º nível taxonômico de Ross (op cit.). Foram selecionados dois recortes geográficos como área de estudo, adotando cartas do mapeamento sistemático na escala 1:50.000, em áreas com feições geomorfológicas e contextos geológicos distintos. As folhas topográficas foram MI 2726-4 e MI 2820-2. A primeira localiza-se na região noroeste do estado do Paraná, sobre os municípios de Terra Rica, Guairaçá e Paranavaí. Está situada sob a Formação Caiuá do Grupo Bauru, com predominância litológica do Arenito Caiuá, inserida na Unidade Morfoestrutural Bacia Sedimentar do Paraná, Unidade Morfoescultural, no Terceiro Planalto Paranaense. Contempla duas Sub-Unidades Morfoestruturais, o Planalto de Paranavaí com formas predominantes de topos aplainados, vertentes convexas e vales em “V” aberto, modeladas em rochas da Formação Caiuá e Planalto de Umuarama que possui formas predominantes parecidas, como as vertentes convexas e vales em “V” modeladas da Formação Caiuá, sendo que a diferença são topos alongados e aplainados. (SANTOS, et al., 2006 e (MINEROPAR; UFPR, 2006). Na carta é identificável como feição geomorfológica de destaque os Três Morrinhos ou morro Três Irmãos, que é um conjunto alongado de elevações situado no município de Terra Rica, na porção mais ao sul do Grupo Bauru. Os morros Três Morrinhos são elevações regionais anômalas solitárias que se destacam na paisagem onde a predominância do relevo na região é de colinas amplas com topos aplainados. O morro mais alto é o do oeste, que possui 639 metros acima do nível do mar. São compostos por arenitos silicificados que foram mais resistentes aos processos erosivos que sofreram os arenitos da região. No antigo Deserto Caiuá existiam dunas de areias há aproximadamente noventa e sessenta milhões de anos atrás (FERNANDES et al, 2012). Já a carta 2820-2 localiza-se na região central do Estado do Paraná, compreendendo uma área de 2097,8 km². Abrange os municípios de Roncador, Nova Tebas, Pitanga, Mato Rico e parte de Iretama. A área da carta situa-se na Formação Serra Geral, constituída por extensos derrames de rochas vulcânicas, predominando basaltos (MINEROPAR, 2001). Conforme o mapa geomorfológico do Paraná, ela está inserida na Unidade Morfoestrutural Bacia Sedimentar do Paraná, Unidade Morfoescultural do Terceiro Planalto Paranaense e nas Sub-Unidades Morfoestruturais Planalto do Alto/Médio Piquiri que apresenta dissecação média e as formas predominantes são topos alongados e isolados, vertentes convexas e convexo-côncavas e vales em "U" abertos.e Planalto de Campo Mourão que apresenta dissecação baixa e com formas predominantes topos aplainados, vertentes retilíneas e côncavas na base e vales em calhas (SANTOS,. et al., 2006 e MINEROPAR, UFPR, 2006). Foi empregado no trabalho o uso da geomorfometria, prática de quantificação da superfície terrestre, que é um campo interdisciplinar que envolve a combinação de ciências da terra, matemática, engenharia e, mais recentemente, a ciência da computação (PIKE, 2002; PIKE et al., 2009) e engloba os Modelos Digitais de Elevação, que permitem extrair variáveis que representam a morfologia do relevo através de dados quantitativos e servem como suporte e base de mapeamentos geomorfológicos.

Material e métodos

As etapas definidas para o trabalho foram: a) levantamento da base de dados cartográficos existentes no recorte geográfico, organização de dados do MDE SRTM90, versão 4, e cálculo dos atributos topográficos; b) discretização dos atributos topográficos e organização da representação dos dados em classes; c) Integração das classes; d) geração dos mapas de classes dos compartimentos geomorfométricos. Cada uma das etapas foram realizadas em ambiente SIG (Sistemas de Informações Geográficas) utilizando o software ArcGIS versão 10.1 (ESRI, 2012) e suas extensões e ferramentas. O Modelo Digital de Elevação obtido foi o Shutter Radar Topographic Mission, versão 4 (2008), com resolução espacial de 90 metros (SRTM90). Os atributos topográficos primários e secundários foram calculados a partir de análise de vizinhança janela móvel 3x3 pixels. Os atributos calculados foram: declividade, aspecto, relevo sombreado, plano de curvatura, perfil de curvatura, acumulação de fluxo (com uso dos algoritmos D-Infinito e D8, sendo que para os mapas finais, foi escolhido o algoritmo D-8), índice topográfico de umidade (D-Infinito e D8) e índice de posição topográfica. Seguindo como base o método de Iwahashi e Pike (2007), que é a classificação do relevo automatizada não supervisionada a partir das formas do terreno baseadas nos valores médios, as variáveis geomorfométricas foram discretizadas para definir quais são as que melhor diferenciam as formas de relevo em cada recorte. Então, como o método consiste em uso de três variáveis geomorfométricas, foram escolhidas para o presente estudo a declividade, a acumulação de fluxo e o índice de posição topográfica. A declividade (ou clinografia) é a inclinação da superfície do terreno em relação ao plano horizontal e foi calculada a partir das variáveis direcionais de Horn (1981). Na acumulação de fluxo pelo método D8 é necessário ter a direção de fluxo para poder somar a área de contribuição, levando em consideração os 8 pixels de entorno. E o índice de posição topográfica (equação 1) proposto por Weiss (2001), é quem indica a posição topográfica do pixel ou de um ponto central (Z0) calculando a diferença de sua elevação e a média de elevação ao seu redor (Z) de acordo com o tamanho de raio predeterminado (R), neste trabalho o raio utilizado foi de 7 pixels. IPT= Z0 - Z (equação 1) Em seguida, a declividade e a acumulação de fluxo foram reclassificadas em duas partes. Para isso, foi calculada a média geral de cada uma. O índice de posição topográfica foi reclassificado em três partes dividindo-o pela metade do desvio padrão. Os valores encontrados em cada recorte foram diferentes mesmo empregando os mesmos parâmetros estatísticos. Isso se deve ao fato de que os dois recortes apresentam contextos geomorfológicos e geológicos distintos. Assim, no recorte da carta MI 2726-4, foi necessário utilizar a hipsometria para representar o morro residual Três Morrinhos. Utilizando apenas a declividade e o IPT não foi possível diferenciar tais morros que se destacam na paisagem local. A hipsometria, que é obtida pelos dados de elevação do MDE, foi dividida em 3 intervalos de acordo com a média de elevação e levando em consideração a elevação dos Três Morrinhos. Com as variáveis geomorfométricas reclassificadas, elas foram combinadas pela técnica de álgebra de mapas, resultando em 12 combinações distintas (2x2x3). Após, elas foram reagrupadas em classes a partir de árvores de decisão (figura 1). Cada recorte teve sua árvore de decisão específica por conta de suas características diferentes., porém seguindo os mesmos parâmetros geomorfométricos.

Resultado e discussão

Foram obtidas catorze unidades morfométricas ao todo, sendo que para cada recorte foi necessário organizar a árvore de decisões para classificar as unidades de forma a representar a compartimentação geomorfmétrica de cada recorte de acordo com suas características individuais do relevo. Então para o recorte da carta MI 2726-4, figura 2, foram obtidas oito unidades homogêneas. A classe 2 representa os canais de drenagem, representando, portanto, o caminho preferencial das drenagens. Foram mapeadas duas classes que possuem padrões de fundos de vales distintos, a classe 3 possui declividade acima da média, representando então os fundos de vales com talvegue encaixado e a classe 4, com declividade abaixo da média, representa os fundos de vales abertos predominantemente associados às cabeceiras de drenagem. As classes 5 e 6 são as classes intermediárias da vertente, onde a classe 5, que possui declividade acima da média, está associada às colinas onduladas e a classe 6 nas colinas suave onduladas, com declividade abaixo da média. Com a hipsometria foram obtidas as classes 1, 2 e 3, onde a classe 1 representa o morro residual Três Morrinhos, formação de destaque nas grandes áreas planas características do noroeste do estado e foi diferenciada das demais classes por possui elevação acima de 535 metros. As classes 7 e 8 foram obtidas a partir da média de elevação, onde a classe 7 representa os divisores de água secundários (espigões) e possui hipsometria abaixo da média e a classe 8, que possui hipsometria acima da média, está representando os topos de morro e espigões principais. A declividade média encontrada neste recorte foi de 4,78%, sendo que o máximo de declividade é de 55,85%, demonstrando, assim, que o relevo deste recorte é o mais plano dos três recortes, possuindo declividade baixa, o que era esperado por ser tratar de um recorte no noroeste do Paraná. Os intervalos do índice de posição topográfica, definidos por metade do desvio padrão, foram os seguintes: <-3,12 - inferior, -3,12 a 3,12 - médio e >3,12 - superior. A hipsometria média foi de 428 metros, a máxima de 620 metros. Após análise, definiu-se que as áreas com hipsometria acima de 535 metros como morros residuais, pois os mesmos são diferenciados a partir desta elevação. O recorte MI 2820-2, figura 3, está presente em uma região onde ocorreram grandes derrames de lavas basálticas sobre as unidades sedimentares (MINEROPAR, 2006). Estes derrames basálticos ocorridos possuem diferentes idades, níveis e espessuras, ocasionando em rochas de diferentes resistências. Assim, o relevo desta área apresenta diferentes patamares nos vales, que podem ser associados pelas mesmas características estruturais e geológicas. Levando isto em consideração, foram obtidas seis classes homogênias de unidades do relevo neste recorte, onde a classe 1, encontrada pela acumulação de fluxo acima da média, representa os fundos de vale. Com o IPT inferior em conjunto do IPT médio e declividade acima da média, encontrou-se a classe 2, que possui declividade acima da média e representa os patamares em posição de baixa vertente dos planaltos basálticos. A classe 3 também foi obtida pelo IPT inferior, porém possui declividade abaixo da média e representa os interpatamares inferiores dos planaltos basálticos. A classe 4 representa os interpatamares dos planaltos basálticos. A classe 5 são os interpatamares superiores dos planaltos basálticos e a classe 6 os patamares em posição de topos de morro. A declividade média encontrada neste recorte é de 14,78%, com máxima de 58,67%. Os intervalos do índice de posição topográfica foram: <-11,89 - inferior, -11,89 a 11,89 - médio e >11,89 - superior. Cabe destacar que o principal desafio para alcançar o objetivo do trabalho foi promover a integração com os mesmos intervalos geomorfométricos de diferentes áreas com distintas configurações de paisagem. O relevo paranaense é muito diversificado, e aplicar os mesmos parâmetros nos três recortes estudados (onde o relevo varia de plano, ondulado e muitíssimo ondulado) confirmou tal fato. Quando alguma informação procura representar algo generalizando, é comum esta informação se tornar subjetiva, pois muita interpretação eleva o grau de subjetividade. Isso acontece com a geomorfometria, porém, mesmo com toda a subjetividade que ela oferece, os avanços de técnicas geomorfométricas vêm se sofisticando, em busca de representar a realidade por meio de dados quantitativos. Essa busca por uma boa representação da realidade por meio de dados quantitativos do relevo, através da compartimentação geomorfométrica do relevo foi uma das preocupações neste trabalho. Após a classificação, procurou-se avaliar os compartimentos geomorfométricos encontrados relacionando-os com a paisagem, comparando-as com fotos da área, sempre levando em consideração que o tamanho da célula é de 90 metros. A figura 4 ilustra tal comparação.

Figura 1

Árvores de decisões das cartas MI 2726-4 e Mi 2820-2

Figura 2

Compartimentação geomorfométrica do recorte MI 2726-4

Figura 3

Compartimentação geomorfométrica do recorte MI 2820-2.

Figura 4

Comparação entre a compartimentação geomorfométrica e a foto da área. Carta MI 2726-4 e 2820-2.

Considerações Finais

A geomorfometria vem se mostrando uma importante ferramenta para o mapeamento geomorfológico, sendo que as técnicas geomorfométricas empregadas no presente estudo destacaram a grande distinção geomorfológica presente em diferentes áreas do estado do Paraná. Os atributos topográficos calculados a partir do MDE SRTM90 foram discretizados e integrados pelas técnicas geomorfométricas, mostrando o potencial do SRTM90 nas classificações geomorfométricas e nas bases de mapeamento geomorfológico. Foram encontradas catorze classes de unidades de relevo ao todo, com base no método de classificação do relevo automatizada não supervisionada a partir das formas do terreno baseadas nos valores médios e nas adaptações para a área de estudo. Sendo que, levando em consideração o método utilizado e as feições geomorfológicas distintas nos dois recortes, os melhores atributos para representar as unidades morfológicas mostraram ser a declividade, a acumulação de fluxo, o índice de posição topográfica e eventualmente a hipsometria. Tanto os resultados encontrados, quanto o uso do MDE SRTM90 dependem do fator de escala e do tamanho da célula. Para avançar nos estudos da área seria interessante o uso de um MDE com tamanho de célula de melhor qualidade.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e ao Laboratório de Pesquisas Aplicadas em Geomorfologia e Geotecnologias.

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